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Bolsonaro tira foco de queimadas e sugere exploração de terra indígena

OESP, Metrópole, p. A17
28 de Ago de 2019

Bolsonaro tira foco de queimadas e sugere exploração de terra indígena
Sob pressão por incêndios na Amazônia, Bolsonaro defende exploração de terras indígenas
Presidente convocou encontro com governadores da região sobre incêndios, mas priorizou exploração mineral nas reservas; ele também fez novas críticas a Macron

Julia Lindner, Mariana Haubert e Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Convocada para discutir incêndios na Amazônia e transmitida pelas redes sociais, a reunião com governadores da região nesta terça-feira, 27, serviu para o presidente Jair Bolsonaro reiterar a defesa da exploração econômica de terras indígenas e de áreas de preservação, o que ele tem feito desde a campanha eleitoral de 2018, além de criticar políticas ambientais de gestões anteriores.

Bolsonaro disse que o encontro mostrou ao mundo "onde chegamos com essa política ambiental, que não foi usada de forma racional". Ele perguntou, ao final da fala de cada governador, quanto do território do seu Estado estava "inviabilizado" por terras protegidas. Segundo Bolsonaro, muitas das reservas indígenas "têm aspecto estratégico que alguém programou". A reunião com o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal ainda expôs uma divisão entre os governadores da região, seis deles mais alinhados politicamente ao Palácio do Planalto, e outros três não.

"Índio não faz lobby e consegue ter 14% do território nacional demarcado", declarou Bolsonaro. Os governadores do Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia e Tocantins concordaram com o presidente no sentido de que é preciso haver formas de estimular a produção nessas terras.

Conforme Bolsonaro, há pressão internacional para demarcar terras indígenas e quilombolas no Brasil. "Se eu demarcar agora, pode ter certeza que o fogo acaba em cinco minutos", afirmou ele. Ele já havia insinuado que organizações não governamentais (ONGs) poderiam ser responsáveis pelo aumento de queimadas na Amazônia este ano, mas não apresentou provas.

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), o País tem 462 terras indígenas no Brasil, 54% delas na Região Norte, e cerca de 300 povos indígenas. Conforme Bolsonaro, há 498 novos pedidos de demarcação de terras indígenas no Ministério da Justiça. Ele afirmou que a ideia do governo é rejeitar as solicitações, mas que a decisão será feita em diálogo com os chefes dos Executivos estaduais.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), há 4.332 requerimentos para exploração do subsolo em cerca de um terço das áreas indígenas registrados na Agência Nacional de Mineração, incluindo os parques indígenas de Tumucumaque (AP e PA), Araguaia (TO) e Aripuanã (MT).

Presidente brasileiro rebate Macron mais uma vez
O presidente do Brasil ainda rebateu novamente declarações do presidente da França, Emmanuel Macron. Bolsonaro disse que a proposta de internacionalização da floresta é uma "realidade na cabeça dele" e pediu união para garantir a soberania brasileira. Mais cedo, Bolsonaro disse que pode reconsiderar a ajuda emergencial do G-7, o grupo de países mais ricos do mundo, caso Macron, retire "insultos" contra ele. Nesta segunda-feira, 26, o Palácio do Planalto informou oficialmente que vai recusar os US$ 20 milhões (R$ 83 milhões), anunciados por Macron em nome dos países do G-7.

A crítica de Bolsonaro foi acompanhada pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que chamou a posição do francês de "molecagem". O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), reagiu às falas e afirmou que "estamos dando muita importância para este tipo de comentário" e que "temos de cuidar do nosso país e tocar a vida".

Os governadores do Pará e do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), fizeram as defesas mais firmes sobre aceitar recursos oferecidos pelo G-7. No mês passado, Dino esteve dentro de uma polêmica com Bolsonaro. Em conversa captada por microfones segundos antes de o presidente sentar à mesa com jornalistas de veículos estrangeiros no Palácio da Alvorada, Bolsonaro orientou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), a "não dar nada" a ele e disse que "daqueles governadores de 'paraíba', o pior é o do Maranhão". 'Paraíba' é um termo pejorativo, principalmente no Rio de Janeiro, para se referir a nordestinos.

Exploração de terras indígenas
O discurso do presidente sobre a defesa da exploração econômica de terras indígenas foi apoiado por aliados, como o governador de Roraima, Antonio Denarium (PSL), correligionário de Bolsonaro. Ele afirmou que o Estado tem sido penalizado nos últimos 30 anos por políticas indigenistas e ambientais. Disse ainda que 95% da vegetação nativa de Roraima está preservada, mas pediu ajuda federal para conseguir fiscalizar e combater ações ilegais.

