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Briga nociva a saude publica

CB, Politica, p.2
19 de Jul de 2004

Briga nociva à saúde pública

Divergências atrasam definição da política nacional de saneamento ambiental, discutida há 15 meses

Sandro Lima e Luiz Carlos AzedoDa equipe do Correio
Primeiro, o governo federal demorou a se entender em torno de posições conflitantes dos ministérios das Cidades e da Fazenda. Agora, um embate em que governos estaduais se opõem aos municípios e ao governo da União está obstruindo a criação da política nacional de saneamento ambiental, considerada por todos como indispensável para organizar e dinamizar um setor onde a falta de regras contribui há muito tempo para agravar os problemas de saúde pública.
O cenário é dramático: as deficiências nacionais em serviços de coleta e de tratamento de esgoto atingem diretamente mais de 80 milhões de pessoas — quase metade de toda a população. Parte desse universo, 45 milhões de pessoas não são servidas por redes de abastecimento de água. E nada menos do que 80% das doenças registradas no país têm como causa a inexistência ou a precariedade de serviços de saneamento básico.
Para intervir nesse cenário o governo Lula convenceu o Fundo Monetário Internacional, no fim do ano passado, a admitir um aumento do limite de endividamento dos estados e municípios, que lhes permitisse contratar empréstimos para obras de saneamento. Os investimentos aumentaram. Mas a definição da política nacional de saneamento entrou no labirinto do desacordo federativo, que tem complicado a vida do governo toda vez que mexe com as atribuições dos estados e municípios estabelecidas na Constituição brasileira.
O grande nó da discussão reside no entendimento do governo federal de que a Constituição atribui competência aos municípios para organizar e prestar os serviços de saneamento de âmbito local. Esse entendimento, adotado como princípio da política nacional do setor, provocou a rebelião dos estados, representados pelos dirigentes de companhias estaduais de água e esgoto — operadoras de um negócio bilionário.
Seminários
Os debates entre os diversos segmentos públicos, privados e profissionais que têm interesse no setor já consumiram aproximadamente 15 meses. E não parecem próximos do fim. Um ante-projeto que o governo federal vem montando desde outubro do ano passado, sob coordenação da Secretaria de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, será submetido nos próximos dias a mais uma rodada de discussões, desta vez em sete seminários regionais e um nacional. A partir da próxima semana a proposta entrará em fase de consulta pública e, se não houver outros impedimentos, em setembro será enviado ao Congresso.
Queremos o máximo possível de consenso, diz Abelardo Oliveira Filho, secretário nacional de Saneamento Ambiental.
É improvável qualquer acordo com os estados. Em reunião ocorrida há duas semanas, no Ministério das Cidades, representantes de 15 companhias discordaram da proposta e anunciaram que vão enviar um projeto próprio para o Congresso.
O presidente Lula, que arbitrou a disputa entre o ministério da Fazenda e o ministério das Cidades, se envolverá outra vez. O ministro Olívio Dutra e o presidente vão se reunir com os governadores e os prefeitos de capitais para diminuir a resistência das companhias estaduais, diz o secretário nacional de Saneamento.
A batalha das estatais

As companhias de águas e esgotos de três estados do Sudeste — São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo — estão comandando a oposição à proposta de política nacional de saneamento ambiental. A proposta desmonta o atual sistema de saneamento e não põe nada no lugar, critica o presidente da Sabesp, Dalmo Nogueira.

Com receita líquida de 3,8 bilhões e 900 milhões de investimentos anuais, a estatal paulista é uma empresa forte, com ações nas bolsas de São Paulo e de Nova Iorque. E não aceita a tese de que a titularidade do serviço de saneamento é competência dos municípios e nem admite parcerias com empresas privadas na execução dos serviços.Nas regiões metropolitanas, a titularidade é do estado. Já temos inúmeras decisões judiciais a esse respeito, argumenta Nogueira.

Com 5,7 milhões de ligações de água, 4,1 milhões de ligações de esgotos e 20 milhões de pessoas atendidas, em mais de 380 municípios, a Sabesp porém não é a dona da verdade quanto o assunto é água e esgoto. No Estado de São Paulo, 19 municípios têm agências reguladoras e parcerias com empresas privadas concessionárias do serviço de saneamento.

No Rio, são mais 13 municípios, dentre eles Niterói, Campos, Petrópolis e Friburgo; no Mato Grosso, três; em Minas, três; no Paraná, um; e em Mato Grosso do Sul e no Amazonas, as capitais, Campo Grande e Manaus, respectivamente.

Nossa experiência mostra que o novo modelo é possível nos municípios que podem ter um sistema integrado, com manancial próprio; e acredito que acabaremos chegando a um consenso, defende Mário Amaro, diretor-presidente da Citágua, a pequena empresa de saneamento que cuida do abastecimento de água e do tratamento de esgoto de Cachoeiro de Itapemi rim, município do interior do Espírito Santo.

Surpresa
Vice-presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas, Amaro está surpreso com a reação das empresas estaduais. Segundo ele, havia um consenso em torno das propostas do governo junto ao setor privado.

Grandes construtoras, empresas de engenharia, fabricantes de materiais e equipamentos de saneamento e a indústria de máquinas, através da Abimaq, estão muito próximas de um acordo, garante Amaro.

Todos concordam com a necessidade do projeto de lei regulamentando o setor, principalmente a área de abastecimento de água e tratamento de esgoto, e encaminharam ao governo um documento conjunto, assinado por dez entidades.

As carências

45 milhões de pessoas, nas áreas urbanas e rurais, carecem de atendimento por redes de distribuição de água

54 milhões de pessoas não contam com serviço domiciliar de coleta de esgoto

39 milhões de pessoas vivem em áreas não atendidas por serviços de tratamento de esgoto

Mais de 1.500 cidades tem lixões a céu aberto

80% das doenças registradas no Brasil decorrem da falta de saneamento básico

CB, 19/07/2004, p.2

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