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Belo Monte vira realidade, mas caos na cidade da usina está longe do fim

FSP, Mercado, p. 4
20 de Mar de 2016

Belo Monte vira realidade, mas caos na cidade da usina está longe do fim
Altamira (PA) vê desemprego e aumento de violência às vésperas do acionamento da 1ª turbina
Empresa Norte Energia, responsável pela magaobra, investiu mais de R$ 3 bilhões em ações socioambientais

Eduardo Geraque

A chegada de Belo Monte a Altamira (PA) era para ter revolucionado a cidade, segundo o discurso do governo e dos empreendedores.
As vésperas do acionamento da primeira turbina da usina, o caos no dia a dia da região, inclusive no rio Xingu, está longe de acabar.
Por causa do impacto socioambiental causado pela obra, um gigante de concreto erguido na Amazônia, uma série de ações socioambientais deveria ter sido concluída antes do início do funcionamento das máquinas.
O que se vê nas ruas é a aflição no dia a dia de quem se desligou do emprego em Belo Monte, mas continua na região, as obras viárias e de saneamento inacabadas e os ribeirinhos longe do rio onde eles sempre viveram. Além dos índices de violência, como o número de roubos, que também estão em alta.
Até agora, a empresa Norte Energia, responsável pela megaobra, investiu mais de R$ 3 bilhões em ações socioambientais. Mesmo com o dinheiro injetado, os problemas se multiplicam.
O drama de Antoniel Mourão Pires é um deles.
Aos 37 anos, morador do Maranhão, ele mudou com a mulher e duas crianças para Altamira em agosto de 2013. Veio trabalhar como motorista de veículos pesados na obra. "Minha perspectiva era vir e construir um sonho e terminar minha casa lá em São Luís, mas nem consegui começar. Chegamos aqui e a realidade era outra".
Desempregado desde dezembro e sem vontade de voltar para a terra natal, o motorista está sufocado pelo aluguel em Altamira. O custo de vida na cidade subiu devido ao dinheiro que circulou no local nos últimos cinco anos.
Quase 30 mil empregados chegaram para erguer a megabarragem. Mas, agora, com a saída de grande parte deles, o problema deve ser inverso. A economia local começa a murchar, o que é fácil de perceber no comércio.
A reportagem encontrou Pires em um loteamento de moradia popular invadido, para onde ele pretendia mudar e se livrar do aluguel.
Outras seis pessoas da invasão, de um total de 60 famílias, são desempregados da usina de Belo Monte.
A família do motorista continua na casa alugada no centro da cidade. "Mas tem dia que não dá para comer direito", diz Pires, que para sobreviver está se desfazendo dos bens adquiridos na época que estava no trabalho. O que mulher ganha como vendedora serve só para pagar o aluguel.
Na fila do desemprego, perto do escritório do consórcio que está fazendo Belo Monte, boatos de que novas contratações vão começar trazem dezenas de pessoas todos os dias. Muitos dormem ali mesmo, no chão ou em redes, a semana toda.
"Trabalhei 1 ano e 6 meses na obra. No ano passado resolvi voltar para Pinheiro [MA] e levantar minha casinha. O que me trouxe aqui é a precisão, porque o dinheiro acabou", diz João Silva.
Além dos que vieram de fora, os moradores de Altamira também estão expostos por causa da crônica falta de saneamento básico da cidade. O esgoto ainda acaba indo, em parte, para o rio Xingu.
No início deste mês, o Ministério Público Federal de Altamira pediu a suspensão emergencial do barramento do rio, porque o esgoto tenderia a ficar acumulado na orla em frente da cidade.
Apesar de a empresa Norte Energia ter construído as redes coletoras e as estações de tratamento, não foi feito a ligação final para os imóveis.
Depois de um impasse entre o poder público local e a empresa responsável por Belo Monte, as ligações, assumidas pela Norte Energia, deverão ficar prontas em setembro, segundo o grupo.

