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Brasil melhora no ranking da desigualdade

O Globo,Economia, p. 23
30 de Nov de 2007

Brasil melhora no ranking da desigualdade
País fica em 11o lugar, mas ainda está em posição ruim na lista de 177 nações. No mundo, disparidade cresce

Cássia Almeida, Luciana Rodrigues e Isabela Martin

O Brasil foi um dos poucos países que apresentaram melhora no ranking da desigualdade, segundo o Relatório de Desenvolvimento. Caiu do 10o em 2004 para o 11 olugar em 2005. Em 2002, estava na 4ª posição. Ainda assim, continua numa posição vergonhosa na lista dos 177 países, especialmente perante às nações vizinhas.

À frente do Brasil, estão países africanos como Namíbia, que ocupa o 1o lugar, com Índice de Gini de 0,78 (quanto mais perto de um, maior a concentração de renda no país). O Gini no Brasil está em 0,57. Na América Latina e no Caribe, têm distribuição de renda pior que a brasileira Bolívia, Haiti, Colômbia e Paraguai.

Ainda estamos longe de ver o país sem empregadas domésticas e ter a segunda maior frota do mundo de jatos. Mas avançamos, sem dúvida - afirmou o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sergei Soares.

O coordenador do relatório, Kevin Watkins, elogiou os programas de distribuição de renda do governo. "Freqüentemente os economistas nos dizem que é preciso escolher entre crescimento econômico e redistribuição, e o Brasil está mostrando que se pode ter os dois", afirmou no relatório.

Para Soares, entre os fatores que explicam o avanço brasileiro estão a universalização do ensino fundamental e a desconcentração industrial regional. Ele cita ainda as políticas públicas de transferência de renda, o Bolsa Família, e a valorização do salário mínimo como responsáveis pela queda recente da desigualdade no país. O relatório faz elogios específicos ao Bolsa Família.

O programa tirou Antônia Eva da Conceição Sousa da mendicância. Houve um tempo em que ela ganhava R$ 10 por dia, mais a comida para os filhos: Vitória, de 8 anos, e Gisele, de 5 e deficiente física, e o menor de 3. Desempregada há quatro anos, ela começou a pedir esmolas. Há cerca de um ano passou a receber R$ 112 por mês do Bolsa Família e aposentadoria por invalidez para Gisele no valor de um mínimo.

- Esse dinheiro veio para me ajudar a não sair mais na rua e sofrer humilhação. Meu sonho é comprar um carrinho para vender cachorro-quente e pôr uma dentadura.
China contribui para maior desigualdade mundial
A diminuição da desigualdade no Brasil está na contramão do que vem ocorrendo nos países desenvolvidos, onde ela está crescendo.

- O Brasil é uma exceção à regra. Gostaria de cumprimentar o presidente Lula e seu governo. (...) O Brasil continua um país injusto. Mas está na direção correta - afirmou Kemal Dervis, administrador do Pnud.

O relatório do Pnud destaca que mais de 80% da população mundial vivem em países onde a desigualdade aumenta. Esse número é fortemente influenciado por China e Índia, em que vivem 2,4 bilhões de pessoas (mais de um terço da população mundial). Nos últimos anos, esses países experimentaram forte crescimento, porém com maior concentração de renda.

- A desigualdade está crescendo na China, e isso está relacionado a mudanças estruturais, de transição para uma economia de mercado - diz Marcelo Medeiros, do Centro Internacional de Pobreza da ONU.

Índice que mede pobreza ainda está entre os piores da América Latina
No mundo, 1 bilhão de pessoas vive com menos de US$ 1 por dia

A posição do Brasil no ranking de Pobreza Humana piorou, apesar de, como ocorreu com o IDH, o país ter registrado melhora nesse indicador. Isso porque outros países avançaram em ritmo maior. Com um percentual de 9,7%, o Brasil está em 23o lugar, uma posição abaixo da de 2004. O ranking ordena as nações das menos pobres para as mais pobres.

Nesse indicador, a renda não é o mais importante. Ele avalia a probabilidade, ao nascer, de se chegar aos 40 anos, bem como o acesso a alfabetização e a água tratada, essenciais a saúde. Também inclui a incidência de crianças com peso abaixo do recomendado para sua idade e os cidadãos vivendo em pobreza extrema. Ao nascer, o brasileiro tem uma probabilidade de 9,2% de não chegar aos 40 anos; 10% da população não têm acesso a água tratada; e 6% das crianças de até 5 anos sofrem de desnutrição.

O Brasil está atrás de seus vizinhos, como Uruguai, Chile, Argentina, Colômbia, Equador, Paraguai e Venezuela, ficando à frente de Bolívia e Peru.

O relatório mostra como a pobreza extrema assola o mundo: cerca de 1 bilhão de pessoas ainda vive com menos de US$ 1 por dia. No ritmo atual, só 32 países, de um total de 147, deverão cumprir a meta do milênio de reduzir em dois terços a mortalidade das crianças com menos de 5 anos.

