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Bandidagem nos mananciais

OESP, Notas e Informações, p. A3
27 de Set de 2016

Bandidagem nos mananciais

Há mais de 30 anos que o grave problema da ocupação de áreas de proteção dos mananciais, especialmente nas margens das Represas Billings e Guarapiranga, se arrasta sem que as autoridades estaduais e municipais façam o que delas se espera para pôr fim a essa situação, que coloca em risco o abastecimento de água da Grande São Paulo. No máximo, adotam esporadicamente medidas paliativas que não atacam a raiz do problema e, por isso, logo recomeçam as invasões e tudo volta a ser como antes.
Mais uma prova disso é o que mostra reportagem do Estado: em menos de um ano, desde o final de 2015 até agora, 32 novas invasões foram registradas apenas em terrenos de propriedade da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), do governo do Estado, encarregada de gerir recursos energéticos e sistemas hídricos. Com relação ao conjunto daquelas áreas de proteção - que incluem também terrenos públicos e de propriedade de particulares - não há dados disponíveis, mas certamente a situação não deve ser diferente.
Nas margens daquelas duas represas, onde as invasões começaram nos anos 1980, estima-se que existe hoje uma população de cerca de 1,5 milhão de pessoas, que não para de aumentar. Isso dá uma ideia das dimensões do problema. E ele não é mais produto apenas da ação criminosa de grupos que promovem loteamentos clandestinos, com a cumplicidade ou as vistas grossas de políticos. O esquema é bem conhecido: os loteadores incentivam as invasões e depois vendem os terrenos ocupados que não lhes pertencem com a promessa de regularização. Parte esta de que cuidam os políticos, que apresentam o caso como de interesse "social", mas de olho apenas nos votos dos invasores.
Segundo a Promotoria de Justiça e Habitação, lotes chegam a ser vendidos por R$ 18 mil, pagos em prestações mensais de R$ 500. Um negócio altamente lucrativo. Invocando também o "social", passaram a participar das invasões, de forma cada vez mais intensa, os movimentos ditos de sem teto, sabidamente mais preocupados uns com seus objetivos políticos e outros que com eles misturam negócios criminosos, como é o caso do Movimento Sem-Teto de São Paulo (MSTS). Finalmente, até o Primeiro Comando da Capital (PCC) entrou na história.
Exemplo disso é, como comprovam investigações da Polícia e do Ministério Público Estadual (MPE), a ação do dirigente da Associação Minha Casa, Meu Doce Lar, Wanderley Leme Teixeira, conhecido como Manolo, um dos principais grileiros que atuam naquela região. Candidato a vereador em São Paulo pelo PCdoB - quem diria -, ele é suspeito de ter ligações com o PCC. Manolo é citado nas investigações do Departamento de Narcóticos (Denarc) sobre o tráfico de drogas na Cracolândia. Escutas telefônicas de líderes do MSTS, ligados ao PCC, mostram que eles pediam votos para Manolo entre invasores do prédio do Cine Marrocos.
Só o fato de as invasões em larga escala nas margens da Billings e Guarapiranga representarem um risco para o abastecimento de água da Grande São Paulo já bastaria para justificar uma ação dura da Polícia e dos órgãos de fiscalização da Prefeitura e do governo do Estado para pôr fim a essa prática criminosa. Principalmente considerando que o problema se arrasta há décadas. A presença do PCC e de traficantes torna essa providência ainda mais imperiosa e urgente.
Surpreende portanto, à vista disso, que o secretário municipal de Habitação, João Sette Whitaker, mesmo reconhecendo a presença de facções criminosas entre os que promovem invasões, ainda insista em inocentar "movimentos sociais legítimos que buscam áreas vazias em atos de cunho político", cujas invasões devem ser separadas das "promovidas por grupos que pretendem comercializar essas áreas". Na melhor das hipóteses, eles seriam cúmplices, e cumplicidade é crime. Como invasão, qualquer que seja a motivação, também é crime.
Ou se encara assim a ocupação dos mananciais ou ela vai continuar.

OESP, 27/09/2016, Notas e Informações, p. A3

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