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Brasil possui uma "Itaipu atrasada" em novas usinas

FSP, Dinheiro, p. B1
05 de Mai de 2008

Brasil possui uma "Itaipu atrasada" em novas usinas
Há 15 mil MW em usinas autorizadas que não saíram do papel, aponta Aneel
De cada 10 MW prometidos, agência acredita que 3 MW podem entrar em operação nos próximos anos; governo diz que não faltará energia

Agnaldo Brito
Da reportagem local

Metade da capacidade de geração de energia elétrica prometida por empreendedores ao país não tem qualquer previsão para entrada em operação. Somadas, essas usinas espalhadas por todo o território brasileiro equivalem ao potencial da usina hidrelétrica de Itaipu, a maior do país e responsável por sustentar 20% da eletricidade consumida pelo Brasil. É o que revela o último levantamento da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) atualizado em abril e disponível na página do órgão regulador na internet.
Entre concessões de hidrelétricas e autorizações de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), parques eólicos ou termelétricas, o país aguarda a construção de usinas que, somadas, dariam ao sistema mais 29,5 mil MW (megawatts) em capacidade de geração, um incremento de 30% sobre o atual potencial instalado no país.
No total, são 508 empreendimentos planejados. O governo reconhece o problema, mas mantém a promessa: não vai faltar energia.
Levantamento da Folha nos relatórios da Aneel mostra que 15 mil MW, ou 51% da promessa de nova capacidade, autorizados ou concedidos pela Aneel não possuem qualquer previsão de instalação. São obras que possuem "graves impedimentos para entrada em operação", segundo relato da Aneel. Segundo o grupo de fiscalização da agência, as obras receberam uma tarja vermelha.
A capacidade instalada em atraso pode ser ainda maior se considerados os problemas enfrentados por um conjunto de 17,8% das obras, que também possuem impedimentos para entrada em operação, embora não recebam a legenda de "graves impedimentos" no documento. São 5,24 mil MW em potencial nessa situação.
No levantamento, esses empreendimentos ou "não tiveram as obras iniciadas" ou também aguardam licenciamento ambiental. Como são obras de menor porte, grande número de licenças é concedida pelas agências ambientais dos Estados, e não pelo Ibama.
Esses projetos recebem a cor amarela, de atenção. "Muitas dessas obras possuem pequenos problemas que podem ser resolvidos em pouco tempo. Podem, portanto, serem enquadradas como obras em andamento", afirma a Aneel.
Para João Carlos de Oliveira Mello, presidente da consultoria Andrade & Canellas, que acompanha a evolução da infra-estrutura energética no país, a dúvida maior não está nos empreendimentos com atrasos considerados relativamente simples, mas na metade da capacidade instalada sem previsão de instalação.
"São pequenos projetos, mas que somados representam um volume importante de geração. São relevantes porque, de fato, não há grande quantidade de energia nova que entrará no sistema elétrico brasileiro nos próximos dois, três anos. Esse atraso é preocupante."

Baixa garantia
Dos 29,5 mil MW prometidos por empreendedores à Aneel, 9,22 mil MW formam a capacidade que a Aneel acredita que deverá entrar no sistema elétrico brasileiro nos próximos anos, equivalente a 31,2% do total. De cada 10 MW prometidos por empreendedores, apenas 3 MW podem sair do papel efetivamente.
O Brasil terminou o ano de 2007 com um potencial de geração instalado de 100,3 mil MW e tem uma expectativa "conservadora" de elevá-lo até dezembro deste ano a 103,5 mil MW, o que exigiria a entrada em operação de uma nova capacidade de mais 3.200 MW.
Esse potencial equivale a uma usina do porte de Santo Antônio, cuja concessão foi arrematada em dezembro por um consórcio liderado pela Odebrecht, ou Jirau, que deve ser leiloada no próximo dia 19. Ambas ficam no rio Madeira.
As estimativas da Aneel, contidas no relatório, indicam que neste ano 2,55 mil MW em potencial de geração serão ligados ao SNI (Sistema Interligado Nacional). A previsão, conforme o cronograma inicial, era ter 4,3 mil MW em capacidade nova. O governo federal aguarda a entrada de mais 2.583 MW.

