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Bispo suspende greve de fome, apos promessas de Lula

OESP, Nacional, p.A12
07 de Out de 2005

Bispo suspende greve de fome, após promessas de Lula
Governo se compromete a prolongar debate sobre transposição, intensificar revitalização do rio e receber d. Luís em audiência
Ângela Lacerda
O bispo da Diocese de Barra (BA), d. Luís Flávio Cappio, suspendeu no início da noite de ontem a greve de fome iniciada em 26 de setembro contra o projeto de transposição do Rio São Francisco. O protesto acabou após cinco horas de negociação com o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner.
A notícia foi recebida com fogos de artifício, aplausos e alívio - tanto pelos que apóiam a obra como pelos aliados, amigos e familiares do bispo, que completaria 11 dias de jejum.
O acordo foi fechado na capela São Sebastião, em Cabrobó, cidade do sertão pernambucano a 600 quilômetros do Recife.
O governo fez quatro promessas: 1) Prolongar o debate em torno do projeto de transposição, antes do início das obras, para esclarecimento amplo; 2) Dar continuidade e intensificar as obras de revitalização do rio; 3) Empenhar-se "ao máximo" para aprovar emenda constitucional que assegura investimento anual de R$ 300 milhões, por 20 anos, para a revitalização do São Francisco; 4) Assim que o bispo estiver restabelecido, terá audiência com Lula.
"Não estamos terminando, estamos começando", avisou o bispo, ao avaliar que não houve vencidos nem vitoriosos no episódio. D. Luís frisou que agora é hora de toda a sociedade - sindicatos, organizações , entidades representativas do povo, cientistas - se mobilizar para buscar as melhores alternativas.
CARTA
Em carta ao presidente, o bispo explicou ter decidido suspender o jejum, "em favor da vida", diante da grandeza do presidente. Elogiou, também, o diálogo proposto - para ele, deve ser o suficiente para permitir uma ampla discussão participativa, verdadeira e transparente, sobre um plano de desenvolvimento sustentável para todo o semi-árido. O bispo de Barra defende um debate que dê prioridade aos pobres da região.
Para Wagner, o entendimento foi possível pois os objetivos de Lula e do religioso eram iguais: buscar o desenvolvimento inclusivo e sustentável, com atenção especial aos excluídos.
O bispo explicou ter desistido do jejum mesmo sem a suspensão do projeto - exigência anterior - diante da promessa de debate amplo, o que considera fundamental para o futuro de toda a região. "Pode haver até mudança total no método de se tratar o Nordeste."

Uma ligação de Cabrobó, e acaba agonia da família
José Maria Mayrink
A boa nova chegou por volta das 17h30, quando o telefone tocou na Cappio Sorveteria e o empresário João Franco, chamando de Cabrobó, resumiu o alívio da família em duas frases: "Acabado. Vocês terão mais informação pela imprensa."
Luiz Fernando, Letícia, Sérgio, Luiz Flávio e Renata, os sobrinhos de d. Luís Flávio Cappio que moram em Guaratinguetá, onde ele nasceu, riram e choraram de alegria. Pouco mais de duas horas antes, às 14h48, o pai havia ligado para dizer que terminara sem acordo a reunião com o ministro Jacques Wagner.
A família vivia na angústia desde o dia 26, quando d. Luís Flávio iniciou a greve de fome, porque todos tinham certeza de que, se o governo não cedesse, ele iria até o fim. "Conhecemos bem o tio e sabíamos de sua determinação", diz Luiz Flávio, xará do bispo, que ganhou esse nome porque nasceu no dia em que ele foi para a Bahia.
Alice, de 6 anos, filha de Letícia, pulou de satisfação, ao saber da notícia. "Quando tio Flávio vai comer?", perguntava, cada vez que via o tio-avô na televisão. A família evitava falar sobre a situação com as crianças, mas elas estavam atentas.
Contra a vontade do pai, mas com o apoio dos irmãos, Renata estava arrumando as malas para ficar junto do tio em Cabrobó. Ela e o engenheiro Waldomiro Rizzato, colega de infância de d. Luís, Flávio que estava de vigília na sorveteria.
"Agora os planos mudaram, vamos comemorar e dar graças a Deus", anunciou Sérgio, vestido com uma camiseta da Paróquia de Nossa Senhora da Glória, onde d. Luiz Flávio foi ordenado bispo em julho de 1997.
PEREGRINAÇÃO
Com o apoio de equipes de pastoral da paróquia, a família Cappio está organizando uma peregrinação à Basílica de Aparecida, cidade vizinha, para agradecer. A romaria sairá às 6 horas de domingo e percorrerá a pé uma distância de sete quilômetros.
Ontem, os romeiros que assistiram às missas do santuário da Padroeira do Brasil, em Aparecida, rezaram pelo bispo, pedindo a Deus que lhe desse discernimento para defender o povo ribeirinho do Rio São Francisco sem ter de sacrificar a vida.
"Acho que luta por uma boa causa, mas não gostaria que ele morresse", disse a paulista Cleusa Porte, de Ibitinga, quando se dirigia para a sala das promessas com o marido, filho e nora.

