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Brasil no perde/ganha da escassez de recursos

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
07 de Set de 2007

Brasil no perde/ganha da escassez de recursos

Washington Novaes

Estudo da revista New Scientist, comentado pelo autor destas linhas na edição de 27/7 - e que tratava da possibilidade de se esgotarem em pouco tempo as reservas conhecidas de minérios no mundo, inclusive os utilizados em setores estratégicos -, motivou instigantes considerações do professor Renato Caporali, doutor em Economia pela Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais de Paris e gerente de Cooperação Internacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Entende ele que a questão dos recursos naturais está levando a que o foco da prosperidade escape dos países centrais; que o problema maior do endividamento também se está deslocando dos países "emergentes" para a principal economia do mundo, os Estados Unidos; que o Brasil pode mais se beneficiar do que ser prejudicado pela nova crise; e que, em meio a tudo isso, "o tema da mudança climática alcançará status de uma histeria coletiva comandada pelas principais forças econômicas mundiais".

Pensa o professor Caporali que a escassez de certos recursos "foi a tendência que determinou o processo de desenvolvimento econômico nos últimos 30 anos, de uma maneira mais profunda do que se costuma crer" - observada desde as previsões do Clube de Roma, em 1972, sobre o provável esgotamento de matérias-primas. Foi, diz ele, uma previsão muito criticada pelos que achavam que ela "parecia ter a intenção de congelar os diferentes graus de desenvolvimento econômico, eternizando as economias subdesenvolvidas frente a uma pequena economia desenvolvida", mas sem prever o avanço do progresso técnico, capaz de poupar materiais. A seu ver, entretanto, "o estudo foi profético no curto prazo e aparentemente totalmente errado no longo prazo". Apesar de a forte alta que se seguiu no preço do petróleo na década de 70 haver sido seguida pela redução de cotações desse produto e das matérias-primas, "tudo que se poderia depreender da lógica do esgotamento relativo sobre a dinâmica da acumulação de capital veio ocorrendo nas décadas seguintes" - tanto o progresso técnico poupador de recursos como a "real estagnação da economia terceiro-mundista, enquanto o progresso se concentrava nos países ricos". Portanto, "um agravamento, e não a atenuação dos diferenciais de riqueza no mundo".

Mas o problema dos recursos se mantém. E "começa de novo a mostrar sua presença logo que o mundo não-desenvolvido corrige seus desequilíbrios estruturais, retomando o caminho do crescimento". O aquecimento da demanda por recursos naturais levou à elevação de preços de matérias-primas, alimentos e energia; e as economias menos desenvolvidas "aproveitaram o bom momento tomando recursos no mercado financeiro internacional para acelerar seu crescimento". A alta de preços provocou pressões inflacionárias e, em seguida, a elevação das taxas de juros e a recessão.

Ocorreu uma redução do consumo de recursos por unidade de produto. Mas os índices globais de consumo não caíram, até porque 2 bilhões de novos consumidores se incorporaram ao mercado. E volta a armar-se "uma nova crise no momento em que a economia mundial como um todo retoma a prosperidade", inclusive porque "a falta de discernimento, aliada à lógica ostentatória dos padrões de consumo dos países capitalistas, foi preparando novamente as condições para a crise de reprodução que se anuncia para a próxima década". E desta vez com a agravante de o problema do clima também exigir a redução dos níveis de consumo e produção de resíduos no mundo. As polêmicas da época do Clube de Roma tendem a ser retomadas, "girando sempre em torno da partilha dos ônus da crise de reprodução do capitalismo mundial".

"A vitória dos neoliberais nos anos 80 e 90 não foi apenas uma perversidade de ricos e poderosos", crê o professor Caporali, "mas antes uma expressão da necessidade de corrigir a equação da reprodução econômica mundial, aumentando relativamente a oferta de recursos naturais e reduzindo relativamente o consumo." Diante da inviabilidade de um acordo negociado entre as forças sociais, "era inexorável a correção pela coerção monetária; a alternativa teria sido uma inflação crônica caminhando para a hiper".

Esse retrospecto sugeriria que "as tendências imperativas da reprodução do capital se imporão para o futuro, provavelmente doendo a quem tiver de doer". Nesse quadro, então, o Brasil não só seria menos vulnerável como "candidato mais a se beneficiar do que a ser negativamente afetado". O agravamento da crise estaria sendo, até aqui, contornado, com a China e outros países emergentes barateando o custo de reprodução do trabalho e do capital. Mas, a seu ver, "essa tendência dentro de algum tempo esgotará suas possibilidades". E a conclusão: "Ressurgirão pressões inflacionárias, ainda que menores - pois já não vivemos o tempo de soluções keynesianas -, e o tema da mudança climática alcançará o status de uma histeria coletiva comandada pelas principais forças econômicas mundiais."

Duas outras possíveis conclusões (agora do autor destas linhas): é preciso avançar com urgência a discussão no Brasil em torno das políticas que comandam a área de recursos e serviços naturais, assim como sobre a demanda real de energia; é preciso correr na área de mudanças climáticas - não só porque o País já está sendo gravemente afetado, como porque ela terá reflexos dramáticos sobre toda a economia e o pensamento político.

Não se trata apenas de aproveitar um bom momento conjuntural, de alta de cotações de certos produtos. Trata-se de ter uma estratégia eficiente de valorização do fator escasso na economia mundial; de aproveitar o bom momento para implantar uma estratégia coerente com o panorama de futuro que se delineia. E de estar atento às dramáticas questões globais de hoje.

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

OESP,07/09/2007, Espaço Aberto, p. A2

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