VOLTAR

Bispo afirma que demarcação retrata resgate da dívida social

Folha de Boa Vista- Boa Vista-RR
Autor: PABLO SÉRGIO
09 de Dez de 2002

Falando com exclusividade para a Folha sobre a questão da demarcação da Raposa Serra do Sol em área única, o bispo da Igreja Católica, dom Apparecido José Dias, disse que em primeiro lugar a questão da demarcação das terras indígenas é um direito líquido e certo. "É um direito original e que é reconhecido pela nossa Constituição, que por sua vez retrata todo um sentimento nacional que é de resgatar a dívida social de exploração histórica contra estes povos".

Segundo ele, a Constituição de 1988 é fruto de ampla participação popular e que contou, inclusive, com a participação das organizações indígenas em sua fase de elaboração, tendo os congressistas assimilado esse apelo e sinalizado com o resgate da dívida, garantindo a preservação das terras habitadas tradicionalmente pelos indígenas.

Na opinião dele, a decisão dos juízes do Supremo Tribunal Federal (STJ) de optarem pela manutenção da Portaria 820/98 que declara a posse permanente aos indígenas em área contínua ocorrida há cerca de duas semanas não é mais uma decisão a ser questionada e sim executada. O bispo afirma que a questão já foi discutida amplamente e durante muito tempo, não havendo mais necessidade de reiniciar o debate da estaca zero.

Quanto às declarações de que alguns indígenas apóiam a demarcação em ilhas dom Aparecido foi enfático ao afirmar que tais declarações são meias verdades. Para ele, a maioria dos índios que moram na Raposa Serra do Sol são totalmente favoráveis ao que determinação a legislação brasileira, ou seja, que em área contínua.

Em relação às afirmações de que a área demarcada será entregue a grupos internacionais, o bispo fez questão de esclarecer que mais do que qualquer área, as terras indígenas são propriedades da União, "Estas terras sequer saem das mãos do Governo, pois pertencem ao patrimônio da União. Então tais afirmações não passam de especulação com o objetivo de iludir a opinião pública sobre o assunto", observou.

O bispo diocesano rebate as acusações de que a demarcação inviabiliza economicamente o estado, fazendo uma comparação entre os estados de Roraima e Paraná cuja área geográfica é menor e com população significativamente superior. "Mesmo assim o Paraná tem uma produção em grande escala nos diversos setores da economia. Esse argumento não tem como se justificar", afirma.

Ele disse que paralela à questão da demarcação, enquanto os rizicultores continuam produzindo em grande escala nas terras indígenas existe um problema que está passando despercebido ao largo do debate, que na opinião dele é mais grave. "As pessoas normalmente estão ignorando os prejuízos causados ao meio ambiente", ressaltou.

O titular da Igreja Católica disse que a produção de arroz da forma como é praticada em Roraima tem depredado o meio ambiente, prejudicando os mananciais pela quantidade de água retirada. "Nos rios Surumu e Cotingo, por exemplo, no verão quando se irrigam as plantas, a água desaparece. É quase uma privatização dos rios, pois não há controle de ninguém", alerta.

Outro exemplo dado para demonstrar a preocupação com o meio ambiente foi a situação do rio Branco. "Não precisa ir muito longe, basta verificar a situação do rio Branco nas proximidades da Ponte dos Macuxi, aquele assoreamento é resultado dessas lavouras desordenadas e da extinção da mata ciliar. Por que a plantação de arroz é intinerante? Porque prejudica o solo e depois de pouco tempo tem que ir para outro lugar".

Por outro lado, o bispo disse que a ampliação das plantações de arroz na área indígena foi de má fé, porque, segundo ele, desde o início desta atividade agrícola as comunidades indígenas protestaram. "Mesmo assim esses produtores insistiram e foram ampliando as áreas ocupadas, pois não precisam pagar Imposto Territorial Rural (ITR) ou qualquer outro tipo de imposto", acusa.

O bispo avalia que se os mesmos recursos repassados aos rizicultores por parte do Estado e das instituições públicas fossem repassados aos indígenas ele teriam condições de produzir tanto quanto, ou melhor do que os produtores, sem qualquer tipo de agressão a natureza.

Ele disse que apesar dos ataques a Igreja vai continuar sua missão evangelizadora não apenas nos meios dos índios mais de todos os empobrecidos do estado, como é o caso do trabalho de conscientização e formação desenvolvido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) junto aos agricultores e o combate a mortalidade infantil promovido pela Pastoral da Criança. "Nossa missão vai continuar, pois os ataques a atuação da igreja não são de hoje, desde a época da ditadura, na medida em que a Igreja cumpre com o seu papel de conscientizar e a população pobre é capaz de assumir a defesa de seus direitos, vai mexer com privilégios e incomodando muita gente, isso é normal e faz parte de nossa missão", concluiu.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.