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Brasil gasta cada vez mais energia para crescer

O Globo, Economia, p. 36-37
12 de Nov de 2017

Brasil gasta cada vez mais energia para crescer
Intensidade energética aumentou no país, na contramão do mundo

DANIELLE NOGUEIRA
danielle.nogueira@oglobo.com.br

Gasto energético para gerar bens e serviços aumentou no país, na contramão do mundo Enquanto o mundo está usando cada vez menos energia para produzir bens e serviços, o Brasil está ampliando o consumo para gerar o mesmo crescimento econômico. Dados da Agência Internacional de Energia (AIE) mostram que a chamada intensidade energética - medida pela energia usada para produzir um dólar de PIB - caiu, em 2016, 1,8% em termos globais. No Brasil, onde vem crescendo ao menos desde 2013, esse indicador subiu cerca de 2% no ano passado.
Não há consenso sobre as razões que explicam por que o país está na contramão. Especialistas apontam desde a recessão até falhas de planejamento e falta de uma política de eficiência energética consistente, que englobe de modernização de infraestrutura a programas para redução de desperdício.
Os números da AIE, que constam do relatório "Energy Efficiency 2017", levam em conta a energia primária, ou seja, não apenas a geração de eletricidade, mas também a lenha ainda usada em lares brasileiros e o combustível de carros e caminhões, por exemplo. No momento em que o Brasil discute o aumento na conta de luz, devido ao maior uso de termelétricas, e que os holofotes globais estão voltados para a COP-23, conferência do clima que acontece em Bonn, Alemanha, até 17 de novembro, pesquisadores da área de energia afirmam ser fundamental levantar a discussão sobre o uso racional dos recursos energéticos.
GANHOS DE PRODUTIVIDADE
Na China, a intensidade energética caiu 5,2% em 2016. Nos EUA, a queda foi de 2,9% e, na União Europeia (UE), de 1,3%. Segundo os dados da AIE, ao crescer consumindo proporcionalmente menos energia, esses países se tornaram também mais produtivos. Nos cálculos da agência, o bônus de produtividade decorrentes da maior eficiência energética em 2016 foi de US$ 1,1 trilhão na China, US$ 532 bilhões nos EUA e US$ 260 bilhões na UE. No mundo, foram US$ 2 trilhões. O Brasil sequer aparece nessa lista.
Para Gilberto Jannuzzi, pesquisador da Unicamp, a maior parte dos países que está conseguindo reduzir sua intensidade energética são aqueles que vêm adotando medidas mais rígidas para cumprir metas de redução de emissões de carbono. Ele atribui a perda de eficiência no Brasil a diversos fatores:
- Entre as causas estruturais, estão o uso de tecnologias obsoletas, a falta de uma política de eficiência energética que leve a uma frequente renovação de equipamentos ineficientes (como ar-condicionado), além dos escassos investimentos em modernização de rodovias e mobilidade urbana, que levam os carros a consumirem mais combustível em congestionamentos - afirma Jannuzzi.
INFLUÊNCIA DA RECESSÃO
Entre os fatores conjunturais, acrescenta o pesquisador, está a recessão, que torna ineficiente a produção, especialmente na indústria. Um alto-forno não pode ser desligado mesmo que a produção de aço caia, pois, quando a economia melhorar, ele precisará estar a todo vapor. Além disso, a recessão empurra para informalidade negócios que deixam de ser contabilizados no PIB, mas mantêm a pressão sobre o consumo de energia.
Para José Goldemberg, um dos maiores especialistas em energia do país e atual presidente da Fapesp, o crescimento da intensidade energética no Brasil está relacionado à falta de planejamento, que levou ao aumento do uso de termelétricas em anos secos. Segundo ele, o país vinha reduzindo o uso de energia na produção de bens e serviços desde a década de 1970, mas viu essa curva se inverter recentemente:
- Nos anos de 1980 e 1990, a água contida nos reservatórios das hidrelétricas durava dois anos. Hoje, dura seis meses. Isso é reflexo de um planejamento ruim. Quando não chove, temos que usar termelétricas, que além de mais caras e poluentes, são menos eficientes. Há mais gasto de energia primária.
Roberto Schaeffer, professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, avalia que os dados da AIE não guardam relação com a eficiência no uso da energia e considera inadequada a comparação entre países, pois as matrizes energéticas são diferentes, bem como os perfis de suas economias.
- Um país que produz laptop usa menos energia e gera mais PIB que um país que produz minério de ferro, cujo valor no mercado é menor que o de um computador e que demanda mais energia para ser produzido. Isso não diz nada sobre a eficiência energética de um país. É uma questão de eficiência econômica.
Jannuzzi reconhece que a comparação internacional não é perfeita. Afirma, porém, que a estrutura econômica de um país é uma das dimensões da eficiência energética, ao lado da eficiência técnica e do estilo de vida da população. O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), Alexandre Moana, concorda. Ele ressalta ainda a necessidade de se criar uma certificação para a indústria, a exemplo do selo Procel, que já existe para equipamentos e edificações. A associação está trabalhando numa metodologia.
- A ideia é criarmos mecanismos de incentivo para adesão a esse selo, como a exigência dessa certificação para a inclusão em cadastro de fornecedores.
O diretor do Departamento de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Carlos Alexandre Príncipe Pires, afirma que o governo "está atento à criação de instrumentos que facilitem a eficiência energética na indústria". Quanto aos dados da AIE, ele avalia que o fator o principal que explica a situação brasileira é a recessão.

Corpo a Corpo
LUIZ AUGUSTO HORTA NOGUEIRA 'Somos os piores do time, com ineficiências que penalizam toda a sociedade e o meio ambiente'
Para professor da Unifei, é preciso resgatar programas que incentivem o melhor uso da energia

Um dos nomes mais reconhecidos na área de eficiência energética, Luiz Augusto Horta Nogueira, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei, em Minas Gerais), diz que os programas precisam atacar os grandes consumidores.
Por que estamos gastando mais energia para produzir o mesmo? Programas de eficiência energética como o Procel, voltado para a energia elétrica, e o Conpet, para os biocombustíveis, foram esvaziados e praticamente esquecidos nos últimos dez anos. Enquanto no mundo todo, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, foram promovidas medidas para a redução dos desperdícios de energia, por aqui as perdas aumentaram. Hoje, estamos nos destacando de forma lamentável: enquanto todos reduziram seu consumo de energia por unidade de produto econômico, o Brasil aumentou. Uma vergonha, somos os piores do time, com ineficiências que penalizam a sociedade e o meio ambiente.
O ganho de eficiência que tivemos no período pós-apagão acabou sendo anulado. O que explica isso? É urgente recuperar a racionalidade. É o momento de resgatar a prioridade e estimular a eficiência energética, e o governo tem que liderar esse resgate.
A maior parte dos recursos alocados em programas de eficiência energética foi para baixa renda entre 2008 e 2016. Qual deve ser o foco? Por força de uma lei populista e equivocada, feita às pressas para dar impressão de que o governo se preocupava com os consumidores de menor renda, a metade da contribuição de 0,5% do valor da conta de luz, que todos fazemos para promover o uso correto de energia, foi destinada aos clientes residenciais de menor consumo, que representam uma parte muito pequena do total nacional. E os grandes consumidores de energia, ao contrário do que se faz no resto do mundo, não recebem a devida atenção. Pretendeu-se fazer filantropia em vez de promover a eficiência. Com isso, a economia brasileira perde competitividade, gastando mais para fazer o mesmo que outros fazem de forma competente. (Danielle Nogueira)

O Globo, 12/11/2017, Economia, p. 36-37

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