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Bispo: décimo dia de jejum

JB, País, p. A8
05 de Out de 2005

Bispo: décimo dia de jejum
Pastoral incita invasão de futura obra do Rio São Francisco e governo estuda saída para impasse. Religioso atrai milhares de pessoas

O bispo Luiz Flávio Cappio, comemorou ontem seu aniversário de 59 anos com uma missa para lembrar o dia de São Francisco de Assis, santo que dá nome ao rio pelo qual o religioso mantém uma greve de fome que já dura 10 dias. A missa foi celebrada em conjunto com o bispo dom Tomás Balduino, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que sugeriu a invasão dos movimentos sociais nas obras do projeto de transposição do Rio São Francisco, caso elas sejam iniciadas pelo governo. Balduino considerou "grave" a posição do presidente Lula sobre o jejum do bispo.
- O Movimento dos Atingidos por Barragens tem a estratégia de imobilizar canteiros de obras. É uma possibilidade que pode ser estudada - afirmou.
Cappio teve dificuldades para subir no púlpito em que celebrou a missa da qual participaram ao menos 2,5 mil pessoas. O religioso tem se hidratado apenas com a água do Rio São Francisco e afirma que se o governo não desistir da obra de transposição persistirá no jejum "até a morte". Ontem, ele recebeu o apoio de quatro integrantes do Movimento dos Pequenos Agricultores que aderiram à greve de fome.
Apesar da polêmica envolvendo a obra, de acordo com a agenda do Ministério da Integração Nacional o projeto deve ser iniciado nos próximos dias, apoiado pelo Exército. Segundo o ministério responsável pelo projeto, a única pendência para o início da construção de 700 quilômetros de canais de concreto na caatinga é a concessão de licença pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A instituição informou que a licença de instalação, que autoriza o início das obras, deve ser concedida nesta semana.
O ministro Integração, Ciro Gomes, não quis se manifestar sobre a greve de fome do frei. Segundo a assessoria de Ciro, uma eventual negociação com o bispo é assunto do Planalto, já que a área técnica do governo não teria recebido nenhuma orientação do presidente para paralisar o projeto.
No entanto, segundo o deputado Walter Pinheiro (PT-BA), o presidente, que até então se recusava em concordar com as exigências do bispo, sinaliza ceder às pressões. A primeira medida seria resolver o impasse com a liberação de R$ 400 mil em verbas para projetos de revitalização do rio. A suposta obra de revitalização duraria 10 anos e a transposição seria adiada por um prazo indeterminado. O deputado também apontou a necessidade de tratar a polêmica da transposição como uma questão de "política pública", pois envolve a situação da população ribeirinha que seria gravemente afetada.
Segundo auxiliares do Planalto, Lula sabe que está numa situação delicada. Se atender aos apelos de dom Cappio e engavetar o projeto de transposição, estará abrindo um precedente perigoso para futuras pautas polêmicas, além de abandonar uma das prioridades de seu governo. Mas, caso seja intransigente na negociação, pode ser responsabilizado pelas conseqüências da greve de fome.
Integrantes de entidades religiosas e movimentos sociais realizaram ontem, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, um ato de solidariedade ao bispo, no momento em que o presidente Lula recebia o presidente de Cabo Verde, Pedro Pires, na rampa do Palácio do Planalto. Belo Horizonte e Porto Alegre também tiveram atos públicos em nome do religioso.
A ordem dos frades franciscanos da Província Santa Cruz (Minas Gerais e sul da Bahia), no entanto, criticou a greve de fome do bispo de Barra. Mesmo se solidarizando com o frade franciscano, o representante da ordem disse que o gesto atenta contra a vida humana e pode servir de estímulo para o surgimento de "homens-bomba".
- Estamos solidários com o gesto dele, porque busca preservar a vida do rio e das populações ribeirinhas. Mas não queremos criar mortos. Senão vamos criar homens-bomba - explicou o teólogo frei Jacir de Freitas Faria, conselheiro e secretário-geral da Província Santa Cruz.
A transposição do Rio São Francisco é a maior obra do governo Lula. A um custo total estimado em R$ 4,5 bilhões, o projeto, se iniciado, deve continuar no próximo governo, porque a previsão é de que até no fim de 2006 menos de 30% das obras estará concluídas.
Os 720 quilômetros de canais de concreto levarão cerca de 1% das águas do rio para quatro estados atingidos pelas secas: Paraíba, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.
A obra foi dividida em 14 lotes, a serem disputados por empreiteiras e a licitação já está em curso. Antes mesmo das obras, o ministério já contratou a compra de nove conjuntos de bombas, que elevarão as águas do São Francisco a uma altura de até 300 metros. De acordo com estudos feitos a pedido do Governo Federal, cerca de doze milhões de pessoas serão beneficiadas com o projeto.
O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) afirmou ontem que Lula não recua na sua decisão de manter o projeto de transposição do Rio São Francisco por razões eleitorais:
- Ele está muito comprometido com a obra porque ela vai trazer uma grande propaganda para a campanha eleitoral.
Com agências

JB, 05/10/2005, País, p. A8

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