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A boa e a má política

O Globo, Economia Verde, p. 31
Autor: VIEIRA, Agostinho
28 de Ago de 2014

A boa e a má política

Agostinho Vieira

Não dá para ter certeza ainda de quem serão os candidatos à presidência que participarão do primeiro debate da eleição de 2018. Se for eleita, Marina já disse que não concorrerá à reeleição. Portanto, não estará na bancada. Se não vencer agora, é provável que apareça por lá, desta vez representando a sua Rede. O mesmo pode acontecer com Aécio, mas não com Dilma. Talvez se ouça novamente a voz rouca de Lula.
No entanto, seja qual for o grupo de debatedores, o mediador e a emissora, não é difícil adivinhar o que será dito. O representante do governo defenderá suas conquistas. Dirá que as falhas, raras, foram provocadas por problemas externos, alheios à sua vontade. Já a oposição vai garantir, indignada, que nunca houve gestão tão incompetente e corrupta. Enquanto isso, o pobre eleitor seguirá assistindo atônito, se divertindo com as tiradas engraçadas e torcendo ou rezando para que a vida melhore.
Foi mais ou menos isso que vimos na última terça-feira, apesar da inusitada discussão semântica para saber se a política deveria ser dividida entre nova e velha ou boa e má. Nesse teatro do absurdo foi possível identificar até as frases de efeito, previamente ensaiadas: "Quem fala olhando para trás tem receio de enfrentar o presente e não tem propostas para o futuro", "O país não precisa de gerente, mas de visão estratégica", "Em três anos e meio gerei mais empregos do que em oito do seu partido". Bordões criados com carinho para grudar na memória dos incautos.
Acontece que, no mundo real, não é assim que funciona. Ninguém é 100% bom ou 100% mal. A vida não é dividida entre mocinhos e bandidos, como nos desenhos animados. O Brasil que temos hoje é formado pela soma de erros e acertos de todos os governos que já passaram por aqui. Marina diz que, se eleita, vai trabalhar com os melhores de cada partido, incluindo o PT e o PSDB. Como se alguém escolhesse trabalhar com os piores, só de birra.
Chega a ser desesperador olhar para as ameaças graves que nos esperam no futuro enquanto vemos nossos políticos representando personagens caricatos de uma comédia sem graça. É como ver um carro lotado de passageiros bêbados, seguindo a 150 km/h em direção ao muro. Seria muito mais proveitoso se os nossos representantes discutissem objetivos concretos e mensuráveis.
No início do mês, por exemplo, perdemos tempo debatendo se o Brasil estaria na posição 79 ou 67 do ranking internacional de desenvolvimento humano. Ambas ruins. O estudo da ONU analisa a situação de 187 países em itens como expectativa de vida, educação e renda. Não seria melhor aproveitar os debates para discutir onde queremos estar daqui a quatro anos? Que tal ficar entre os 50 melhores do mundo? Alguém pode dizer: "O meu governo será tão bom que ficaremos entre os dez mais". Ok, tudo bem. Mas se ficar em 51o a meta não foi batida.
O mesmo pode ser feito com a saúde, que todos concordam que não está nada bem. Quais seriam os indicadores? Número de médicos por habitante? Tempo de espera por uma cirurgia? Mortalidade infantil? Não importa. Todos os candidatos combinam qual será o índice mínimo razoável a ser alcançado em 2018. E serão cobrados por isso. Quem bater as metas terá bons motivos para ser reeleito.
Esta semana, novos dados sobre o saneamento básico no Brasil revelaram que dificilmente chegaremos à universalização do serviço antes de 2030. Hoje coletamos pouco mais de 48% dos esgotos e tratamos 38%. Já o desperdício de água, apenas nas cem maiores cidades do país supera os 45%. Imagine como seria emocionante se Dilma, Aécio, Marina e os demais candidatos se comprometessem ao vivo, diante de milhões de brasileiros, a resolver o problema até 2018? Aí sim teria valido a pena ficar acordado até madrugada.
Voltando ao Índice de Desenvolvimento Humano, os números da ONU mostram que, quando se leva em conta a desigualdade social do país, a nossa situação piora muito. Passamos para a 95ª posição. Apesar de todo o investimento feito nos últimos anos, seguimos sendo uma das nações mais desiguais do planeta. Educação, saúde e saneamento têm um peso importante nessa história.
A cartilha da nova política ou da boa política, como queiram, deveria prever no seu artigo primeiro, parágrafo único, que nada é mais importante do que a busca pela justiça social e pelo fim da desigualdade. Muito acima das vaidades, dos interesses mesquinhos e dos jogos de poder. Infelizmente, o debate de terça-feira mostrou que de nova e de boa a política que estamos praticando ainda tem muito pouco.

O Globo, 28/08/2014, Economia Verde, p. 31

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