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Boa união entre mata e lavoura

OESP, Agrícola, p.G6-G7
23 de Fev de 2005

Boa união entre mata e lavoura
Produtores rurais investem na criação de áreas de preservação permanente e não se arrependem

"A maior vantagem de criar uma RPPN é saber que você estará ajudando a preservar o meio ambiente. O ganho é com a consciência." É dessa forma que o horticultor Cláudio Martins Ferreira, de Ibiúna (SP), defende a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural, as chamadas RPPNs. Produtor rural há cerca de 20 anos, ele transformou boa parte de sua propriedade em RPPN. E diz que não se arrepende. "É uma forma de contribuir para o futuro, inclusive dos meus filhos, pois essa área ficará preservada para sempre."
A consciência ecológica de Ferreira vem de formação. Antes de tornar-se produtor rural, formou-se em biologia, fez mestrado em botânica e foi, durante muitos anos, professor na Universidade de São Paulo (USP). "Já comprei essa área com a intenção de preservá-la", diz. Dos cerca de 700 hectares da propriedade, na Serra de Paranapiacaba, ele destinou apenas 120 hectares para o cultivo de hortaliças. O restante está dividido em três RPPNs.

Ferreira planta cerca de 30 variedades em estufa. Com a venda das hortaliças, comercializadas em redes de supermercado, garante ele, consegue renda suficiente para sustentar a família, a fazenda e, ainda, fazer a manutenção das áreas protegidas. "Aliás, não é tão fácil manter a RPPN", diz o produtor. "É necessário cuidar da área, fiscalizar, e isso custa dinheiro. Tenho três funcionários fixos só para fazer a vigilância das áreas protegidas."

Um dos grandes problemas que enfrenta para manter as áreas preservadas, conta Ferreira, é o roubo de palmito. "Há também muitos caçadores de animais que invadem a área. E os órgãos oficiais, como o Ibama e a Polícia Florestal, não têm estrutura para fiscalizar tudo. Então, não temos a quem recorrer." Mesmo assim, ele não reclama. "Tem muita gente que diz que a terra com RPPN não vale nada. Mas vejo como uma contribuição para o futuro."

ICMS ECOLÓGICO

Outro adepto da RPPN, o produtor Hugo Virmondes Borges, de Lupionópolis (PR), diz que a princípio regularizou a área para beneficiar o município. "Já tinha os 20% da fazenda preservados, que são exigidos por lei. Então, transformei essa área em RPPN para que o município pudesse receber o ICMS ecológico", diz Borges, que tem cerca de 2.500 hectares, 430 em área de RPPN desde 2002.

Segundo o presidente da Confederação Nacional de RPPN, Alexandre Mattos Martinez, 5% da arrecadação do ICMS são destinados para o ICMS ecológico, e o Estado repassa para os municípios. O valor que cada município recebe depende do número - e da área - de RPPNs criadas. E parte dessa verba vai para o produtor. "Por enquanto, só o Paraná tem o ICMS ecológico. Mas estamos tentando levar para outros Estados", ressalta Martinez.

O agricultor paranaense é produtor de grãos, com cerca de 940 hectares de soja e 180 de milho, além de pecuarista - tem 1.300 cabeças de boi. "Até agora não recebi o repasse do ICMS", diz. "Por isso ainda não desenvolvi nenhum projeto na RPPN." Mas o produtor tem planos para a área. A idéia, conta ele, é fazer um estudo mais detalhado da área, saber o tipo de flora e fauna que existe lá, para futuramente destinar à educação ambiental.

Mesmo assim, o produtor diz que não pensa em ter lucro ou alguma renda com a RPPN. "No começo, aderi por causa da lei, para o município receber o dinheiro. Mas depois fui me apaixonando, engajando-me no tema e tomando consciência de que precisamos preservar, senão o que será do futuro?" Na região de Lupionópolis, diz ele, não há áreas preservadas, nem florestas. "Por exemplo, não temos mais madeira aqui", lamenta. "A minha RPPN é a maior área verde da região. E isso já é gratificante."

Para Borges, o produtor que cria uma RPPN não pode pensar que está perdendo. "A gente pode deixar de ganhar com aquela área, mas não quer dizer que temos prejuízo. E no fim, muita gente ganha, principalmente a natureza."

INCENTIVOS

As vantagens financeiras realmente são poucas, dizem os produtores, pelo menos por enquanto. O principal incentivo dado pelo governo, além do ICMS ecológico, é o desconto no Imposto Territorial Rural (ITR). O produtor ganha isenção total do imposto de toda a área transformada em RPPN. E não há uma área mínima ou máxima exigida. Pode-se criar uma RPPN de qualquer tamanho.

Mesmo assim, muitos produtores rurais, que dependem da terra para sobreviver, mostram cada vez mais sua preocupação com a preservação do meio ambiente. Desde que foi criada, em 1990, o número de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) só tem aumentado. O Brasil possui hoje 658 RPPNs que preservam mata atlântica, cerrado, caatinga, pantanal e floresta amazônica. São cerca de 600 mil hectares protegidos.