"É difícil fazer fiscalização sem saber quem é o verdadeiro dono da terra. Temos de fazer o ordenamento territorial do nosso Estado e temos de aprender a separar os bons dos ruins. Hoje o Ibama chega e multa todo mundo sem direito de defesa", disse Denarium. O governador pediu ainda que a União ajude na formação de brigadistas locais.

Bolsonaro perguntou a Denarium sobre os motivos que levaram às demarcações. "É fruto de uma política indigenista", respondeu o governador. "Roraima não é porção de terra mais rica do Brasil, mas do mundo. E as terras indígenas e as ONGs estão concentradas justamente nessas áreas", afirmou.

O presidente disse que até quinta-feira, 29, o governo deve apresentar medidas em resposta aos pedidos dos governadores. Bolsonaro não deixou claro se a proposta seria apenas para combater incêndios ou se avançará sobre mudanças na legislação ambiental, incluindo exploração de terras indígenas.

O presidente contou que a "indústria da demarcação de terras" ocorreu logo após o governo José Sarney (MDB), na década de 1990, e citou como principal ação da época o estabelecimento das terras dos ianomâmis pelo governo Fernando Collor. Elas ocupam hoje áreas do Amazonas e de Roraima.

"É um absurdo o que falam a nosso respeito. Até porque o Amazonas é o Estado que tem menos focos (de incêndio), até pela umidade, condições climáticas. Tem mais em outros Estados onde o agronegócio e a pecuária chegou sem transgredir. Perguntei ontem para quem trata desse assunto aqui que uma fogueira de São João é detectada pelo satélite como foco de incêndio" disse, para, na sequência, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, explicar que os satélites identificam as fogueiras como foco de calor. "Isso, foco de calor. Então até isso usam. O que fazem não é contra eu (sic), é contra o Brasil", disse.

Na conversa com os gestores estaduais, o presidente tem perguntado quanto do território de cada Estado está "inviabilizado" por terras protegidas e disse que muitas das reservas indígenas "têm aspecto estratégico que alguém programou". Após cada fala, Bolsonaro ainda citou pedidos de demarcação de terras nas regiões e disse que, se concretizados, podem inviabilizar o desenvolvimento do local.

A ideia é que Lorenzoni faça reuniões separadas com governadores das alas leste e oeste da Amazônia Legal. A divisão seria por causa dos comandos militares que atuam na região (da Amazônia e o do Norte). Na reunião, Barbalho ainda pediu uma posição mais clara de Salles sobre o uso de recursos do Fundo Amazônia. Segundo ele, o ministro mostrou na conversa desta terça uma versão mais branda sobre o fundo do que vinha sendo propagada pelo governo, que defendia não usar mais os recursos. "Se a lógica do ministério sobre o Fundo é, por um lado, saber o que foi feito, por outro, rever o critério de prioridades, isso tudo é muito diferente do que dizer não queremos mais usar o recurso", disse Barbalho.

Entidades reagem à declaração do presidente
As entidades do terceiro setor ligadas à questão indígena reagiram à fala de Bolsonaro. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), divulgou nota dizendo que o presidente "insiste na mentira e na sorrateira tergiversação" ao tratar da questão indígena, mantendo "atitude incendiária e de repugnante agressividade aos povos originários e aos seus direitos de existência digna" no momento em que trata dos incêndios florestais.

Também por nota, o Instituto Socioambiental (ISA) lamentou "as declarações cínicas do presidente" na reunião com os governadores. "Todos sabem - e ele também - que o desmatamento e o fogo são causados por frentes predatórias que, nesse momento, atuam livres de qualquer constrangimento por parte do seu governo e incentivados por declarações suas, como esta, e de assessores seus." Ainda segundo a entidade, o presidente "lança cortina de fumaça ao misturar entidades filantrópicas que prestam serviços de assistência à saúde aos índios com organizações de apoio a direitos e de defesa do meio ambiente"./COLABOROU BRUNO RIBEIRO

Reunião com Bolsonaro expõe divisão de governadores da Amazônia
Governadores se dividiram em relação ao discurso do presidente contra as políticas ambiental e indigenista praticadas no País

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A reunião do presidente Jair Bolsonaro com o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal expôs nesta terça-feira, 27, uma divisão entre os governadores da região, seis deles mais alinhados politicamente ao Palácio do Planalto, e outros três não. A adesão ao discurso do presidente contra as políticas ambiental e indigenista praticadas no País rachou o bloco.

