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Besouro na floresta

O Globo, Opinião, p. 23
Autor: AZEVEDO, Tasso
12 de Dez de 2012

Besouro na floresta

Tasso Azevedo

O sobrevoo das florestas boreais na província da Costa Oeste no Canadá é superlativo em todos os sentidos, mas na última década o que mais impressiona é um verdadeiro mar de árvores mortas que se estendem por milhares de quilômetros quadrados.
Do tamanho de um grão de arroz, o Dendroctonus ponderosae, também conhecido como Pine Beatle (besouro do pinho) está literalmente comendo as florestas boreais no Oeste do Canadá. A larva do bicho se entranha pelo troco e come os pinheiros por dentro, matando-os em pé. Inseto natural da região, a sua população sempre viveu um ciclo de crescimento nos períodos quentes e, quando prestes a se tornar uma praga, era naturalmente controlado pelo intenso frio das semanas mais geladas do inverno canadense. Ao longo da última década, os dias de frio intenso no inverno têm diminuído e com isso a população do besouro tem crescido descontroladamente e se tornou uma praga terrível que já afetou mais de 20 milhões de hectares no Canadá e Norte dos Estados Unidos (isso equivale a mais de quatro vezes o Estado do Rio de Janeiro).
As árvores mortas são combustível para incêndios, e a forma de controlara expansão da praga e o fogo descontrolado é cortar milhões de árvores com consequências graves para economia (uso das árvores brocadas é de baixíssimo valor), emprego, o abastecimento de água (pela desproteção do solo e cursos d'água), entre outros fatores.
Mas um outro efeito, talvez mais perverso, vem se consolidando. As florestas do Canadá, que em 2000 contribuíram com a captura de 68 milhões de toneladas de carbono da atmosfera, em 2010 foram uma fonte de emissão de 74 milhões de toneladas de CO2. As consequências podem ser vistas no inventário de emissões do Canadá: quando se compara o ano de 2010 com 2000 as emissões totais sem considerar as florestas (como é definida a regra do Protocolo de Kyoto) caíram 4%. Porém quando se considera as emissões de floresta houve um crescimento de 17%.
Não é surpresa que o Canadá se recusou a participar do segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto acordado na Conferência de Clima encerrada dias atrás em Doha.
Este fenômeno no Canadá é uma amostra da bola de neve que leva a intricados processos que podem retroalimentar a mudança do clima. O mesmo risco existe com o aumento dos períodos secos na Amazônia associados ao aumento de áreas degradadas pela exploração ilegal, que aumentam a susceptibilidade ao fogo, que por sua vez aumenta as emissões num ciclo vicioso.
Em Doha foi definido um caminho para negociação até 2015 de um novo acordo para entrar em vigor em 2020 com metas e compromissos para todos os países. O nível de ambição deste novo acordo deverá ser muitíssimo superior àquele expresso nas últimas Conferências de Clima se realmente pretendemos evitar o desastre de um aumento global da temperatura média acima de 2o C.
Assim talvez deixemos de ser o besouro que come a floresta para ser aquele que a poliniza, multiplica e pereniza.

Tasso Azevedo é engenheiro florestal

O Globo, 12/12/2012, Opinião, p. 23

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