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Brasil ganha primeiro relatório do clima

O Globo, Amanhã, p. 7
10 de Set de 2013

Brasil ganha primeiro relatório do clima
Documento avalia impacto de mudanças associadas à ação humana. Meta é orientar políticas públicas e a sociedade

Manuela Andreoni
manuela.andreoni@oglobo.com.br

O impacto das mudanças climáticas no Brasil começa a ser investigado em detalhe. Globalmente ele é tratado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), organismo ligado ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), desde 1988. Há quatro anos, a instituição ganhou um braço por aqui, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), criado pelos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente. Ontem, saiu o volume inicial de seu primeiro relatório, reunindo o trabalho de 345 pesquisadores. Os outros dois serão publicados em outubro e novembro.
- A ideia não é alarmar, mas mostrar que, sem uma mudança no padrão de consumo, vamos enfrentar o desconhecido - resume Suzana Kahn, presidente do Comitê Científico do PBMC. A cada dia aparecem novas evidências de que as mudanças climáticas associadas à ação humana estão em curso. Na última quinta-feira, por exemplo, um estudo de cientistas americanos e britânicos mostrou que, entre 12 desastres ambientais em 2012, pelo menos metade era, em parte, consequência da ação humana.
A pesquisa, publicada no "Boletim da Sociedade Americana de Meteorologia", desenvolveu um modelo para simular eventos extremos nas condições atmosféricas da era pré-industrial, comparando com as de hoje, de forma a detectar o quanto a presença de gases de efeito estufa os influenciou.
Kahn explica que o relatório do PBMC não traz grandes novidades, mas traça o caminho já percorrido pelas pesquisas climáticas no país para tentar orientar não apenas as políticas públicas, mas também a sociedade civil e os estudiosos. Estes têm o papel de preencher grandes lacunas de conhecimento sobre fatos e consequências do panorama climático brasileiro. Não se sabe, por exemplo, quais são as consequências do aumento das temperaturas no Atlântico Sul sobre o nível do mar, ou o processo erosivo observado na costa brasileira. É ressaltada ainda a falta de conhecimento sobre a produção e transporte de aerossóis, altamente poluentes. Suzana se preocupa particularmente com o papel das cidades brasileiras neste processo. A ideia é que algumas dúvidas sejam solucionadas no próximo relatório do PBMC, daqui a três anos, seguindo o ciclo do IPCC. A maioria dos estudos científicos incluídos no relatório foi elaborada a partir de 2007 para cá. Eles mostram, por exemplo, as previsões de alta na temperatura e variação no nível de precipitação até o fim do século. No período, as temperaturas podem aumentar 6"C na Amazônia e 4,5"C na Caatinga, acelerando seu processo de desertificação.
Outro dado de impacto trata das consequências dessas mudanças sobre a agricultura. As perdas do setor são estimadas em R$ 7,4 bilhões até 2020, e R$ 14 bilhões até 2070. Há preocupação também em relação à saúde, já que o período mais quente, em que se proliferam doenças transmitidas por mosquitos, pode se alargar. No entanto, estes setores já enfrentam tantos obstáculos que a questão climática virou coadjuvante, ressalta Suzana. Mas é o potencial do clima de acentuar desigualdades o ponto mais preocupante trazido pelo relatório, na opinião da especialista.
Ela lembra que, não só no Brasil, as vítimas dos enormes desastres naturais são frequentemente os mais pobres, ou os que têm menos condições de se recuperar da crise.
- Elas são também as menos responsáveis - argumenta Suzana, ressaltando que as mudanças climáticas são principalmente fruto do consumo exacerbado. Para a cientista, por mais que seja importante a responsabilização das elites, cair em discussões de responsabilidades históricas entre países ou estados mais ou menos pobres não tem surtido efeito, mas, sim, postergado soluções nos últimos 20 anos.
- O que tem ajudado é a conscientização sobre o que é insustentável, e dos custos associados a isso.

O Globo, 10/09/2013, Amanhã, p. 7

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