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Bebês indígenas, grávidas, negros e pobres: o rastro da morte por Covid-19 escancara os vulneráveis

Greenme -https://www.greenme.com.br/viver/costume-e-sociedade/48635-bebes-indigenas-gravidas-negros-
Autor: JULIANE ISLER
12 de Ago de 2020

A morte de mais um bebê indígena, recorde de grávidas mortas e maior porcentagem de mortes entre negros e pobres. Pessoas que entraram para as estatísticas e viraram apenas números, mostram o quão vulneráveis estão em nossa sociedade. Morreram por estarem nessa condição.

O fato de o Brasil ser o segundo país do mundo com mais infecções e mortes causadas pelo coronavírus, infelizmente já não é mais novidade, e nem causa mais indignação ou espanto. Mas essa dura realidade também traz uma triste constatação, a exposição dos vulneráveis.

Bebês e anciões indígenas
Em 21 de maio contamos aqui sobre o falecimento de um bebê indígena de 08 meses, da aldeia Marawãitsédé, no Município de Alto Boa Vista, Mato Grosso, vítima da Covid-19.

Um mês antes, em 30 de abril, falecia o primeiro bebê indígena, uma recém-nascida de apenas 03 dias, da etnia Pipipã que vivia em uma aldeia na zona rural do município de Floresta em Pernambuco, também vítima de Covid-19.

Em 13 de junho, outro bebê indígena, de 45 dias, da aldeia de Kalapalo, no extremo leste do Parque Nacional do Xingu, morreu em Cuiabá, também contaminado com o novo coronavírus.

Semana passada, em 03 de agosto, um bebê indígena da aldeia Xokleng do Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina, infectado pelo coronavírus ainda durante a gestação, nasceu morto entrando para a estatística como a vítima mais jovem do coronavírus no estado.

Líderes indígenas anciãos, também estão sendo vitimados pela Covid-19. Em 05 de agosto faleceu Aritana Yawalapitit, cacique desde os 19 anos, Líder do Alto Xingu, em Goiânia.

Em 18 de junho, noticiamos aqui a morte de mais um líder indígena, Paulinho Payakan, líder Kaiapó, em Araguaia, no Pará.

Negros e pobres
Segundo reportagem do Uol, de acordo com uma Nota Técnica assinada por 14 pesquisadores do NOIS (Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde) da Puc (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro

"mais da metade dos negros que se internaram em hospitais no Brasil para tratar casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), com confirmação de Covid-19, morreu".

Entre os brancos, a taxa de letalidade foi de 37,9%.

O estudo foi baseado nos dados fornecidos pelo Ministério da Saúde.

Segundo Silvio Hamacher, coordenador do NOIS, duas poderiam ser as hipóteses para explicar essa diferença, questões biológicas ou ambientais e socioeconômicas e para ele, essa última, é de longe a explicação mais considerada.

"Nós acreditamos que a segunda hipótese é prevalente, mas as questões biológicas também podem responder por uma parcela do excesso da letalidade de pardos e pretos", afirmou.

Na escala social, os negros estão nos piores indicadores de saúde e escolaridade, por isso representam a parcela mais vulnerável da população.

IDH
A pesquisa também analisou o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e o nível de escolaridade e, como não poderia ser diferente, em cidades onde o IDH é baixo ou médio, as chances de morte pela Covid-19 em hospitais públicos é de 64,3%, enquanto que nos municípios com o IDH mais elevado, esse índice cai para 32,9%.

Escolaridade
A diferença é ainda maior em relação à escolaridade: as chances de morte para uma pessoa sem escolaridade são de 71,3%, quase três vezes maiores, que para pacientes com nível superior 22,5%.

Grávidas
Se em número de mortos e infectados perdemos apenas para os EUA, em número de grávidas mortas estamos no topo do ranking. Oficialmente o país registra 201 mortes de gestantes e mulheres no período pós-parto, das quais a maioria é de mulheres negras.

Novamente, o reflexo da desigualdade no acesso à saúde mostra que o risco de morte é duas vezes maior entre grávidas negras que contraem a infecção da Covid-19.

Os dados foram apresentados pelo Sivep-Gripe (Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe) e foram baseados num estudo feito por enfermeiras e obstetras brasileiras ligadas a 12 universidades e instituições públicas, entre elas Fiocruz, USP, Unicamp, Unesp, UFSCAR, IMIP e UFSC e publicado no início de julho no renomado International Journal of Gynecology and Obstetrics.

O estudo constatou que 8 em cada 10 grávidas e puérperas que morreram até agora de coronavírus, em todo o mundo, eram brasileiras.

Só em termos comparativos, nos EUA, até o dia 28 de julho, foram registrados 35 óbitos maternos dentre mais de 160 mil mortos.

Outro comparativo: enquanto o Brasil tem mais de 200 grávidas mortas pela Covid-19, o resto do mundo somou um total de 160 mortes.

Quilombolas
Entre os quilombolas, outra camada da população em vulnerabilidade, a situação também é alarmante e assustadora.

No início de junho, anunciávamos aqui os três primeiros casos de Covid-19 num quilombo no Brasil. A doença atingia a comunidade quilombola em Oriximiná, no Pará.

Hoje, inacreditavelmente, passados menos de 2 meses, quilombos no Brasil tem mais de 4 mil infectados pelo coronavírus e lamentavelmente, 148 mortos, os dados são da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e foram divulgados na sexta-feira passada, dia 07.

E o que todos esses casos têm em comum?
São todos grupos vulneráveis na hierarquia social e por isso sujeitos aos impactos que a desigualdade traz.

Quando os maiores índices de mortes atinge justamente bebês e indígenas idosos, grávidas, negros e pobres, pessoas com baixa escolaridade, municípios com baixo e médio IDH e quilombolas, escancara-se a desigualdade do enfrentamento ao coronavírus, evidenciando o impacto arrasador para essa camada da população mais vulnerável, chamando a atenção para fatores estruturais que comprovam que os serviços essenciais não são acessíveis para todos e os cadáveres são a prova letal disso.

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