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Brancos querem virar índios para ter vantagens

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Rachel Moreira
10 de Mar de 2002

Benefícios previstos na Constituição atraem dezenas de pessoas

O processo de colonização do Brasil fez o índio ser sinônimo de escravidão e maus tratos. Durante anos, o povo indígena teve seu direito de propriedade usurpado pelos brancos, que na ânsia de se impor como povo dominante, promoveu todo tipo de barbárie. Esse processo culminou com a aculturação dos ín-dios, que perderam sua identidade e ficaram a margem da sociedade. Hoje essa realidade é outra, pelo menos no Brasil. A Constituição promulgada em 1988 tenta de certa forma reverter esse processo, ou pelo menos reparar os erros do passado. Ela traz em seu texto uma série de artigos e incisos destinados aos índios, que passaram a ter, entre outros direitos, fórum privilegiado.

Talvez esse seja o motivo que está fazendo com que brancos tentem se passar por índios. A facilidade imposta pela nova Constituição, que cria e faz cumprir o direito da nação indígena, o que nem sempre acontece quando está em questão o direito do homem branco.

Para se ter idéia, a lei obriga a Agência Federal de Prevenção e Controle de Doenças (antiga Fundação Nacional de Saúde) a fretar um avião, caso um índio quebre a perna em Feijó, por exemplo, para traze-lo até Rio Branco e daqui, se não houver tratamento, para um centro especializado. Isso com todas as despesas pagas, inclusive remédio. Agora, se algo semelhante acontecer com uma pessoa de outra raça, mesmo a Constituição garantindo a ela direito a saúde, essa pessoa terá que se deslocar, por contra própria, até a capital, ou então ser atendida no próprio município. Tratamento fora do estado, então, só depois de muita burocracia e espera na fila do TFD.

Ser índio é um bom negócio

Segundo o administrador da Fundação Nacional do Índio no Acre (FUNAI), Antônio Pereira Neto, a facilidade imposta pela Constituição torna o fato de ser índio um bom negócio.

"As pessoas, principalmente do interior, têm muita dificuldade para conseguir documentos e tratamento médico. A Funai facilita esse processo, os trâmites se tornam mais rápidos. A gente que se preocupa com tudo, os índios não tem que entrar em fila, nem se preocupar se tem médico ou não. Ser índio nesta hora é um bom negócio", garante.

Essas facilidades têm levado com que muitos "brancos" procurem reconhecimento como indígenas. O ano passado, uma média de 10 à 15 pessoas procuraram os postos da Funai no Estado em busca de documentos.

É nessa hora que a experiência adquirida junto as etnias faz a diferença. Segundo Antônio Pereira, que além de administrador da Funai é antropólogo, muitas vezes, na primeira conversa já é possível perceber o falso índio.

"A gente faz uma primeira entrevista, perguntamos onde mora, sobre a família e vamos tirando as conclusões, mas já houve casos de brancos terem sido reconhecido como índios e não eram", revela.

Antônio Pereira se refere aos reconhecimentos feitos em Cruzeiro do Sul. O administrador do posto do município, Hudson Melo, "facilitou a vida" de muitos brancos. O funcionário da Funai foi descoberto, demitido e agora responde a processo.

"Por conta desses erros do passado o INSS está tendo muito cuidado com os pedidos de benefícios por parte da Funai. Têm juizes que tem entendimento que os documentos da Fundação não tem validade. O Instituto de Identificação do Amazonas, inclusive, não está aceitando os documentos e estamos com procedimentos junto a Procuradoria da República no Amazonas para acabar com esse impasse", revela.

Cara de índio, jeito de índio, mas estrangeiro

Durante os anos em que está a frente da Funai no Acre, Antônio Pereira Neto, tem um vasto arquivo na memória de casos em que "brancos" tentaram se passar por índios. Um dos mais recentes e, de certa forma engraçado, aconteceu o ano passado nos corredores da sede da Funai em Rio Branco.

Toninho, como é conhecido o antropólogo, chegou de manhã ao trabalho e se deparou com um homem que parecia ser índio acompanhado de um "branco". O suposto indígena precisava de documentos.

"O cara tinha jeito de índio, cara de índio e corpo de índio. Era um índio em pessoa, mas era do Suriname", conta.

Segundo o administrador. O "índio" procurou a Funai porque tinha sido descoberto pela Polícia Federal. Como os índios têm Fórum privilegiado, ele alegava ser integrante da nação indígena.

"Ele escolheu a tribo errada. No corredor mesmo eu conversei com ele. Perguntei de que tribo ele era e o sujeito disse que era Carajá, mas os Carajás - que são de Goiás - são conhecidos pela marca que possuem no rosto", explica.

Segundo Toninho, as crianças da tribo dos Carajás logo que nascem são marcadas no rosto com um coquinho quente, e em seguida é passado jenipapo. A marca fica para toda a vida.

Briga por reconhecimento na Justiça

A briga por reconhecimento, tanto da parte dos "brancos" que tentam ser índios, como dos próprios que buscam ser vistos apenas com um povo culturalmente diferenciado, atingiu o ponto alto no Estado recentemente, com a possível descoberta de descendentes dos Nauas - etnia que se julgava extinta há anos.

Integrantes de uma comunidade localizada nas terras situadas entre o Igarapé Novo Recreio e o Rio Moa, no Parque Nacional da Serra do Divisor, se apresentaram como índios durante uma reunião da equipe do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) na região. Surgiu então a polêmica em torno da questão. Para alguns, o auto reconhecimento como Nauas foi a forma encontrada pela comunidade de garantir a permanência no Parque, já que, com o reconhecimento da justiça, a área onde vivem hoje será demarcada e se tornará reserva indígena.

Antônio Pereira Neto é contrária a essa visão, segundo o antropólogo, a comunidade é mesmo formada por descendentes de Nauas, até porque Nauas não é uma única etnia, mas são todos os índios que habitam ou habitaram a região.

"Para a Funai eles são índios, a Procuradoria da República é que não os reconhece enquanto não houver um perícia técnica de uma antropóloga e até agora não pagaram ninguém para ir ao local", conclui.

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