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Bilhões sem fiscalização

O Globo, O País, p. 3
28 de Jan de 2008

Bilhões sem fiscalização
Governo repassa R$ 2,8 bilhões para ONGs e entidades, mas admite falha no controle

Isabel Braga

Dos R$ 17,8 bilhões de transferências voluntárias de recursos feitas pelo governo federal em 2007, R$ 2,8 bilhões foram para entidades privadas sem fins lucrativos ou organizações não-governamentais (ONGs). Embora assinem convênios e sejam obrigadas a prestar contas, o próprio governo admite dificuldades de controle do uso de boa parte desses recursos. Reportagem publicada ontem pelo GLOBO mostrou que deputados federais da bancada do Rio incluíram emendas ao Orçamento de 2008 para beneficiar ONGs ligadas a políticos ou comandadas pelos próprios parlamentares. Esse descontrole se torna ainda mais grave no momento em que a Comissão de Orçamento está contando os centavos para cortar R$ 20 bilhões no projeto deste ano.

As organizações devem prestar contas da verba repassada pelo governo, mas o relator da CPI das ONGs, senador Raimundo Colombo (DEM-SC), alerta que pouco se sabe do que é feito com os recursos destinados a elas. Ele critica ainda o adiamento da entrada em vigor do decreto que tornaria a fiscalização mais rigorosa e transparente.

Editado em julho do ano passado, o decreto 6.170 cria um novo sistema de acompanhamento, on line, de obras e serviços feitos com recursos federais transferidos para prefeituras, estados e ONGs. A entrada em vigor estava marcada para este mês, mas foi adiada para julho.

- É uma irresponsabilidade, principalmente porque estamos em ano eleitoral. A fiscalização das ONGs é precária - diz Colombo.
Em 2007, 7,6 mil ONGs beneficiadas
Segundo o senador, no ano passado, 7.670 ONGs receberam recursos do Orçamento. E, ao contrário de prefeituras, as ONGs não são obrigadas a fazer licitações e podem fazer pagamento em dinheiro vivo. Embora prestem contas, não há cobrança de resultados. Ele afirma que os parlamentares apresentam emendas destinando verbas para determinadas ONGs, mas que o convênio é feito pelos ministérios, que têm o dever de fiscalizar.

Durante e depois da execução de uma obra ou serviço, a ONG tem que prestar contas, e cada ministério é encarregado de verificar se a verba foi bem utilizada. Também há fiscalização da Controladoria Geral da União e, se for constatada irregularidade, do Tribunal de Contas da União. A CGU e o TCU fazem também auditorias por amostragem sobre as ONGs que mais receberam verbas. O ministro Jorge Hage, da CGU, admite a dificuldade de controle e diz que é preciso avançar na regulamentação das ONGs.

O Ministério da Justiça informa que vem atuando para qualificar as entidades privadas sem fins lucrativos.
De 2004 a 2007, deu o título de Utilidade Pública Federal a 2.612 entidades e cancelou a qualificação de 840.

Qualificou ainda como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) outras 3.591. Em outubro do ano passado, criou o Cadastro Nacional de Entidades de Utilidade Pública, que pretende acompanhar a atuação de entidades e classificá-las.

Pelo cadastro, as entidades prestam contas, por meio eletrônico, das atividades que exercem. A coordenadora de entidades sociais do MJ, Andréa Aiolfi, diz que as qualificações não garantem o repasse de verbas públicas, mas muitos órgãos públicos e os próprios parlamentares se valem das informações como base para a escolha das entidades.

De acordo com o diretor de programas da secretaria-executiva do Ministério do Planejamento, Luís Antonio Padilha, o governo precisou adiar a vigência do decreto que tornará mais rigorosa e transparente a fiscalização sobre o uso dos recursos públicos porque o sistema - já desenvolvido pela Marinha e a UFRJ - exige capacitação dos que vão operá-lo: representantes de prefeituras, de governos estaduais, de ONGs e dos próprios ministérios.

Será uma revolução nos procedimentos. Tudo estará disponível num único portal, que poderá ser acessado por qualquer pessoa. Será mais eficiente, transparente, permitirá economia e maior controle social - diz Padillha, descartando que o adiamento seja em razão do ano eleitoral. - Acompanho de perto o processo e isso não procede.
Ou teríamos adiado para 2009.

