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Brasil não avança, mas fica no grupo dos melhores IDHs

FSP, Brasil, p.A14-A16
19 de Dez de 2008

Brasil não avança, mas fica no grupo dos melhores IDHs
País mantém a 70ª posição e permanece no grupo de alto desenvolvimento humano
Flavio Comim, que coordena o relatório no país, diz que a evolução é sustentável, já que ocorreu nas áreas de saúde, educação e renda

Antônio Gois
Da sucursal do Rio

O Brasil se manteve no grupo considerado pela ONU de alto desenvolvimento humano, mas já não consegue avançar nesta década seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no ritmo verificado na década passada, segundo relatório divulgado ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O IDH é divulgado anualmente e parte de indicadores em três áreas: saúde, educação e renda.
O país apareceu no relatório deste ano na mesma posição do ano passado: a 70ª. Seu IDH de 2005 para 2006 (os dados de cada relatório são sempre referentes a dois anos antes) variou de 0,802 para 0,807. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.
Na divulgação do ano passado, o país apareceu, pela primeira vez, no grupo de nações consideradas de alto desenvolvimento humano, ou seja, com IDH superior a 0,800.
Na avaliação do coordenador do Relatório do Desenvolvimento Humano no Brasil, Flavio Comim, o crescimento do IDH brasileiro tem se verificado sustentável, já que aconteceu nas três dimensões analisadas -saúde, educação e renda.
Mas esse avanço já foi mais acelerado. De 1990 a 2000, o país deu um salto de 0,081 ponto em seu IDH. De 2000 a 2006, no entanto, a variação foi de apenas 0,018 ponto.
A diminuição do ritmo de melhoria fica evidente numa comparação feita por Comim entre Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Costa Rica, México, Panamá e Venezuela. Analisando a evolução desde 1990, o Brasil teve a maior variação do IDH. Mas, considerado só o período de 2000 a 2006, todos os outros avançaram mais, com exceção da Argentina.
Comim afirma que, por um lado, é natural que o país tenha mais dificuldade para melhorar seu IDH a partir do momento em que chega a um patamar mais elevado. Ele alerta, no entanto, que ainda há muito espaço para melhora e que não se deve esquecer que o índice é apenas uma média do país, o que, especialmente no caso brasileiro, esconde desigualdades significativas.
"Numa cidade como o Rio de Janeiro, há bairros com IDH da Islândia e regiões onde o indicador é africano", afirma. Sobre a melhoria da década de 90, ele aponta como razões que explicam o avanço o aumento na expectativa de vida, fruto em boa parte da redução da mortalidade infantil e do aumento da sobrevida de pessoas com HIV.
Também na educação fica claro que é preciso mais esforço para avançar. Entre 1992 e 2001, segundo o IBGE, o percentual de crianças fora da escola caiu de 13% para 4% na faixa etária de 7 a 14 anos e de 40% para 19% na de 15 a 17 anos. Em 2007, os percentuais estavam, respectivamente, em 2% e 18%. No caso da escolarização de 7 a 14, há pouca margem de melhora, pois apenas 2% das crianças estão fora da escola. Já na população de 15 a 17 anos, é possível avançar mais, já que a taxa variou apenas um ponto percentual de 2001 a 2007.
Há também margem para melhora na alfabetização de adultos, pois 10% da população adulta ainda é analfabeta.
Comim lembra ainda que o país pode avançar também melhorando seus indicadores de pobreza e desigualdade, que ainda são dos maiores do mundo quando comparados com o grupo de 75 nações de alto desenvolvimento humano.

Empate
Como o Brasil não avançou nenhuma posição quanto à divulgação feita no ano passado, há quem avalie que o atual relatório não seja tão positivo. "Não é bom, mas também não é ruim. Ao menos não aconteceu como em 2007, quando o Brasil chegou ao clube de países de renda alta, mas perdeu posição no ranking [de 69o para 70o]", diz o economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas.
Para o sociólogo Paulo Edgar Almeida Resende, da USP, o Brasil só avançará no IDH se investir mais na zona rural. "A urbanização expulsou o homem do campo, e não o atraiu para a cidade. Assim, trocou uma escravidão pela outra."
Colaborou Afonso Benites, da Redação

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Índice avalia saúde, renda e educação

Da sucursal do rio

O Relatório do Desenvolvimento Humano da ONU foi divulgado pela primeira vez em 1990. A idéia era ampliar a discussão sobre os indicadores que deveriam ser considerados para analisar as condições de vida nos países.
Até então, a maioria das comparações levava exclusivamente em consideração a renda per capita.
A renda, no entanto, não considera outras dimensões importantes do desenvolvimento humano, tanto que nem sempre um país com alta renda consegue traduzir isso em melhores condições de vida para sua população.
Para calcular o IDH, além do PIB per capita de cada país, a ONU considera também indicadores de saúde e educação.
Na saúde, a forma de avaliar essa condição escolhida foi a expectativa de vida ao nascer, especialmente por ser um índice que é altamente afetado por taxas altas de mortalidade na infância e na população jovem e adulta.
Na educação, usa-se duas taxas: o percentual de adultos alfabetizados e a taxa bruta de matrícula, medida pela razão entre o total de estudantes nos ensinos fundamental, médio e superior e a população em idade escolar.
Cada dimensão gera um subíndice, que é considerado em conjunto para calcular o IDH final.