O presidente usou o encontro com governadores para estimular o debate sobre a exploração mineral em terras indígenas. El também criticou a demarcação de terras indígenas.

A partir de agora, as ações emergenciais de combate aos incêndios serão coordenadas com os governadores entre Amazônia Ocidental e Amazônica Oriental, seguindo critérios definidos militarmente, conforme proposta da Casa Civil, do ministro Onyx Lorenzoni (DEM), para as próximas reuniões de trabalho. Elas devem ocorrer até a próxima semana e incluir uma visita do ministro à Amazônia. Bolsonaro também estudar ir à região.

No lado ocidental, mais simpático ao presidente, ficaram os governadores e Estados ligados ao Comando Militar da Amazônia: Gladson Camelli (PP), do Acre, Wilson Lima (PSC), do Amazonas, Marcos Rocha (PSL), de Rondônia, Antônio Denarium (PSL), de Roraima, Mauro Mendes (DEM), de Mato Grosso, e Mauro Carlesse (DEM), do Tocantins. No oriental, vinculado ao Comando Militar do Norte, estão Waldez Góes (PDT), do Amapá, Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, e Helder Barbalho (MDB), do Pará.

O consórcio tem se esforçado para manter uma unidade entre os governadores, mas as divergências ficaram evidentes no encontro com Bolsonaro. Eles concordam com ações emergenciais, como o emprego das Forças Armadas para conter as chamas, mas não com a agenda de longo prazo para desenvolvimento da região e ações de prevenção.

Marcos Rocha, por exemplo, é favorável a mudanças nas leis e na Constituição para permitir exploração de terras indígenas, mas pondera que há mais concordâncias entre os governadores do que divergências. Ele chamou o presidente de "marechal" durante a reunião e ecoou o discurso de Bolsonaro, para quem as regras levarão o Brasil à "insolvência". "Essa legislação é para acabar com o País", disse Rocha.

A reunião transcorria em clima de concordância enquanto os governadores dos Estados ao leste trocavam impressões sobre políticas públicas com o presidente, até que Barbalho tomou a palavra e disse que o governo federal erra ao abrir mão dos U$ 20 milhões (R$ 83 milhões) oferecidos pelo G-7, grupo dos países ricos, e insiste na disputa com o presidente da França, Emmanuel Macron.

"Estamos perdendo muito tempo com o Macron. Temos de cuidar dos nossos problemas", ponderou o paraense, que fez discurso em prol de uma produção agrícola associada à preservação. "Não é correto de nossa parte abdicar de receita, de recurso"

Há 'terrorismo' do governo ao 'satanizar' índios e ONGs, diz governador do MA
Em tom respeitoso, houve na reunião momentos de insatisfação, mas o bloco mais ligado a partidos de oposição avaliou como "positivo" o fato de poder expor sua posição no Planalto. Para Dino, do PCdoB, há uma "espécie de terrorismo" por parte do governo que "sataniza" índios, ONGS, quilomolas e unidades de conservação.

"Desejamos um meio-termo. Não é o momento de rasgar dinheiro e procuramos construir uma modulação adequada para um discurso antiambientalista. Não acreditamos em pacotes unilareais. Não concordo com a agenda de retrocessos ambientais, porque não é o caminho para desenvolver a Amazônia", disse Dino. "Desejamos que as medidas coordenadas pelo ministro Lorenzoni não acabem por cometer esse grave erro de achar que o discurso ambientalista vai proteger o Brasil, ao contrário ele expõe o Brasil, a um isolamento indesejável."

Presidente do Consórcio, Waldez Góes também defendeu o uso de todos os recursos disponíveis e pediu mais integração do bloco da Amazônica com o governo federal. Waldez entregou um documento que serveria de plano de ação sugerido pelos governadores. Ele sugeriu, por exemplo, mudar a gestão do Fundo Amazônia do BNDES para o Banco da Amazônia, que tem mais presença e estrutura na região.

"Não nos apegamos aqui a nossas divergências. Fomos buscar o que nos une. Já passaram muitos presidentes, muito governadores e os problemas da Amazônia vão e vêm, e quando voltam para pauta é sempre de forma muito negativa", afirmou o governador do Amapá.

Bolsonaro encerrou a reunião reiterando o seu ponto de vista. "(O incêndio) só está sendo potencializado pela Globo, e pelos outros países, porque nosso governo não aceitou demarcar mais áreas indígenas. Se demarcar aqui, o fogo acaba em um minuto", disse.

OESP, 28/08/2019, Metrópole, p.A17

https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,com-governadores…

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