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Biodiesel: para fazer acontecer

OESP, Economia, p. B2
Autor: NOGUEIRA, Luiz Augusto Horta
05 de Jan de 2004

Biodiesel: para fazer acontecer
É preciso avaliar como tornar o combustível atraente na hora de encher o tanque

Luiz Augusto Horta Nogueira

Praticamente em todo o mundo se conhece como biodiesel o resultado da transesterificação em meio alcoólico de óleos vegetais e a retirada de sua glicerina, que permite a utilização destes produtos da fotossíntese em motores de alto desempenho. Tal tecnologia tem evoluído bastante, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Por conta de nossas evidentes potencialidades, no Brasil vem se desenvolvendo uma ampla discussão a respeito, envolvendo a sociedade, o governo e o Legislativo, aguardando-se para breve a definição de metas e um cronograma para implementar progressivamente o biodiesel em nossa matriz energética.
Alguns passos importantes já foram dados, tais como a constituição de um comitê de alto nível junto à Casa Civil e a definição pela ANP de uma especificação preliminar de qualidade, que assegure que os motores diesel operem adequadamente com este biocombustível, protegendo o consumidor e o meio ambiente. Entretanto, existem pendências e questões relevantes a serem enfrentadas e esclarecidas, sobretudo quanto à economicidade e aos requisitos de produtividade.
No âmbito econômico, é essencial ter claro que, sob os custos atualmente praticados, o biodiesel ainda é mais caro que o diesel derivado de petróleo e suas vantagens - sejam ambientais, sejam de dinamização das atividades agroindustriais e de redução da dependência de diesel importado - necessitam ser adequadamente ponderadas diante da eventual renúncia fiscal ou subsídio que a introdução desse biocombustível deverá impor para sua adoção. Neste sentido, é interessante observar os casos americano e alemão, mostrados na figura 1. Nos Estados Unidos, ainda que custe para o consumidor mais que o diesel comum, o biodiesel vem obtendo algum espaço por suas vantagens de segurança de suprimento e menores emissões, enquanto na Alemanha, devido à tributação elevada, o diesel fóssil custa quase R$ 3,00 por litro e se logrou tornar o biodiesel competitivo apenas pela redução dos impostos. As condições brasileiras, nas quais os impostos cobrados sobre o diesel não são tão altos, se aproximam da situação americana e portanto é preciso avaliar como tornar o biodiesel atraente na hora de encher o tanque.
Outro aspecto econômico crucial refere-se ao valor de oportunidade dos óleos vegetais a serem utilizados para produzir o biocombustível, que chega a ser, como no caso da mamona, cerca de quatro vezes o custo do diesel de petróleo (US$ 200/ton, ex-impostos), como mostrado na figura 2. É difícil justificar a queima de um produto tão valioso diante do que se pretende substituir. Se o objetivo central for gerar empregos rurais, criar uma atividade produtora para pequenas propriedades, aí então com mais razão cabe produzir e vender o óleo vegetal como tal, para fins alimentícios ou industriais, porque usar em motores seria desvalorizar um produto nobre e de preço remunerador. Como um exemplo, um hectare cultivado em mamona geraria cerca de R$ 2.050 ao vender sua produção como óleo vegetal (cotado a US$ 800/ton) ou R$ 1.400 se converter esse óleo em biodiesel, cotado ao custo médio do diesel. Antes de lançar programas de uso massivo de biodiesel, é inescapável discutir a quem, com o que e como pagar estes diferenciais. Não obstante, existem alguns contextos em que o alto custo do suprimento energético convencional e a disponibilidade de matérias-primas de baixo preço apontam para a viabilidade do biodiesel. Certamente é por aí que se deve começar.
É correto lembrar que o álcool de cana reduziu seus preços de forma expressiva ao longo das últimas décadas e apenas nos últimos anos passou a ser efetivamente competitivo com a gasolina, mas tal curva de aprendizagem está ainda bem no início para o biodiesel. Um claro sintoma do quanto ainda falta estudar é a ausência de dados consistentes sobre o balanço energético do biodiesel. No caso do álcool brasileiro, para cada unidade de energia consumida, são produzidas cerca de dez unidades de energia renovável. Quanta energia se consome para produzir o biodiesel? Com o álcool, estamos produzindo ao redor de 6,5 mil litros de combustível por hectare. Para o biodiesel, nos melhores casos, estima-se uma produção de aproximadamente mil litros por hectare em terras brasileiras e, nos países temperados, a produtividade é de apenas 600 litros na mesma área.
Certamente cabe avançar; o biodiesel deverá estar presente no futuro energético do Brasil, mas as condições atuais impõem prudência. O que, de forma alguma, quer dizer inércia.

OESP, 05/01/2004, Economia, p. B2

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