Bispo ameaca o rei

O bispo ameaça o rei
Eliane Cantanhêde
Roberto Jefferson, Marcos Valério, CPIs e oposições empurram o governo contra a parede. Como não bastasse, aparece o tal bispo Cappio encurralando Lula.
Feliz e serelepe depois da vitória de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara, Lula estava certo de que o pior da crise tinha passado. Faltou, literalmente, combinar com os adversários. As CPIs entraram na fase das acareações, agressivas e perigosas, e, agora, mais essa do bispo.
"Uma andorinha só não faz verão", mas basta um bispo para dar esse calorão todo no Planalto. Cinco ministros foram mobilizados e, enquanto Jaques Wagner ficou no vai-não-vai a Cabrobó, a igreja entrou na história. Tanto a CNBB como a Nunciatura Apostólica (embaixada do Vaticano em Brasília). Resultado: a transposição do São Francisco vai ser empurrada de novo com a barriga.
A idéia atravessa décadas, desde pelo menos o governo Sarney, quando o então ministro Aluizio Alves apresentou um projeto pronto e acabado para a transposição. Pressões a favor e contra neutralizaram qualquer conclusão, até que o governo Lula retomou o projeto e... acabou surpreendido pela greve de fome do bispo. O rei e a rainha foram encurralados por um bispo.
Em torno da batina, uniram-se igrejas, movimentos sociais, ambientalistas, parte da imprensa, políticos de todos os quilates. E lá estão Lula e seus ministros às voltas com um bispinho e um problemão. Já imaginou se o bispo morre? Como ele próprio disse (quase uma praga), a culpa toda recairia em Lula.
Culpas assim não atraem só chuvas e trovoadas internamente, mas do mundo inteiro. Ninguém entende o que é, o que poderá ser e o que significa a transposição do "Velho Chico", mas isso não tem a menor importância. O que importa é que um bispo poderia morrer. Aliás, ainda pode. Ele deve parar a greve de fome hoje, mas virou uma ameaça. A qualquer momento, tudo pode recomeçar.

FSP, 06/10/2005, p. A2