VOLTAR

Bebês deficientes são abandonados

Zero Hora-Porto Alegre-RS
Autor: Carlos Wagner
07 de Jan de 2002

Sobrevive entre algumas famílias caingangues e guaranis o costume milenar de abandonar à própria sorte as crianças que nascem com problemas físicos ou neurológicos.

O assunto é tabu entre as índias.

Médicos e enfermeiras experientes no atendimento de partos de indígenas têm feito um trabalho silencioso com as famílias que conservam esse costume para preservar a vida dos nascidos com problemas.

Esse tipo de morte não chega a chamar a atenção porque se insere em um contexto perverso. As crianças são as primeiras vítimas das doenças trazidas pela desnutrição, causada por problemas - alguns sob investigação de autoridades federais - que impedem que os alimentos cheguem até elas. No ano passado, entre os 45 óbitos entre a faixa etária de zero a cinco anos, há pelo menos cinco casos, a maioria entre caingangues.

- Nasceu um menino com lábio leporino (defeito de formação). Avisei a enfermeira para que monitorasse o caso, porque os pais iriam deixá-lo morrer. Dias depois, o bebê foi trazido de volta em profundo estado de desnutrição - descreveu um médico.

Antigamente, as mães asfixiavam ou emergiam na água os recém-nascidos com problemas. Hoje, como a maioria dos partos em hospitais, essas crianças são levadas para casa com vida. Dias depois, retornam aos hospitais em estado terminal. Nos casos em que os médicos conseguem salvar a vida da criança, ela é abandonada no hospital.

- Conseguimos convencer uma mãe a deixar no hospital uma criança com problemas neurológicos. Ela deixou. Mas avisou que a responsabilidade seria nossa. A família nunca foi visitá-la no hospital, onde ela ainda permanece - diz uma médica.

Há casos entre guaranis e caingangues de a comunidade ter sido convencida por médicos e enfermeiras da Funasa e organizações não-governamentais a proteger as crianças com problemas físicos e neurológicos. Por se tratar de um assunto cultural, nem o cacique ou mesmo um procurador da República, responsável constitucional pelo bem-estar indígena, pode impor a uma família a preservação da vida de um recém-nascido. Só quem pode interferir são os "troncos velhos" - pessoas antigas, consultadas pelos mais jovens sobre os costumes e as leis da aldeia.

Os "troncos velhos" dificilmente depõem contra um costume da tribo. Um deles, um caingangue de 85 anos, disse que há coisas na vida do índio que os brancos não entendem e que não interessa que entendam:

- Não queiram nos ensinar a amar nossos filhos. Já fizemos isso muito antes de vocês tomarem a nossa terra e nossos costumes.

O professor e antropólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) José Capasepto explica que o costume de eliminar os recém-nascidos com problemas integra várias culturas indígenas das Américas. E aparece em alguns povos em outras partes do mundo.

- As pessoas dessas tribos precisavam ter autononia pessoal para desempenhar as suas tarefas na comunidade como caçar, pescar, coletar alimentos e guerrear. Uma pessoa que dependesse de outra para se manter viva quebraria a harmonia do grupo e o exporia aos inimigos. É dentro dessa lógica que os recém-nascidos com problemas são eliminados - explica o professor.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.