População teme viver desastre similar a Mariana

Em uma noite de janeiro, tocou o telefone na venda de Otávio Cardoso Juruna, 65, na vila da Ilha da Fazenda, no Pará, às margens do rio Xingu.
"Era o pessoal da barragem dizendo que eles iriam mexer nas comportas e a quantidade de água iria aumentar", conta o líder comunitário.
Ele avisou as pessoas que retirassem seus objetos da beira do rio. No local é comum as pessoas deixarem na água apetrechos de pesca e até louças.
A subida rápida do rio, algo inédito segundo seu Otávio, levou a canoa dele, com motor e tudo.
Por causa da mudança abrupta no nível do Xingu, e das notícias que vem pela TV sobre a tragédia de Mariana (MG) em 2015, a insegurança está grande na região, chamada de Volta Grande, por causa do grande desvio que o Xingu faz desde Altamira.
Aquela parte do rio, agora, está isolada, dizem ribeirinhos. Para cima, tem a barragem de Pimental (o barramento de fato do Xingu que desvia água por um canal artificial até Belo Monte propriamente dita).
Do outro lado do rio, na Vila da Ressaca, que é um pouco maior, na mesma noite de janeiro, o gari Ednaldo Moraes teve que sair correndo pelas ruas do vilarejo gritando para as pessoas tirarem seus pertences de beirada da água.
Para ele, estava ocorrendo um acidente como o que havia ocorrido em Mariana. Só que em vez de lama estava vindo água.
Segundo a empresa Norte Energia, a barragem de Pimental é totalmente segura, e não existe risco nenhum para os moradores que vivem abaixo dela.
"Nós temos um plano de contingência caso seja necessário. Sobre o aumento do nível do rio, isso sempre ocorreu aqui e nós também nos comunicamos com eles", diz José de Anchieta dos Santos, diretor da empresa Norte Energia.
Se do lado de baixo da barragem existe insegurança, do lado de cima, onde os peixes também estão sumindo, alguns ribeirinhos desalojados querem voltar para as duas ilhas, que tiveram que deixar para trás.
É típico na região que os ribeirinhos que vivem da pesca tenham casas em Altamira e também possuam ranchos ou pequenas casas nas margens do Xingu.
Eles usam estes locais como apoio para pescar. "Estamos muito longe do rio. O frete da minha casa ao porto é quase o preço que rende a pescaria", diz Raimundo Braga Gomes.
Em Altamira, ele vivia perto do rio, ao lado de uma área de palafitas que foram destruídas. As pessoas estão sendo transferidas para conjuntos habitacionais na cidade.
O pleito deles é poderem, novamente, viver perto do rio Xingu. A Norte Energia diz que vai, nos próximos meses, colaborar para que os ribeirinhos possam voltar para as áreas que não estão alagadas.

Obra que vai atender 17 Estados só ficará 100% pronta em 2019

O gigantismo de Belo Monte estará completo apenas em 2019, mais de dez anos depois do início dos estudos ambientais, que começaram em 2007. O contrato de concessão da obra é de 2010.
Na inauguração da hidrelétrica, prevista para até o início de abril, a geração de energia será feita de um lado da usina, enquanto, do outro, as obras civis ainda estarão sendo tocadas.
Falta por volta de 10% para tudo ficar pronto.
Qualquer que seja o indicador, ele está atrelado às grandes dimensões amazônicas. O principal deles, a capacidade instalada de 11.233,1 megawatts, serve para sustentar a energia para 60 milhões de pessoas ou aproximadamente 18 milhões de residências, que estarão espalhados em 17 Estados.
A obra vai custar mais de R$ 25,8 bilhões - além dos R$ 3,7 bilhões em ações de compensação socioambiental.
São Paulo será o maior consumidor de Belo Monte. Do total gerado pelas águas do rio Xingu, 29,25% serão distribuídos para o Estado.
Desde que começou a construção, muito combatida por ONGs ambientalistas, o discurso da Norte Energia é de que ela tem feito mais do que o necessário para mitigar os impactos na região.
Só na questão indígena, e existem 30 aldeias na área afetada diretamente pelo empreendimento, foram aplicados mais de R$ 260 milhões em ações de saúde, educação, infraestrutura, mobilidade e preservação do patrimônio cultural das aldeias, segundo a empresa.
"Em termos de qualidade de vida, Altamira é outra", diz José de Anchieta dos Santos, diretor da Norte Energia. Segundo ele, todas as obras viárias na cidade estarão prontas até o meio do ano.

FSP, 20/03/2016, Mercado, p. 4

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1751859-belo-monte-vira-re…
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1751958-belo-monte-que-ate…
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1751957-moradores-de-altam…

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