Oferta maior evitará riscos, diz governo

Da reportagem local

O governo federal espera que mais 2.583 MW sejam incorporados ao sistema elétrico brasileiro até dezembro deste ano. Para 2009, a expectativa do Ministério de Minas e Energia (MME) é a de que 4.825 MW sejam acrescidos à capacidade de produção comercial de energia. "São números muito conservadores. Na dúvida, não estamos considerando", diz Ronaldo Schuck, secretário de energia do ministério.
Na avaliação do governo, esses volumes são mais do que suficientes para assegurar o abastecimento do mercado brasileiro. Tal segurança, diz ele, decorre do fato de o governo ter adotado uma postura muito conservadora em relação à incorporação de novas usinas ao parque gerador nacional. O governo reconhece os números revelados no relatório mais recente da Aneel e afirma que tem buscado agilizar projetos considerados relevantes para expandir a oferta interna.
O próprio secretário admite que os atuais volumes de energia nova estão abaixo da expansão da demanda brasileira, que hoje avança num ritmo de 5% ao ano. Schuck explica que a fiança dada pelo governo para as afirmações de que não há risco de desabastecimento se baseia na convicção do aumento da capacidade de produção de energia e na sobra ainda existente no sistema elétrico brasileiro. O governo não revelou qual é o tamanho dessa sobra, mas admite que ela está sendo utilizada.
Para o governo, a situação é transitória, por acreditar que, a partir de 2011, grandes obras hidrelétricas (como a usina de Santo Antônio, no rio Madeira) começarão a entrar no sistema, e assim a oferta deverá alcançar a demanda. Segundo ele, o comitê de monitoramento do governo federal acompanha mensalmente a evolução das obras e tem "segurança" de que o Brasil não passará por crises de abastecimento.
Nos dias 20 e 21 de maio, a Aneel realizará leilões para a chamada energia de reserva. Será a maior compra de energia de biomassa gerada a partir de cana-de-açúcar já feita no país. É a oferta mais robusta que deverá entrar no sistema a partir de 2009. Não há previsão em volumes equivalentes em qualquer outra fonte. Dos 118 empreendimentos inscritos (que ofertam uma capacidade de 7.811 MW), o ministério acredita que o setor venderá capacidade equivalente a 4.000 MW para entrega em 2009 e 2010.
O país precisa hoje de um parque gerador que seja capaz de fornecer mais de 64 mil megawatts médios em horários de pico de consumo. Essa foi a carga recorde que o país exigiu do sistema elétrico nacional no último dia 11 de abril. A carga média é de 52 mil MW e é sobre esse volume que o governo faz seus cálculos. O crescimento de 5% da demanda por energia sobre essa carga requer uma expansão de 2.500 megawatts médios por ano. (AB)

Entidade pede alteração de prazos à Aneel

Da reportagem local

A APMPE (Associação Brasileira dos Pequenos e Médios Produtores de Energia Elétrica) solicitou à Aneel a revisão dos prazos para a instalação de usinas nos próximos anos. O objetivo é rever as autorizações e reenquadrá-las em prazos mais "exequíveis".
Os empreendedores temem que o descumprimento dos prazos leve muitos a perderem as autorizações concedidas pela Aneel. Há risco de isso ocorrer. Segundo Fábio Sales Dias, diretor-executivo da associação, há problemas não previstos pelos empreendedores que comprometem os cronogramas.
Entre os investidores de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas, que são usinas com potência instalada igual ou menor que 30 MW), o empecilho está na obtenção da licença para a retirada da vegetação das áreas afetadas pelos reservatórios.
"Essa não é a tradicional licença ambiental, e uma outra licença é necessária para as usinas. Isso está demorando muito e atrasando os projetos", diz Sales Dias.
Segundo ele, a revisão dos cronogramas tiraria muitas das usinas da avaliação atual de que não possuem previsão de instalação. Sales Dias explica que o setor aceita assinar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) a partir do qual se comprometeria a cumprir os novos prazos e colocar em funcionamento os empreendimentos. (AB)

FSP, 05/05/2008, Dinheiro, p. B1

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