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Brasil: país dos rios ou dos esgotos?

Terra da Gente n. 38, jun. 2007, Ponto Final, p. 82
Autor: WHATELY, Marussia
30 de Jun de 2007

Brasil: país dos rios ou dos esgotos?

Marussia Whately 33 anos, é arquiteta e coordenadora do Programa Mananciais do Instituto Socioambiental (ISA)

Metade da população mundial vive nas cidades. São 3 bilhões de pessoas, das quais um terço, estima-se, não possui acesso à água de boa qualidade. Nos últimos 60 anos, a população mundial duplicou e o uso da água se multiplicou por sete. Até 2025, as previsões apontam para um acréscimo de 2 bilhões de pessoas à população mundial, em grande parte concentrada nas cidades, em especial nos países em desenvolvimento. Tal cenário leva a um quadro preocupante de acesso à água de boa qualidade.

Ao longo do tempo, em especial no último século, o homem passou a usar mais água. As razões para esse aumento incluem o crescimento populacional, o desperdício, a contaminação e a demanda crescente para a produção de alimentos (expansão da agricultura irrigada). Com a continuidade das práticas de superexploração e mau uso da água, a tendência é a drástica diminuição da quantidade de água disponível por habitante, com impactos graves, em especial para as populações carentes, que hoje já enfrentam sérios problemas de saneamento precário e falta de acesso.

No Brasil, país que detém 12% da água doce superficial do planeta, a situação infelizmente não é diferente. A ausência de saneamento adequado configura-se como um dos mais sérios problemas socioambientais brasileiros, pois resulta na contaminação de boa parte dos rios que cortam as cidades - diminuindo, portanto, a quantidade de água de boa qualidade acessível para abastecimento - e, por outro lado, está na origem de grande parte das internações e dos óbitos causados por doenças de veiculação hídrica, como cólera, hepatite A, dengue e amebíase.

Segundo dados do IBGE, em 2000,40% da, população não contavam com redes coletoras de esgotos. E a falta de tratamento dessas águas servidas é ainda mais assustadora: 80% dos esgotos produzidos são lançados sem qualquer tratamento nos corpos d' água, isto é, rios, córregos, riachos e represas. Com isso, o país dos rios vai se transformando no país dos esgotos.

Vale citar o caso de Manaus, às margens do Amazonas, o maior rio do planeta em volume de água, onde 1/3 da população não tem acesso à água de boa qualidade e boa parte dos igarapés está contaminada por esgotos. E o caso da Região Metropolitana de São Paulo - o maior aglomerado urbano do País -, que apresenta um quadro preocupante em relação à qualidade e disponibilidade de água. Os principais rios - Tietê, Pinheiros, Tamanduateí, e até mesmo o Ipiranga, rio citado na primeira estrofe do nosso Hino Nacional - foram transformados em esgotos. A região conta hoje com coleta de aproximadamente 70% do esgoto gerado por sua população de 19 milhões de pessoas, mas o tratamento se restringe a algo em torno de 35% do total produzido.

Com a maioria de seus rios poluídos, desde o início do século passado a Grande São Paulo busca ampliar as suas fontes de água. Hoje já conta com oito sistemas produtores, como as regiões das represas Guarapiranga e Billings, cuja qualidade das águas encontra-se seriamente comprometida pela ocupação urbana de seus entornos e conseqüente despejo de esgotos.

Com o crescimento das cidades, intensificam-se os problemas de ocupação de bacias hidrográficas e destruição dos recursos naturais, entre eles, a água. Algumas cidades do mundo já acordaram para o problema, como Nova York, que nos anos 1990 iniciou um amplo programa de uso racional da água e 'proteção das bacias hidrográficas produtoras de água. 0 programa mostrou-se mais econômico do que o investimento necessário para ampliar a produção e tratar a água poluída. Entre as ações, vale destacar a substituição das válvulas de descarga, a aquisição de terrenos pela prefeitura nas porções ambientalmente sensíveis dos mananciais e os acordos com os proprietários das áreas de mananciais (em troca da proteção ambiental, eles passam a ter compensações econômicas). São ações assim que devem ser incorporadas às políticas públicas no Brasil, deforma integrada e planejada, para que, no futuro, nossos rios voltem a correr limpos e garantam saúde e qualidade de vida a toda a população.

Terra da Gente n. 38, jun. 2007, Ponto Final, p. 82

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