Segundo ele, a partir de julho, todos os novos convênios estarão no portal, com os cadastros, CNPJs das empresas, plano de trabalho, metas e cronograma de desembolso de recursos. Padilha diz que qualquer cidadão que constatar irregularidades ou perceber que a verba foi liberada, mas a obra não foi feita, poderá fazer a denúncia no portal. O decreto, porém, não mexe na questão das licitações. As ONGs continuam não precisando fazê-las.

Padilha explica que a licitação é algo complexo até para as pequenas prefeituras. Mas haverá um processo de cotação prévia, que dá maior transparência: a ONG terá que incluir no portal o que precisa comprar - por exemplo, 500 cadernos para entregar em determinada cidade - e isso será disponibilizado a todas as empresas cadastradas que oferecem preços, numa espécie de leilão eletrônico. Além disso, no novo sistema, ninguém pagará mais com cheque ou dinheiro. Os créditos serão feitos diretamente pelos bancos oficiais ao fornecedor, com exceção de pequenos gastos.

Os convênios antigos, no entanto, continuarão seguindo as normas atuais até 2010, quando terão que ser refeitos. Hoje, para receber dinheiro público, uma ONG tem que cumprir requisitos: ter estatuto registrado em cartório, CNPJ, três anos de existência e três declarações de autoridades locais de que opera e é idônea.

Controle precisa separar joio do trigo, diz ativista

Burocracia, regras mais rígidas e o mau comportamento de algumas entidades são os obstáculos no caminho de ONGs que precisam obter recursos no governo. A opinião é de Jean-Marc von der Weid, fundador e atual diretor de projeto da ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa. Segundo ele, para aumentar o controle e a fiscalização sobre a liberação de verbas, o governo tem dificultado a vida de quem precisa de dinheiro para tocar os projetos.

- ONG não é sinônimo de bondade. Há todo tipo de pilantragem. Tem muita ONG dando golpes. O governo tem que começar a fazer algum tipo de fiscalização que separe o joio do trigo. A partir de 2006, houve um enrijecimento das regras de financiamento público, e com efeito retroativo. Isso dificultou muito o acesso aos recursos. A nossa ONG teve que devolver dinheiro para se adequar. Um exemplo da dificuldade que temos agora é a exigência do pregão eletrônico, que tem custos e procedimentos burocráticos para qualquer despesa acima de oito mil reais.

Outra dificuldade apontada por Jean-Marc é a descentralização dos recursos. Há projetos que precisam ser totalmente desmembrados em áreas porque cada parte é liberada por um ministério diferente. E estes têm exigências e interpretações diferentes ao liberar a verba.

- Às vezes, o Ministério da Ciência e Tecnologia já liberou uma parte, mas a proposta ainda tem que ser aceita no do Desenvolvimento Agrário. Sem esse recurso, o projeto não pode ser iniciado. As regras também não são muito claras. Muitos gestores públicos têm dificuldade para entenderem a natureza do projeto. (Cláudia Lamego)

Emendas para benefício pessoal

Reportagem publicada ontem no GLOBO mostrou que deputados federais da bancada do Rio incluíram emendas ao Orçamento de 2008 beneficiando, com milhões em verbas públicas, ONGs ligadas a eles próprios, a aliados políticos e a doadores de campanha. Há pelo menos 13 casos em que as ONGs listadas para receber emendas não têm endereço próprio ou funcionam em centros culturais e escritórios mantidos por autores das emendas. É o caso da ONG Phoenix Auto-estima, que funciona em um escritório de luxo, na Barra da Tijuca, pertencente ao deputado federal Manoel Ferreira (PTB), o mesmo que a contemplou com uma emenda de R$ 1 milhão. Segundo Ferreira, ela funcionaria em Magalhães Bastos. O vereador de Itaboraí Lucas Borges (PSDC) conseguiu emenda de R$ 200 mil para centro social que exige títulos eleitorais de seus cadastrados. A emenda de maior volume é de autoria de Arnaldo Vianna (PDT) para uma ONG dirigida por sua ex-mulher, também doadora de sua campanha.

O Globo, 28/01/2008, O País, p. 3

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