Economista: Bolsa Família agiu mais contra pobreza
No Brasil, a pior classificação no Índice de Pobreza Humana é a chance ao nascer de se completar 40 anos: o país despenca para a 94ª posição, atrás de Trinidade e Tobago e à frente da Colômbia. A melhor posição está na taxa de desnutrição. Nesse quesito, o Brasil sobe para o sexto lugar.

Apesar dos elogios do Pnud aos efeitos do Bolsa Família na redução da desigualdade brasileira, a economista Lena Lavinas, da UFRJ, avalia que o programa de transferência de renda teve mais efeitos na redução da pobreza extrema no Brasil. Para ela, os benefícios previdenciários, como aposentadoria rural e benefício de prestação continuada vinculados ao mínimo, foram mais eficazes na melhoria da distribuição de renda:
- O Bolsa Família é eficaz para reduzir a intensidade da pobreza. Mas é o conjunto dos programas de transferência de renda que permitiu a redução da pobreza e da desigualdade. Eu não tenho dúvida de que, se os benefícios previdenciários fossem desvinculados do mínimo, a desigualdade aumentaria.

O ranking de pobreza exclui os países de mais alto IDH, totalizando 108 nações. Nas piores posições estão os africanos Níger, Etiópia, Burkina Faso, Mali e Chade. (Cássia Almeida, Luciana Rodrigues e Martha Beck)

Relatório elogia o Bolsa Família
Programa é citado como exemplo

Os resultados do Bolsa Família demonstram que, com as transferências de renda condicionadas, é possível ter mais acesso a saúde, educação e nutrição, diz o Relatório de Desenvolvimento Humano, que dedicou quase uma página ao programa brasileiro. O relatório ressalta que, com pouco dinheiro, 0,5% do PIB do país, foram beneficiadas 46 milhões de pessoas - um quarto da população total e quase todo o contingente de pobres.

"Trata-se de uma transferência modesta que produziu resultados surpreendentes. Entre eles: o programa chega a 100% das famílias que vivem abaixo do limiar oficial de pobreza, de R$ 120 por mês; 73% de todas as transferências vão para as famílias mais pobres e 94% chegam a famílias que vivem nos dois últimos quintis (faixas de renda inferiores); o programa é responsável por quase 25% da recente queda abrupta na desigualdade no Brasil e por 16% do declínio na pobreza extrema". O relatório cita que o sucesso do Bolsa Família está na forma descentralizada de execução, com apoio do governo federal. (Cássia Almeida)

Corpo a Corpo
É preciso investir em formação

Sergei Soares

Vários sinais de alerta se acenderam no painel da redistribuição de renda no Brasil, na opinião do economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sergei Soares.

O Globo: O Brasil desceu da 10ª para 11ª posição no ranking da desigualdade.
Não se esperava uma queda maior?
Sergei Soares: Na verdade, na frente do Brasil há países com economias não monetizadas (a maioria da população não usa moeda), portanto, se formos fazer um ranking, o Brasil estaria em quarto ou quinto lugar. Mas é um ganho importante. Na América Latina, o Brasil era o mais desigual, agora está em quarto lugar.

Essa redução deve continuar nos próximos anos?

Soares: A valorização do salário mínimo, o Bolsa Família, os benefícios de prestação continuada foram fenômenos importantes na redução da desigualdade. Mas, neste momento, com o crescimento econômico, temos que melhorar a distribuição primária da renda, aquela que vem do mercado de trabalho e responde por 75% dos ganhos das famílias.

Existe risco de a desigualdade parar de cair ou até piorar no Brasil?

Soares: Há várias luzes vermelhas acesas no painel. Temo que as próximas pesquisas mostrem que a desigualdade caiu pouco. Não é possível reduzir a distância de renda apenas com as transferências. Estamos tropeçando na distribuição de renda no mercado de trabalho. Para isso, aumentar o investimento em formação básica e qualificação profissional é fundamental.
As crianças ficam muito pouco nas escolas, somente quatro horas. O ideal seria seis horas. (C.A.)

Balanço global

Avançou
Mais Bem-Estar: Houve uma redução no número de países considerados de baixo desenvolvimento humano, aqueles que apresentam IDH inferior a 0,500. No relatório do ano passado, eram 31 países. Este ano, são 22.

Decepcionou
Os mais desiguais: Países da América Latina e do Caribe estão entre os piores em termos de distribuição de renda no mundo. Dos 15 países mais desiguais, nove estão no continente: Bolívia, Haiti, Colômbia, Paraguai, Brasil, Guatemala, Chile, Honduras e Equador.

Retrocesso: Três países recuaram no IDH a patamares inferiores ao de 1975: República Democrática do Congo, Zâmbia e Zimbábue. Outros 16 estão piores que em 1990.

Baixo desenvolvimento: Todos os países da África Subsaariana são considerados de baixo desenvolvimento humano. No continente, a expectativa de vida é de 49,6 anos e há 40% de analfabetos na população acima de 15 anos.

O Globo, 28/11/2007, Economia, p. 23

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