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BR-163

FSP, Mais, p. 9
Autor: LEITE, Marcelo
06 de Fev de 2005

BR-163
Para chegar à má fama da BR-364 no Acre, na década de 1980, só carece de um Chico Mendes

Marcelo Leite
Colunista da Folha

Guarde bem essa abreviação, apelido da estrada Cuiabá-Santarém. Ou, se tiver inclinação para nomes curiosos de lugares em que não deveria pisar, eis alguns dos largados nos mil quilômetros da BR-163 no Pará que viram um inferno de barro durante a maior parte do ano: Novo Progresso, Castelo dos Sonhos e Trairão. A coisa por ali está pegando fogo.
Na semana passada, madeireiros do sudoeste do Pará andaram queimando ônibus e pontes na estrada, que para chegar à má fama da BR-364 no Acre, na década de 1980, só carece de um Chico Mendes. O pessoal que se acostumou a viver da madeira extraída insustentável e ilegalmente de terras públicas está em pé de guerra porque o governo federal ousou interferir no caos jurídico e fundiário. A alegação é de que vai haver desemprego (você já viu esse filme, com a soja transgênica ilegal).
Foram duas medidas, como explica reportagem de Manoel Francisco Brito no sítio O Eco. A primeira, uma portaria do Incra de 1o de dezembro de 2004, determinava o recadastramento de imóveis rurais entre 100 e 400 hectares (em alguns casos com prazo de 60 dias para fazê-lo). Dez dias depois, o Ibama recomendou a seus gerentes na região suspender os planos de manejo -peças de ficção descrevendo o modo sustentável de extração de madeira numa dada área- já aprovados na mesma categoria de posses, 100 a 400 hectares.
Os madeireiros querem revogar as duas medidas. Para conseguir isso, estão dispostos a deitar gasolina no fogo. Não será surpresa se algum ministério pragmático de Lula (todos, com a exceção algo quixotesca do Meio Ambiente) se revelar sensível ao argumento do fato consumado empresarial travestido de social. [Numa primeira reunião interministerial de crise na quinta-feira, em Brasília, o governo não recuou.] Para piorar, a mesma BR-163 é pivô da maior pinimba socioambiental do governo do PT, a sua pavimentação. Como na BR-364 acreana de 20 anos atrás, ambientalistas alertam que o asfalto desencadeará um ciclo infernal de migração, desmatamento e pobreza, que aliás já começou (madeireiros e pecuaristas são sempre os pioneiros da fronteira destrutiva). Escaldados, desta vez os defensores da floresta não se posicionam contra a estrada, o que seria uma causa perdida, mas lutam por um mínimo de ordenamento territorial que dê ao Estado -e ao movimento social- algum controle sobre a região.
Está na cara que não vai ser fácil. O isolamento da ministra Marina Silva na administração Lula mais dia menos dia vai se manifestar no teatro do projeto BR-163 Sustentável. Foi assim com a soja transgênica. Está sendo assim com a legislação sobre acesso a recursos genéticos (biodiversidade) e remuneração por uso de conhecimentos tradicionais, tema que a ministra levava desde que se tornou senadora.
A boa notícia é que já existe até governador de Estado sulista planejando excursão pela BR-163. Segundo reportagem de Catia Seabra na Folha, Geraldo Alckmin prepara um rali pela Cuiabá-Santarém. É bom deixar o jipão SUV de lado e arranjar logo um Toyota Bandeirante traçado com caçamba, para encher de seguranças.

FSP, 06/02/2005, Mais, p. 9

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