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Banidos há 35 anos, índios Xavante devem reaver terras da Fazenda Suiá-Missu (MT)

ISA
Autor: Valéria Macedo
20 de Set de 2000

Reocupação deve ocorrer no início de outubro e pode haver conflito com posseiros.

Depois de um longo e conflituoso processo, está prevista para o início de outubro a reocupação pelos Xavante da Terra Indígena Marãiwatsede, donde foram expulsos em 1966 para a instalação de um projeto agropecuário que resultou na constituição da Fazenda Suiá-Missu, localizada nos municípios de São Felix do Araguaia e Alto Boa Vista (MT). Depois de passar por diversos donos, em 1979 a Suiá-Missu acabou nas mãos da holding italiana ENI (Ente Nazionale Idrocarburi)/Agip Petroli.

Uma Comissão Técnica foi constituída pela Funai (Diário Oficial da União, 30/8/00) para acompanhar, assistir e assentar os cerca de 700 índios Xavante que foram banidos e atualmente encontram-se dispersos nas Aldeias Água Branca (Terra Indígena Pimentel Barbosa), HU UTI (T.I. São Marcos) e São Felipe (T.I. Parabubure). Mas esse não deve ser um retorno pacífico, já que posseiros ocupam a área desde 1992 e recusam-se a sair, alegando que a terra oferecida pelo Incra para reassentá-los possui solo adequado para lavoura mecanizada e não para o cultivo manual. Segundo informa Luis Carlos Cavalcante, coordenador da Comissão Técnica que acompanhará os Xavante, não são os pequenos posseiros, contudo, que oferecem maior resistência, mas aqueles que ocupam grandes áreas de pasto e têm insuflado os demais. Para evitar conflitos durante a volta dos índios, a Comissão será acompanhada por agentes da Polícia Federal.

A ocupação da área pelos posseiros ocorreu por ocasião da Eco-92, quando o presidente da ENI prometeu restituir a terra - que havia sido identificada há pouco como Terra Indígena pela Funai - aos seus antigos donos. Logo depois, centenas de pessoas passaram a invadir a fazenda exatamente na área que havia sido identificada como TI. Os bastidores da invasão tiveram a organização de políticos e fazendeiros locais que queriam impedir o retorno dos Xavante, postura que mantém até hoje.

Anos se passaram enquanto índios e ONGs - CNS (Campagna Nord/Sud) e CTI (Centro de Trabalho Indigenista) - negociavam a transferência da Terra com a holding italiana e sua subsidiária brasileira, Agip do Brasil, que não demonstrou o mesmo interesse da sede em fazer a doação e fez alianças com políticos e grupos econômicos da região. Nesse tempo, cerca de mil famílias de posseiros foram implementando benfeitorias na gleba de Suiá-Missu, que passou a contar com telefonia, serviços públicos, cartórios e secções eleitorais.

Em Decreto de 11/12/1998, o Ministério Público Federal conseguiu a demarcação e homologação das terras para os Xavante. Assim que a Justiça concedeu liminar favorável à desapropriação da área, técnicos da Funai e do Incra fizeram o cadastramento dos posseiros, o levantamento fundiário e das benfeitorias para iniciar o processo de reassentamento das famílias. Esse trabalho foi realizado em meio a conflitos que incluíram a interdição da BR-158 pelos posseiros, os quais até hoje se recusam a deixar o local.

O prazo decretado para a retomada de posse é 31 de dezembro de 2000. Se tudo ocorrer como previsto, ela terá significado histórico, já que o caso da Fazenda Suiá Missu é emblemático de políticas públicas implementadas na ditadura militar, sob a égide do "desenvolvimentismo", pródigo em obras de infraestrutura e projetos agropecuários que extendiam-se por grandes áreas, não raro expulsando e dizimando populações indígenas e tradicionais.

Luis Carlos Cavalcante estima que cerca de 60 Xavante irão para a área no início do próximo mês para construir as aldeias e, no início do próximo ano, o resto da população deverá mudar-se. Mas os índios não encontrarão a mesma Terra. Por enquanto, eles terão que compartilhar 13 mil dos 165 mil hectares de Marãiwatsede com os posseiros, que só podem ser efetivamente retirados mediante decisão judicial do mérito, ainda não deferida.

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