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Belo Monte

O Globo, Economia Verde, p. 22
Autor: VIEIRA, Agostinho
26 de Dez de 2013

Falsa polêmica

Agostinho Vieira

É natural que uma obra do tamanho da usina de Belo Monte, que está sendo construída no Pará, gere controvérsias. Tem sido assim há mais de 30 anos. Já se discutiu o impacto sobre a vida dos índios, o desmatamento, o custo da obra e até se as hidrelétricas são ou não fontes de energia limpa. Entre vídeos de artistas famosos, de universitários e ameaças de morte, sobra uma pergunta: Vai ser bom para os brasileiros?
Se tudo for feito como está programado, combinado, prometido e assinado, a resposta é sim, sem dúvida. E este talvez seja o grande problema do projeto. A falta de credibilidade do governo, que contratou o empreendimento, e dos empresários que estão tocando a obra. Será que tudo acontecerá como previsto? Os erros do passado e as cobranças rigorosas do presente fizeram de Belo Monte uma das iniciativas mais equilibradas do ponto de vista energético e ambiental. A ponto de, curiosamente, os dois lados torcerem o nariz para o resultado final.
Alguns ambientalistas e entidades que representam os índios da região exageram um pouco na avaliação das ameaças. Falam em remoção de tribos e desmatamentos recordes. Se valer o que está escrito, não haverá nem uma coisa nem outra. Dos 503 km² de área inundada, 228 km² já são do próprio leito do rio e está previsto o replantio de 280 km² de Área de Preservação Permanente.
Na verdade, a grande dúvida gira em torno de como ficará a vazão do rio num trecho conhecido como Volta Grande do Xingu. Os índios dizem que ela pode secar e os técnicos do governo garantem que a vazão será maior que a média anual. Segundo eles, a barragem da usina vai regular o volume de água e garantir a pesca e navegação nessa área. Sobre as tribos, há 180 índios que vivem próximos do local. Se fossem removidos, o reservatório da usina seria maior e geraria mais energia ao longo de todo o ano. Isso não vai acontecer.
Alguns especialistas em energia criticam exatamente esse ponto. Argumentam que o país precisa voltar a ter hidrelétricas com reservatórios maiores, que oferecem mais segurança e mais retorno por real investido. Têm razão. Mas aí entra a arte do possível. Entre preservar a floresta, a cultura indígena e gerar mais energia, devemos ficar com todas as alternativas. Buscar o meio do caminho onde todos ganham.
Quase dois terços de todo o potencial hidrelétrico do Brasil ainda estão intocados, e grande parte dele encontra-se na Amazônia. Até 2020 serão 18 usinas, entre planejadas, leiloadas e em fase de conclusão. Todas importantes. Não fazê-las significa abrir mão de uma energia barata e confiável. Sem elas, o país precisará recorrer às termelétricas movidas a gás, óleo ou carvão. Todas mais poluentes e piores, no médio e no longo prazo, para a preservação da floresta e dos índios.
Se todo o potencial hidrelétrico da Amazônia fosse utilizado, o que não deve acontecer, a soma dos reservatórios ocuparia 0,5% da área total. Hoje, as unidades de conservação representam 27% e as terras indígenas chegam a 24%. Portanto, tem espaço para todo mundo. Manter 100% da Amazônia preservada, além de ser um sonho impossível, é uma burrice econômica e uma crueldade social.
É preciso encontrar meios para que os 20 milhões de habitantes da região tenham uma vida digna sem precisar destruir a floresta. E essa é outra vantagem do projeto de Belo Monte, pelo menos do que está no papel. Ele prevê investimentos de R$ 3,2 bilhões em saúde, educação, saneamento e preservação ambiental. Além disso, outros R$ 5 bilhões serão pagos para o estado do Pará e para os municípios da região a título de compensação financeira.
Ganha um copo de açaí com banana quem citar outra cidade brasileira que esteja recebendo tantos recursos no mesmo espaço de tempo. Altamira corre o risco de ter uma cobertura de saneamento melhor que a do Rio e de São Paulo. Aliás, esse modelo de ter um grande empreendimento investindo em serviços básicos poderia virar norma no país. Imaginem os benefícios que isso traria para cidades como Volta Redonda, da CSN, Zona Oeste, da CSA, a região do ABC paulista e tantas outras.
O mais recente debate em Belo Monte gira em torno das condicionantes. As obras da usina estariam andando mais rapidamente do que as compensações ambientais e sociais. Condicionantes são condições, exigências, contrapartidas. Se elas não forem entregues, a usina não entra em funcionamento no início de 2015, como está previsto. Um cenário ruim para os empresários, os moradores e o governo. Ou seja, trata-se de mais uma falsa polêmica.

O Globo, 26/12/2013, Economia Verde, p. 22

http://oglobo.globo.com/blogs/ecoverde/posts/2013/12/26/falsa-polemica-…

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