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Brasil tem quase 600 terras reivindicadas por indígenas sem respostas do estado

O Globo, Brasil. p. 12
25 de Abr de 2023

Brasil tem quase 600 terras reivindicadas por indígenas sem respostas do estado
Governo Lula, que hoje anunciou demarcação de seis novos territórios, não cumpriu a expectativa de homologação de 13 Terras Indígenas nos primeiros 100 dias de gestão

Por Lucas Altino - Rio de Janeiro
24/04/2023 14h13

Nesta sexta-feira, o presidente Lula anunciou a demarcação de seis territórios indígenas, os primeiros a serem oficializados desde 2018. Durante a gestão de Jair Bolsonaro, nenhuma área foi demarcada. Apesar do anúncio, o país ainda está longe de atender à demanda dos povos originários. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), há ainda 598 terras reivindicadas por indígenas, mas que não receberam nenhuma providência para regularização.

Na segunda-feira (24/04), cerca de 500 indígenas iniciaram o Acampamento Terra Livre (ATL), que este ano traz como mote principal a retirada dos chamados "PLs da Morte", com manifestações na porta do Congresso Nacional. Além do repúdio a projetos de lei que flexibilizam o garimpo em TIs e o que institui o marco temporal, as lideranças pedem o fim da violência contra seus povos e a retomada das demarcações de terras.

Durante o encerramento do acampamento, que se despede hoje de Brasília, Lula afirmou que o governo vai trabalhar para demarcar o "maior número possível de terras indígenas". Na cerimônia, o presidente assinou os decretos de demarcação dos territórios Uneiuxi, na Amazônia, Tremenbé da Barra do Mundaú, no Ceará, Kariri Xocó, em Alagoas, Ava Canoeiro, em Goiás, Rio dos Índios, Rio Grande do Sul, e Arara do Rio Amazônia, no Acre. Ao todo, as áreas somam 612.863,3 hectares - ou 6.128 quilômetros quadrados. No local, foi estendida uma faixa contra o marco temporal sobre essas áreas, questão em análise no Supremo Tribunal Federal (STF).

A expectativa, entretanto, era que fossem feitas as demarcações de 13 territórios indígenas nos primeiros 100 dias de governo Lula. Juntas, eles ocupam 843 mil hectares e lá vivem 16.836 indígenas. Essas comunidades, que sofrem pressões de grileiros, madeireiros e fazendeiros, ficam na Bahia, Alagoas, Paraíba, Ceará, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Acre e Amazonas. Dos seis territórios anunciados, quatro estavam nessa lista.

- É um ato fundamental de sinalização de construção de uma nova política indigenista - afirma Tiago Moreira, antropólogo do Instituto Socioambiental (ISA), e que mantém a expectativa pelas homologações. - São terras que esperam homologação há mais de 10 anos. Nos últimos tempos, tivemos um congelamento de política de reconhecimento territorial. O ritmo já vinha desacelerado no governo Dilma, mas depois de 2016 praticamente quase zerou. Com o Temer houve apenas uma demarcação, e o Bolsonaro cumpriu sua promessa de não demarcar.

Levantamento feito pela equipe de transição do ano passado mostra que o país tem outras dezenas de terras já declaradas, com Portaria Declaratória do Ministério da Justiça, aguardando apenas a homologação por decreto do presidente. Segundo o ISA, há 74 terras, incluindo as 13 listadas, nessa situação.
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Se há comunidades com pendências administrativas, o número é maior entre os territórios reivindicados por povos indígenas e que não sofreram nenhuma ação do estado. Segundo o Cimi, são 598 terras nessa situação:

"A morosidade nas demarcações é antiga, e o passivo coloca diversas comunidades indígenas em situação de extrema vulnerabilidade, fomentando conflitos e violações. Algumas comunidades esperam as providências há décadas", diz um trecho do relatório.

De acordo com o monitoramento do ISA, antes da novas demarcações anunciadas, havia 490 TIs homologadas ou reservadas, que significa terras adquiridas pelo estado ou alguma empresa e posteriormente transferidas para assentamentos indígenas. Além disso, há 119 comunidades "em identificação", ou seja, recebendo trabalho da Funai para regularização; 43 terras que já foram identificadas pelos grupos técnicos de trabalho, além de 74 já declaradas, aguardando homologação.

A última TI a ser homologada no Brasil foi a Baia do Guató, no Mato Grosso, em 2018. No entanto, meses após o decreto de Michel Temer (única demarcação realizada no seu governo), a homologação foi suspensa pela justiça, atendendo a um pedido de produtores locais, sob alegação do marco temporal, uma tese que diz que demarcações só poderiam acontecer se os indígenas conseguirem provar que estavam no local antes da promulgação da Constituição, em 1988. Esse mecanismo é criticado por indígenas e associações protetoras, pois ignoraria que, em muitos casos, indígenas estavam expulsos de seus territórios originais durante a década de 80.

Antes da Baia do Guató, houve três homologações, em 2016, no final da gestão Dilma: Pequizal do Naruvôtu, Piaçaguera e Cachoeira Seca. Além da inação do governo, Moreira explica que muitas demarcações acabam sendo atravancadas por brigas judiciais.

- Toda vez que um fazendeiro consegue uma decisão favorável, o processo congela, pois impede que o Grupo de Trabalho entre na área para fazer o levantamento antropológico - explica Moreira, que enxergou aumento das judicializações nos últimos anos. - O fato de o último governo ter dado sinalização de que reconheceria, por exemplo, o marco temporal, animou mais processos na justiça.

Procurados, a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas não se manifestaram.

Das 13 terras indígenas, nove restam prontas para homologação:

TI Aldeia Velha, do povo Pataxó (Bahia)
TI Potiguara de Monte-Mor, do povo Potiguara (Paraíba)
TI Xukuru-Kariri, do povo Xukuru-Kariri (Alagoas)
TI Morro dos Cavalos, do povo Guarani (Santa Catarina)
TI Rio dos Rios, do povo Kaingang (Rio Grande do Sul)
TI Toldo Imbu, do povo Kaingang (Santa Catarina)
TI Cacique Fontoura, do povo Karajá (Mato Grosso)
TI Rio Gregório, do povo Katukina (Acre)
TI Acapuri de Cima, do povo Kokama (Amazonas)

Cacique Raoni esteve com Lula na posse

O cacique Raoni Metuktire, de 93 anos, uma das principais lideranças indígenas do Brasil, foi um dos representantes do povo que subiram a rampa do Palácio do Planalto para entregar a faixa presidencial para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em sua posse, no dia 1o de janeiro deste ano.

De mãos dadas com Lula, Raoni era o nome mais famoso da pequena comitiva da transmissão da faixa. Ele é reconhecido mundialmente como uma liderança na luta pelos direitos indígenas no Brasil. Durante a gestão anterior, chegou a ser criticado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro durante um discurso na ONU.

Curiosamente, o indígena de 93 anos foi uma voz crítica a uma das obras mais polêmicas feitas durante o governo petista, a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Durante a campanha eleitoral, entretanto, ele superou a divergência e declarou apoio a Lula.

O Globo, 25/04/2023, Brasil. p. 12

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/04/cinco-anos-apos-a-ultim…

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