Processo está menos burocrático
Ibama lançou novas regras para transformar área verde em uma RPPN

Niza Souza

A área total com RPPNs no Brasil, de 600 mil hectares, pode crescer. No início do mês, o Ibama aprovou novas regras para o setor. Pela nova instrução normativa, algumas exigências, principalmente com relação à documentação, foram retiradas. Entre elas a descrição georreferenciada do imóvel, com limites demarcados via GPS de precisão, a obrigatoriedade de apresentação da certidão cinqüentenária e a apresentação do Cadastro Nacional de Imóvel Rural (CNIR). O que deve facilitar o trâmite para a transformação de áreas privadas em RPPN.
Os incentivos incluem também prioridade para concessão de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) e maior facilidade para obtenção de crédito agrícola. Além disso, a lei do Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC) permite que o produtor concorra a recursos públicos e privados para serem aplicados nessas áreas. "Ele pode, por exemplo, conseguir o recurso público para fazer o estudo da área, que tem um custo muito alto." Mas, para isso, diz Martinez, ideal é que o produtor esteja vinculado às associações estaduais e regiões de proprietários de RPPNs, que representam o interesse do proprietário.

USO SUSTENTÁVEL

Outra alternativa, mas que ainda não tem sido explorada pela maioria, é o uso da área para ecoturismo, educação ambiental ou pesquisa científica. "A lei permite que os proprietários desenvolvam atividades econômicas sustentáveis na área preservada, sem perder a titularidade", diz Martinez. Para isso, foi criada a Confederação Nacional de RPPN. "Nosso objetivo é conseguir a sustentabilidade da área." Segundo Martinez, ainda é pequeno o número de proprietários que desenvolvem projetos nas RPPNs.

PIONEIROS

Um exemplo de sucesso no desenvolvimento sustentável da área preservada é o produtor Evandro Engel Ayer, de Pirenópolis (GO). Ele faz parte do grupo dos primeiros criadores de RPPN no Brasil. Bacharel em Direito, Ayer comprou a propriedade em 1980. Desde 1990, transformou 17 hectares, dos 46 da propriedade, em área de reserva: o Santuário de Vida Silvestre Vagafogo. Em 1992, começou a desenvolver atividades ecoturismo no local.

O turismo é a principal fonte de renda. "O que ganhamos dá para sustentar a família", diz. Para ajudar no orçamento, Ayer resolveu agregar valor à produção de leite e de frutíferas da propriedade. "Tudo o que produzimos vendemos aqui." Segundo ele, cerca de 80 mil pessoas visitam o Santuário mensalmente. São basicamente duas atividades: passeio pela floresta e arborismo (uma espécie de turismo de aventura onde passeia-se na copa das árvores). Os passeios custam entre R$ 10,00 e R$ 30,00. Quem quiser também pode provar o brunch, com cerca de 40 itens, por R$ 20,00 por pessoa. "Tudo feito com produtos da fazenda", diz.

Mesmo com o sucesso do Santuário, Ayer diz que falta apoio do governo. "É um compromisso que para o resto da vida. Por isso é necessário apoio." As vantagens oferecidas são insignificantes. Ele economiza apenas R$ 10 por ano com o ITR. "Prometeram que teríamos crédito facilitado, mas isso não ocorre. Quem tem RPPN é por paixão."

O produtor de Ibiúna, Cláudio Ferreira, ainda não pensa em explorar sua RPPN com nenhum tipo de projeto sustentável. Mas garante que a área está aberta para pesquisadores ou mesmo estudantes que quiserem estudar o local. "Minha propriedade está em um ambiente típico de Mata Atlântica e tem todo o ecossitema de flora e fauna."

Projeto prevê recomposição de áreas com pau-brasil

A árvore nacional brasileira, o pau-brasil, já esteve em risco de extinção. Iniciativas como o plantio em parques e distribuição de mudas têm contribuído para reduzir os efeitos da exploração. Mas uma nova iniciativa, o Programa Pau-Brasil, em parceria com agricultores, pretende plantar 2,2 milhões de árvores em cinco anos.
O engenheiro florestal Dan Érico Lobão, pesquisador do Centro de Pesquisa do Cacau (Cepec), órgão que faz parte da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), explica que o projeto está sendo desenvolvido em parceria com a Associação Brasileira de Arqueteiros (ABA). "O pau-brasil é a principal matéria-prima na construção de arcos de violino", diz Lobão. A princípio, os arqueteiros se comprometeram a doar recursos para o plantio de 500 mil mudas.

Segundo o pesquisador, além do arco do violino, a madeira ainda é usada para corante alimentar e pela indústria madeireira, pois é de alta resistência. Pelo programa, 50% das mudas vão atender à demanda comercial. O restante deverá ser preservado, 30% vão para áreas de preservação ambiental, e os outros 20% terão função em atividades silviculturais, como distribuição de mudas.

Inicialmente, o projeto está sendo desenvolvido na Bahia, como forma de agregar valor à produção de cacau. As árvores servem para fazer o sombreamento do cacau. No fim de 2004 foram feitos os primeiros plantios, cerca de 2 mil mudas, em quatro fazendas. Até maio, o Cepec pretende plantar 24 mil mudas. Segundo Lobão, o único custo para o produtor é com a abertura das covas, cerca de R$ 0,30 a R$ 0,50 por árvore.

O grande entrave para o agricultor, porém, é o tempo que precisa esperar para vender a árvore, que só pode ser cortada 30 anos depois. O produtor de cacau Antônio Márcio da Silva Seixas, de Itabúna (BA), diz que aderiu ao projeto para contribuir com a preservação da espécie. "Não dá para ser imediatista", diz.

OESP, 23/02/2005, Agrícola, p.G6-G7

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