VOLTAR

Bolsa-Floresta fortalece idéia de negociação em mercado

OESP, Vida, p. H5
06 de Nov de 2008

Bolsa-Floresta fortalece idéia de negociação em mercado
Desmatamento evitado pelo investimento em reserva do AM mostra que comércio de carbono florestal é viável

Giobana Girardi

Moradores de Unidades de Conservação do Estado do Amazonas, em especial de Reservas de Desenvolvimento Sustentável, estão recebendo dinheiro para deixar a floresta em pé e investir em fontes alternativas de renda que não envolvam mais o corte da mata.

É algo que, por lei, já deveria ser cumprido de qualquer maneira, e muitas populações tradicionais e indígenas já vinham fazendo sem ganhar nada. Com a compensação financeira, se espera valorizar o trabalho dessas pessoas e incentivar que, aquelas que não agiam em prol da conservação, passem a atuar como guardiãs da floresta.

O chamado Bolsa-Floresta foi instituído em 2007 dentro da Lei Estadual de Mudanças Climáticas com a intenção de "evitar que as florestas virem fumaça e contribuam para a mudança do clima do planeta", como explica a cartilha distribuída nas reservas. Nesse sentido, remunera-se o serviço ambiental prestado pela população quando esta deixa a floresta cumprir seu papel no armazenamento de carbono e na regulação do clima.

O dinheiro é entregue para as comunidades de cada unidade de conservação, beneficiadas de quatro formas diferentes. A primeira, de R$ 50 por mês, vai diretamente para cada família participante que se comprometa com o desmatamento zero.

"Isso não é para servir como um salário, mas um reconhecimento por sua atuação como guardiães. Mesmo assim, dá uma ajuda, se considerarmos que a maioria vive de subsistência", diz Virgílio Viana, diretor-geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), que implementa o Bolsa-Floresta nas reservas.

O segundo é entregue para as associações de moradores de cada unidade de conservação, que é quem, de fato, controla o projeto localmente. A verba, equivalente a 10% do valor total repassado para as famílias, é destinada para garantir organização e controle do programa.

O terceiro, de R$ 4 mil por ano para cada comunidade, é destinado ao apoio da produção sustentável de peixe, óleos vegetais, frutas, mel, castanha, etc. A idéia aqui é que se consiga beneficiar o produto para aumentar o rendimento. "Hoje uma lata de castanha sai por R$ 4. Com a bolsa será possível ter armazéns e um secador, elevando o valor para R$ 12 a R$ 15", afirma Viana.

A última parte, do mesmo valor, vai para melhorias em aspectos sociais, como educação e saúde. Para distribuir o Bolsa-Floresta, a fundação recebeu um investimento de R$ 20 milhões do governo do Estado e mais R$ 20 milhões do Bradesco. Esse dinheiro foi aplicado em um fundo e se usa apenas o rendimento.

O programa complementa uma política estadual que começou em 2003 com a criação da Zona Franca Verde, que promoveu a valorização dos produtos florestais para que seus produtores não se sentissem impelidos a trocar a atividade por outra mais rentável que desmatasse.

De acordo com Viana, secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento de 2002 a 2007, ações como essa contribuíram para a queda de 63% na taxa de desmatamento do Estado no período. Neste ano, no entanto, ela voltou a subir, em especial nas cidades ao sul do Amazonas, na fronteira com Rondônia e Mato Grosso, por onde avança o arco do desmatamento.

VIABILIDADE

Viana defende que só ações que visem aos moradores das unidades de conservação podem frear a pressão. Um exemplo disso vem sendo mostrado pela RDS do Juma, localizada no município de Novo Aripuanã, um dos que deve fechar o ano com maior desmatamento. "O investimento no Juma é estratégico para barrar isso", diz.

A reserva ganhou, no fim de setembro, uma certificação por desmatamento evitado, concedida pela auditora alemã Tüv Süd. Segundo os cálculos auditados, cerca de 366 mil hectares deixarão de ser derrubados nos próximos anos por causa da ação do Bolsa-Floresta. Em outras palavras, se os moradores estivessem por sua própria conta, a mata sucumbiria, emitindo, até 2016, cerca de 3,6 milhões de toneladas de CO2.

Para Viana, a certificação mostra a viabilidade de incluir o RED (redução de emissões por desmatamento) no mercado de carbono após 2012, quando expira o Protocolo de Kyoto. Hoje o carbono de florestas não é negociado, entre outros motivos, porque se considera que é difícil medir a chamada adicionalidade, ou quanto da queda do desmatamento se deve à ação de um dado projeto ou se ocorreu por causa de uma queda do valor da soja. "Com a certificação é possível superar isso", diz.

Os técnicos da FAS tomaram como base um estudo divulgado em 2005, na revista Nature, por pesquisadores da Universidade Federal de Minas e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. Ele mostra que até 2050, se o modelo econômico continuar avançando como hoje, 40% da Amazônia terá desaparecido.

Na projeção é possível ver a área do Juma quase desaparecendo. O trabalho considera que a mera presença de várias unidades de conservação no meio do caminho não é suficiente para conter isso. "Só criá-las não basta. É fundamental investir em recursos adicionais que coloquem em prática políticas efetivas de conservação", diz Viana.

Outro argumento combatido é de que o carbono de florestas seria muito mais barato que o de mudança de matriz energética, por exemplo, e isso inundaria o mercado, reduzindo o valor negociado. "Ora, é só criar uma cota para florestas", defende.

OESP, 06/11/2008, Vida, p. H5

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.