'Espero que a moda não pegue', diz d. Odilo Scherer
Leonencio Nossa
O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Odilo Pedro Scherer, criticou ontem a greve de fome do frei Luiz Flávio Cappio. "Sinceramente, espero que a moda não pegue, pois a gente não pode aceitar a greve de fome até a morte", disse. Ele informou que o Vaticano mandou à tarde um "pedido" para o religioso suspender o jejum extremo contra a transposição do rio São Francisco, ordem acatada pelo religioso. Na avaliação de Scherer, uma greve de fome de um deputado também teria tido a mesma repercussão. Diante de risos de jornalistas, ele completou: "Ou não teria". O secretário-geral disse não ter conhecimento se a mensagem enviada pela Congregação dos Bispos da Santa Sé a Luiz Flávio Cappio, por meio do núncio apostólico Lorenzo Baldisseri, foi lida antes pelo papa Bento XVI. "A mensagem, que deverá ser divulgada nos próximos dias, vai no sentido de que ninguém é dono da própria vida", relatou. "Não entro no mérito se ele seria expulso pelo Vaticano." A uma pergunta se o fim da greve foi resultado da negociação do ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, ou da imposição do Vaticano, Scherer respondeu que o impasse terminou graças ao diálogo. Homem forte da Igreja no País, Scherer disse que a greve do frei foi algo "novo", "pessoal" e que pegou todos de surpresa. "O fruto positivo deste ato foi que o Brasil inteiro tomou conhecimento da questão da transposição do rio", afirmou. "A causa era grande e justificada", ponderou. Scherer salientou que usar o jejum como protesto não é novidade e pode ser aceitável, o que a Igreja não concorda é com greve de fome extrema. "Gandhi fez esse gesto (jejum como protesto), o que complicou foi a declaração dele (Cappio) de fazer greve até a morte", afirmou. "A Igreja diz que isso não é eticamente aceitável."

Se acordo não for cumprido, volta ao jejum
DESCONFIANÇA: O acordo firmado ontem entre o frei Luiz Flávio Cappio e o governo já nasceu sob a marca da desconfiança. Logo depois de anunciado, o ministro afirmou aos jornalistas, antes de retornar a Brasília, que ninguém falou em suspensão ou paralisação do projeto. Ao ser indagado sobre isso, o bispo de Barra (BA) reagiu: "Se ele falou isso, deu uma declaração mentirosa, não foi isso que foi dito." O religioso afirmou que quando existe uma negociação o ponto de partida é a confiança mútua. "Se eu não confio nele e ele não confia em mim, nunca haverá entendimento, parto da premissa da confiabilidade. Ele faz uma proposta, apresento uma outra, discutimos os pontos, existe consenso, o meu dever é acreditar que os pontos serão levados a sério." Disse preferir aguardar os acontecimentos e garantiu que, se o acordo não for cumprido, volta para Cabrobó e para a greve de fome, reiniciando a luta. E garantiu não ter sido pressionado a ceder. "Fiz a minha parte, que a sociedade brasileira faça a sua." O bispo, que perdeu 4 quilos nos 11 dias de greve, e estava visivelmente exausto, ainda participou de uma missa em ação de graças na Igreja da Sagrada Família, com a presença de autoridades religiosas, inclusive o núncio apostólico do Brasil, d. Lourenço Baldisseri. D. Luís pediu desculpa ao bispo local, d. Adriano, pelo tumulto causado na diocese. Só depois, às 20h20, foi ao hospital local, para tomar soro. Visitado por romeiros e fiéis, o frei teve sua imagem reproduzida em santinhos confeccionados pela prefeitura de Barra e distribuídos em Cabrobó, trazendo a frase de sua autoria: "Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho." Camisetas também foram distribuídas por religiosos. O gesto de d. Luís atraiu a atenção internacional e representantes da BBC de Londres, Reuters e AFP faziam a cobertura jornalística.
Ato feria a moral cristã, diz Vaticano
Representante do papa foi visitar o bispo com a missão de reprovar sua atitude
A greve de fome do bispo d. Luís Flávio Cappio mobilizou forças da Igreja, expôs divergências no meio do episcopado e repercutiu no Vaticano. O representante oficial do papa no Brasil, o núncio d. Lorenzo Baldisseri, foi enviado para o interior de Pernambuco, com a missão de dizer ao bispo que a Igreja não aprovava sua atitude de ir até à morte.
À noite, quando deixava Cabrobó, a 600 quilômetros do Recife, o núncio, que tem status de embaixador e é sempre discreto, disse que o ato do bispo feria a moral cristã: "Na igreja há fé, moral e disciplina que tem de ser respeitada; é doutrina."
Ele confirmou que a Igreja participou da negociação, em defesa de princípios morais. "Nem todos os meios são bons para lograr um fim", afirmou.
Ao mesmo tempo que as atenções de Roma eram atraídas para o interior de Pernambuco, o presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o bispo d. Tomás Balduíno atacava os quatro bispos que um dia antes tinham divulgado nota apoiando a transposição e criticando a greve de fome. D. Tomás chamou-os de "divisionistas" e acusou-os de "colaborar com as empreiteiras e com o grande capital, que estão de olho nesta obra gigantesca."
Na nota do dia anterior, os quatro bispos tinham dito que a greve era uma "atitude extrema", que "provocou perplexidade e sofrimento". Os quatro integram a direção do Conselho Regional Nordeste 2 da CNBB, que abrange três Estados que serão beneficiados pela transposição: Alagoas, Pernambuco e Paraíba.
Defensor do projeto, o presidente do conselho, o arcebispo da Paraíba, d. Aldo Pagotto, tem dito que ele será "uma bênção para o povo do semi-árido".
D. Tomás saiu em defesa da atitude de d. Luís. Disse que ele estava "cumprindo o que Jesus nos ensinou e do que deu testemunho extremo: `Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos".

OESP, 07/10/2005, p. A12

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