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Brasil aprova o feijão transgênico

O Globo, Ciência, p. 34
16 de Set de 2011

Brasil aprova o feijão transgênico
Grão imune ao mosaico dourado é o primeiro modificado no país a ter comercialização liberada

Cláudio Motta
claudio.motta@oglobo.com.br

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou ontem a produção e comercialização de sementes transgênicas de feijão. O grão será o primeiro produto geneticamente modificado totalmente desenvolvido por instituições públicas nacionais a ser produzido e vendido no país. A decisão da CTNBio alimenta uma polêmica. Enquanto cientistas que desenvolveram a tecnologia nutrem a expectativa de aumento de produção e de redução do uso de agrotóxicos, ambientalistas que contestam os transgênicos alertam que a manipulação genética de alimentos pode ser uma receita perigosa. A previsão é que as sementes cheguem ao mercado em até três anos.
A liberação do feijão transgênico recebeu 15 votos da CTNBio. Houve duas abstenções e cinco pedidos de diligência (necessidade de complementação de informações). A tecnologia foi desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), durante dez anos de estudos. O feijão transgênico é resistente ao vírus do mosaico dourado, que pode provocar a perda de toda a produção do feijão e ameaça as mais diversas regiões produtoras.
Menos agrotóxico será necessário
Pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Francisco Aragão acredita que o feijão transgênico é uma conquista para a ciência. Ele também diz que haverá benefícios para o meio ambiente, uma vez que reduzirá o consumo de agrotóxicos. Portanto, também será bom para a economia e para a saúde dos trabalhadores. O pesquisador estima que a perda do grão no cultivo tradicional varie hoje entre 90 mil a 280 mil toneladas por ano.
Com a semente modificada, segundo a Embrapa, o aumento de produtividade daria para alimentar de cinco a dez milhões de pessoas.
- Seguimos a legislação brasileira, que respeita todo um protocolo internacional. Em relação à saúde humana, fizemos os ensaios necessários para comprovar que o consumo é totalmente seguro. Alimentamos animais e ainda fizemos análise de composição das sementes modificadas - disse o pesquisador.
- Não vimos qualquer diferença do ponto de vista nutricional, assim como não observamos nenhum aparecimento ou desaparecimento de proteínas.
O objetivo dos cientistas ao manipular geneticamente o feijão foi aproveitar as defesas naturais do grão quando atacado pelo vírus do mosaico dourado. Os pés de feijão que não foram modificados geneticamente, porém, só conseguem acionar sua proteção tardiamente, quando não há mais tempo de salvar a lavoura.
- O feijão já produz essas mesmas moléculas, mas no estágio final da infecção. O que fizemos foi ativar essa defesa desde o início - explicou Aragão. - É mais ou menos como uma barragem, que a planta tenta colocar, mas que apresenta um furinho. Com o tempo, a água acaba rompendo isso. O que fizemos foi fechar o furinho, assim a planta se torna imune ao vírus.
O cultivo de alimentos transgênicos, no entanto, ainda enfrenta grande resistência. A assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, Ana Carolina Brolo de Almeida, afirma que a aprovação do feijão geneticamente modificado foi irregular.
A organização contestará na Justiça a aprovação, alegando, entre outras coisas, que faltam testes para comprovar a segurança do cultivo, como experiências em todos os biomas brasileiros, e que não há garantias de que as sementes serão efetivamente produtivas.
- Não vemos outra saída que não tomar medidas judicias cabíveis. Já conseguimos anular, em julho, a permissão dada ao milho transgênico. A CTNBio insiste em desrespeitar a necessidade de fazer testes em todos os biomas - reclamou a advogada.
Outro problema apontado pela Terra de Direitos é a possibilidade de o feijão transgênico contaminar os que não foram manipulados geneticamente.
De acordo com Ana Carolina Brolo de Almeida, deverá ocorrer cerca de 10% de contaminação dos feijões não transgênicos pelos transgênicos.
- Os estudos também mostram que o produtor, que no Brasil é basicamente a agricultura familiar, não terá garantia de que a semente realmente vá funcionar: de 22 experimentos, apenas dois deram certo e conseguiram a resistência ao vírus - disse.

Testes feitos em três estados

A modificação genética do feijão fez com que a planta produzisse pequenos fragmentos de RNA responsáveis pela ativação de seu mecanismo de defesa contra o vírus mosaico dourado. Os pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Francisco Aragão, e da Embrapa Arroz e Feijão, usaram fragmentos do gene do vírus, que foi reproduzido no genoma do feijão.
Para inserir essa carga genética, foi usado o processo de biobalística. É como se fossem dados tiros contra o feijão, cujas balas carregam DNA.
Para testar a eficácia dos novos grãos, os pesquisadores os infestaram com mosaico dourado em Sete Lagoas (MG), Londrina (PR) e Santo Antônio de Goiás (GO), regiões produtoras de feijão.
Os transgênicos não apresentaram sintomas da doença, enquanto as plantas convencionais tiveram de 80% a 90% de contaminação. As pesquisas em campo foram feitas desde 2006.

O Globo, 16/09/2011, Ciência, p. 34

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