Educação foi o fator que mais influenciou
Taxa de alfabetização de adultos no país passou de 88,6% para 89,6%; taxa de matrícula, no entanto, sofreu leve queda

Na saúde, a expectativa de vida ao nascer aumentou; comparações são vistas com cautela devido a revisões de metodologia da ONU

Da sucursal do Rio

Analisando item por item o IDH brasileiro do relatório do ano passado e o do deste ano, o fator que mais contribuiu para a melhora do índice foi a educação. As duas taxas que entram na conta, no entanto, tiveram comportamentos distintos.
A taxa de alfabetização de adultos passou de 88,6% para 89,6%. O avanço de um ponto percentual aconteceu em parte porque a taxa divulgada no ano passado estava defasada, mas também devido a uma real melhora, ainda que pequena.
Já a taxa bruta de matrícula (que relaciona o total de matrículas nos ensinos fundamental, médio e superior com a população em idade escolar) teve leve queda de 87,5% para 87,3%.
Na saúde, medida pela expectativa de vida, a esperança de vida ao nascer foi de 71,7 anos para 72. No caso da renda, medida pelo PIB per capita em dólares PPC (sigla que indica que foi levado em conta o poder de compra da moeda em cada país), o aumento foi de 8.402 para 8.949. A comparação de um ano com o outro, no entanto, deve sempre ser feita com cautela por causa das constantes revisões da ONU.
Neste ano, por exemplo, houve uma atualização da base de dados para cálculo do PIB per capita, o que fez com que alguns países tivessem mudanças bruscas muito mais por causa da nova metodologia.
O Equador, por exemplo, subiu 17 posições do relatório do ano passado para o deste ano. Já a Argentina caiu oito posições. Em ambos os casos, a principal explicação foi a nova metodologia. No Brasil, a alteração foi menos sensível e o país ficou em situação estável.
As revisões da ONU afetam também indicadores já divulgados em relatórios anteriores.

Desigualdade faz Brasil ter índice de "Islíndia"
Elite do país vive com padrão superior ao Islândia, enquanto os mais pobres têm qualidade de vida semelhante à da Índia
Pela primeira vez, Brasil aparece no relatório da ONU como o melhor dos Brics, grupo que também inclui a Rússia, a Índia e a China

Da sucursal do Rio

Na década de 70, o economista Edmar Bacha utilizou o termo Belíndia (mistura de Bélgica e Índia) para descrever a desigualdade brasileira. No relatório deste ano, a ONU confirma que a elite do país vive num padrão até superior ao da média da Bélgica, enquanto os mais pobres se igualam à Índia.
Se fossem considerados apenas os brasileiros que se encontram entre os 20% mais ricos, o país teria IDH superior ao da média da Islândia, país de maior desenvolvimento humano, e seu índice bateria no topo da escala: 1,000.
Já considerando apenas os 20% mais pobres, o IDH do Brasil estaria no mesmo patamar do verificado, na média, para a Índia (0,600).
Analisando apenas a elite, os 20% mais ricos brasileiros chegam a ter um patamar de IDH superior até ao dos 20% mais ricos da Espanha, que não chegam a atingir o topo da escala.
Em compensação, os 20% mais pobres da Espanha têm padrão de desenvolvimento humano próximo ao da média de Cuba, país com IDH de 0,855, o que significa que, na Espanha, os dois extremos se encontram num patamar de alto desenvolvimento humano, fato que não ocorre no Brasil.
O relatório deste ano alerta também que países como Índia e China, que têm verificado forte expansão de sua economia, crescem num padrão de aumento significativo da desigualdade.

Extremos
A Islândia apareceu mais uma vez no Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU como país mais avançado, enquanto Serra Leoa foi o país com pior índice.
Neste ano, o Brasil apareceu pela primeira vez como o melhor dos Brics, sigla de Brasil, Rússia, Índia e China usada para designar os países com potencial de se transformar em potências mundiais em 2020.
O relatório da ONU destaca o fato de o Brasil ainda ter níveis de desigualdades altos e de Índia e China estarem crescendo economicamente, mas aumentando sua desigualdade.
A análise dos indicadores IDH mostra ainda que a riqueza nem sempre é compatível com o nível de desenvolvimento humano. Os Estados Unidos, por exemplo, vêm apresentando nos últimos 26 anos avanços pífios em seu IDH.
Comparando apenas o grupo de 75 nações para as quais há dados comparáveis de 1980 a 2006, os Estados Unidos caem da quarta posição no ranking de 1980 para a 14ª em 2006.

FSP, 19/12/2008, Brasil, p. A14-A16

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