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Brasil ratificou o Acordo de Paris. Mas, será que isso muda alguma coisa?

G1 - http://g1.globo.com/natureza/blog
Autor: GONZALEZ, Amelia
14 de Set de 2016

Brasil ratificou o Acordo de Paris. Mas, será que isso muda alguma coisa?

Amelia Gonzalez

Não custa lembrar que, ao ratificar o Acordo de Paris, como o presidente Michel Temer fez na segunda-feira (12), o país se comprometeu com algumas medidas que exigem mudanças sérias. O Brasil é um dos maiores emissores mundiais, respondendo por 2,48% das emissões globais. Segundo o site da ONG ambientalista WWF, isso significa mais do que toda a soma dos 24 países que tinham ratificado o Acordo até semana passada, antes da entrada de Estados Unidos e China.

Então, vamos lá: para ajudar o mundo a tentar manter em 1.5 grau o aquecimento até o fim do século, será preciso reduzir em 43% as emissões de gases de efeito estufa em 2030 em relação aos níveis de 2005, alcançar 45% de energias renováveis (incluindo hidrelétrica), zerar o desmatamento ilegal em 15 anos e restaurar 12 milhões de hectares de florestas, entre outras medidas de impacto. Isso tudo não é feito sem mexer profundamente na maneira como são produzidos os bens de consumo, sem mexer profundamente também nos hábitos de consumo.

E tem que ser a sério, sem maquiagem. Dia desses eu vi, num supermercado da moda, uma bolsa supostamente reciclável sendo vendida a R$ 9,90 e me peguei pensando como o setor produtivo, muitas vezes, absorve os discursos ambientalistas para se desenvolver mais. É o tipo de atitude que não teria mais espaço num país que realmente estivesse engajado com a causa de conservar os recursos naturais. Mesmo que seja apenas diminuindo as emissões de carbono, o que está cada vez mais provado que não é o único caminho.

Para que o Acordo de Paris, conseguido a duras penas depois de 20 anos de debates entre os 194 líderes das nações unidas comece a valer globalmente, é preciso a ratificação de 55 países, representando um mínimo de 55% de todas as emissões globais. Até agora, incluindo o Brasil, 27 nações se comprometeram a adotar medidas para que o Acordo não seja uma retórica inútil. A principal questão, que deve estar emperrando a ratificação da maioria, é que, ao mesmo tempo em que o contrato prevê um meio ambiente cada vez menos impactado, é difícil construir um novo paradigma que exclua dos sonhos de cada líder o desejo de ver a nação no ranking dos desenvolvidos. E desenvolvimento, como se entende hoje, exige muito dos recursos naturais.

É com esse paradoxo que se está lidando, às vezes de maneira muito clara. Há uma reportagem no jornal "Valor Econômico" de hoje que mostra bem a dificuldade de juntar gesto à intenção. Ou, a absoluta falta de compromisso com aquilo que está sendo dito. A notícia é que o secretário-executivo do Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), Moreira Franco, viajará com Michel Temer a Nova York para "desenvolver projetos de infraestrutura junto com os Estados Unidos".

O texto da reportagem, assinado pelo correspondente Juliano Basile, de Washington, diz que a expectativa (do mercado) é a de que o atual governo "mostre um posicionamento mais aberto ao governo americano e às empresas para discutir a configuração dos projetos".

O que o secretário fez questão de enfatizar é que os novos investimentos serão "antecedidos pela concessão ambiental para a realização das obras". Isso significa que será bastante reduzido, ainda segundo a reportagem, o risco de os projetos serem paralisados após uma companhia vencer a licitação. A referência às restrições rígidas impostas pelos governos Lula e Dilma Roussef se segue:

"Com isso, será bastante reduzido o risco de os projetos serem paralisados após uma companhia vencer a licitação, o que afastou investidores internacionais de leilões no país".

Ocorre que quem mora no entorno de tais empreendimentos, geralmente pessoas que se fazem representar por organizações ambientais, pensa diferente. Um dos episódios recentes, com a marca da bandeira nacional, que pode ilustrar bem essa complexa negociação é a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Os índios que moram perto da Usina, em Altamira, e que já estão sendo diretamente impactados, não se cansam de denunciar que suas terras estão sendo destruídas enquanto avança o empreendimento que poderá suprir cerca de 10% do consumo nacional de energia.

Um dossiê sobre Belo Monte publicado recentemente pelo Instituto SocioAmbiental mostrou que os povos indígenas da região perderam o controle sobre parte de seus territórios e os recursos naturais nele existentes. Eles vêm sofrendo com o aumento do desmatamento, riscos à segurança alimentar, piora no atendimento à saúde e perda de autonomia, entre outros impactos. Isso, mesmo com uma legislação ambiental mais rígida, sem a preocupação, pelo menos não tão aparente, de trazer a qualquer preço os empreendedores estrangeiros para o Brasil. (Parece discurso do país na Conferência de Estocolmo em 1972).
Na esteira dessa e de outras reclamações envolvendo povos tradicionais, a ONU publicou um informe na quinta-feira passada (1) em que afirma que os grupos indígenas brasileiros estão mais ameaçados hoje que há 30 anos. Segundo o informe, produzido pela relatora da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, até hoje não se reconhece totalmente a contribuição que os indígenas têm dado para a conservação da natureza.

"O pleno reconhecimento dos direitos dos povos indígenas sobre a Terra e sua participação são condições essenciais necessárias para que a conservação continue. As zonas protegidas estão aumentando, mas ao mesmo tempo seguem sendo ameaçadas pela indústria extrativista, pelo setor energético e pelos projetos de infraestrutura. A insegurança sobre a posse coletiva da terra continua a dificultar a capacidade de os povos indígenas protegerem as suas terras, seus territórios e os recursos naturais tradicionais", diz o relatório.

As organizações dedicadas à conservação da natureza devem usar muito mais seu poder para promoverem o reconhecimento legal dos direitos dos povos indígenas, acrescenta o documento.
É uma sugestão, apenas. Mas não custa tentar.

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