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Brasil - 'Waynau Bii': Basta de Violência

Adital - http://www.adital.org.br/
Autor: Selvino Heck
08 de Set de 2008

izendo 'Waynau Bii' - Basta de violência, a índia Joênia Batista de Carvalho foi a primeira mulher indígena a falar ao Supremo Tribunal Federal, no julgamento da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. Abriu sua fala em wapixana, língua do seu povo.

Falou de sua vida. Desde criança, quando seus avós foram trabalhar nas primeiras fazendas das redondezas de Boa Vista, capital de Roraima, e forçados a aprender o português, ela ouvia o 'tira cerca, bota cerca' que marcaria sua adolescência. Sua comunidade decidiu que ela deveria ser professora para ajudar a educar os pequenos índios que lutariam pelas terras da reserva do futuro. Quando a irmã mais velha morreu ao dar à luz por negligência do hospital, Joênia decidiu que queria fazer mais. Queria ser advogada. Mudou-se para a capital com a mãe (o pai não aceitou viver na cidade grande), estudou por conta e passou em quinto lugar no vestibular da Universidade Federal de Roraima. Na sala de aula, quando surgia a questão indígena, os colegas, em sua maioria filhos de políticos e fazendeiros, viravam-se para ela.

Falou de seu povo, wapixana, e de outros da Raposa Serra do Sol. "Temos 300 escolas, 5,6 mil alunos, 485 professores. E R$ 14 milhões circulam anualmente na reserva. Mas nossa economia não é contabilizada. Somos caluniados e discriminados dentro de nossa própria terra." Joênia defende 268 comunidades, atuando pelo Conselho Indígena de Roraima. Seu irmão, Olavo, seguiu o exemplo e estuda engenharia florestal na Universidade Federal de Brasília, UNB.

Quase na mesma data do julgamento no STF, o jornal Valor Econômico destaca em manchete de capa: "Negócios com terras atraem investidores internacionais" (28.08.08). Segundo o jornal, a forte demanda por terras agrícolas no Brasil tem atraído grupos nacionais e estrangeiros que estão se associando a fundos e investidores, sobretudo internacionais, com tendência de valorização futura. Quatro empresas planejam investir no país mais de US$ 1 bilhão nos próximos meses.

E dá exemplos. A Agrifirma, que tem entre seus acionistas investidores ingleses, vai captar US$ 500 milhões em terras. A empresa já adquiriu 20 mil hectares, mas pretende crescer dez vezes mais. A americana AIG Capital Investments adquiriu 37% de participação na Calyx Agro, que já tinha como sócio o grupo francês Louis Dreyfus. Segundo um dos diretores da empresa, "a idéia é comprar terras para investir na produção agrícola e vender essas propriedades depois". Já a Calyx Agro tem duas propriedades na região dos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins e diz seu presidente: "Vamos alcançar cem mil hectares até o final do ano".

As terras brasileiras transformaram-se em um novo filão de negócios. O US$ 1 bilhão previsto pelas quatro empresas, somado aos recursos que devem ser aportados por companhias já instaladas no país, é suficiente para comprar 5% da área agricultável do Brasil, 4 milhões de hectares, segundo levantamento da consultoria Agroconsult (Valor Econômico, 28.08.08, B14). Cada vez mais escassas no mundo, as terras no país tiveram valorização média de 20% nos últimos 12 meses. "O foco mundial em alimentos e energia renovável tem atraído os investidores ao país", disse Ricardo Freire, da empresa de consultoria imobiliária Colliers.

Por aí se descobre porque o tema Raposa Serra do Sol adquiriu repercussão nacional e internacional. Não é apenas por ser uma área indígena ou uma área extensa. Há muito mais interesses em jogo, somado ao fato de o governo federal estar propondo uma revisão na lei que regulamenta a compra de terras por estrangeiros.

A importância do julgamento no STF vai, pois, muito além de uma terra indígena, por mais importante que ela seja. Quando alguns falam que a soberania nacional estaria ameaçada se todas as terras indígenas fossem reconhecidas, o que afetaria terras de fronteiras e milhões de hectares não aproveitados ou subaproveitados, na verdade a ameaça pode ser outra e estar vindo de outro lado. Ou seja, a soberania ameaçada é quando terras brasileiras são compradas aos milhares e milhões de hectares por fundos e investidores sem rosto e sem pátria, cujo único objetivo é participar da compra e venda de terras como especulação imobiliária, "aproveitando o 'boom' desse novo e valorizado mercado", como diz um sócio da empresa Radar.

As terras compradas por esses investidores não o são para produzir alimentos. Servem exclusivamente para especular e ganhar dinheiro, da mesma forma como os especuladores de alimentos manipularam os estoques de alimentos no mundo nos últimos meses, aumentando a inflação mundial e, principalmente, aumentando a fome de milhões nos países mais pobres e miseráveis.

Mas, que interessa isso, na visão capitalista neoliberal, se o lucro está garantido, se as ações valorizaram, ainda mais quando há uma crise, bancos estão quebrando ou à beira de quebrar nos EUA e Europa? De que valem índios e sua cultura, índios e sua sobrevivência? Milhares de hectares para que os povos indígenas possam viver e conviver afronta o sagrado direito de propriedade e de lucro, é contra a lei e a natureza, dizem. Milhares, às vezes milhões, de hectares para especulação de um ou de meia dúzia não são afronta a nenhuma lei humana ou divina, porque fazem crescer a riqueza de poucos no mundo, ainda que às custas da pobreza e da miséria de muitos.

Joênia e os wapixana, quando defendem sua língua, seus usos, seus espaços de vida, nadam contra a corrente, confrontam valores de uma sociedade hipócrita e desigual. E relembram todos os dias que a dignidade, o direito à vida e ao alimento, a harmonia com a natureza são mais sagrados que a opulência, a vaidade e o luxo.
Basta de violência, diz Joênia. Não só para os índios, digo eu, mas também para os 3 p, os pobres, os pretos e as prostitutas. Quem acredita nisso é solidário à Raposa Serra do Sol em área contínua.

http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=34875

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