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Banco Mundial vai financiar combate à Aids

Gazeta Mercantil-São Paulo-SP
Autor: (Gisele Teixeira
05 de Jun de 2003

Funasa precisa levar em conta hábitos culturais. Os maiores registros da doença estão em zonas de fronteiras. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) está prestes a conseguir um feito inédito - incluir as comunidades indígenas no terceiro convênio firmado pelo Brasil com o Banco Mundial para combater a Aids, previsto para ser assinado ainda este mês.
Serão US$ 2 milhões específicos para tratamento e prevenção da doença nas aldeias, em um prazo de três anos, segundo informações do diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Ricardo Chagas.

Chagas destaca que as doenças sexualmente transmissíveis estão diretamente ligadas ao contato e precisam ser tratadas com cuidado em áreas indígenas principalmente em função das diferenças culturais. "Basta lembrar que a poligamia existe entre alguns povos e que há uma acentuada precocidade da idade gestacional indígena", exemplifica.

O controle nestas comunidades começou a ser feito em 1999, quando foram diagnosticados 115 casos de doenças sexualmente transmissíveis. E de lá até hoje os números aumentaram: 492 em 2000; 1.625 em 2001 e 1.466 em 2002, em um total de 3.698. Chagas explica, no entanto, que esses números não podem ser relacionados somente a novos casos. "Como antes não havia controle, também não havia notificação", comenta. O maior número de casos acontece em zonas de fronteira, como nos distritos do Alto Rio Solimões, Médio Solimões e Porto Velho.

Do total de pessoas doentes , 2.176 foram tratadas e 1929 receberam alta. Outras 1.108 estão sendo monitorados e 33 foram encaminhados para centros de referência.

Com o dinheiro do Banco Mundial, a Funasa quer capacitar os Agentes Indígenas de Saúde para detecção de sintomas e, com isso, diagnosticar os casos.

Reduzir incidência de casos

Os recursos pedagógicos de prevenção vão incluir publicações bilíngües - em português e na língua nativa da etnia -, ilustradas por desenhos feitos pela própria comunidade, a exemplo do que já foi feito com o alcoolismo, no Paraná.

A meta da Funasa é reduzir a incidência de casos em pelo menos 50% e dotar os 34 Distritos Sanitários com esquemas acessíveis de diagnóstico até 2007.

No Paraná, o projeto Vigilância em Saúde (Vigisus) e a Funasa

lançaram na Reserva Indígena do Apucaraninha a cartilha "Gojfá to Veme", que trata do alcoolismo entre os índios. O título kaingáng, traduzido para o português, significa "Falando sobre Bebida", e faz parte do Programa de Atendimento à Comunidade Kaingáng do Apucaraninha, desenvolvido pela Prefeitura de Londrina, por meio das secretarias municipais de Saúde e de Assistência Social.

O levantamento e a organização da cartilha são assinados pela antropóloga Marlene de Oliveira e a publicação é ilustrada pelos próprios indígenas, numa estratégia de prevenção da doença na reserva. O alcoolismo é considerado outro problema muito grave de saúde nas comunidades indígenas e que deve receber atenção especial nesta gestão.

Segundo documentos apresentados no Seminário sobre Alcoolismo e Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST/Aids nas comunidades indígenas, o alcoolismo tem sido considerado uma causa importante da desagregação social, da violência, e dos suicídios, além de ter correlação com outras patologias, como diabetes, desnutrição e hipertensão.

Alcoolismo e diabetes

Ainda não há estudos muito detalhados sobre o tema. Um dos trabalhos significativos nesta área foi realizado em 1997 pelo pesquisador Juberty Antônio de Souza, professor assistente no Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria e mestre em Saúde Coletiva. Souza trabalha com populações indígenas há cerca de 10 anos, analisando o alcoolismo, diabetes e saúde mental. A pesquisa relata o uso de bebidas alcoólicas entre os Kaingáng (do Paraná) e os Terena (do Mato Grosso do Sul).

No Paraná, vivem cerca de 10 mil Kaingáng distribuídos em 17 Terras Indígenas (TI). A pesquisa foi realizada na TI Apucaraninha, na região de Londrina, onde vivem 1,3 mil pessoas. Já o levantamento com os Terena abrangeu dois locais.

O primeiro foi um conjunto de aldeias próximas as cidades de Sidrolândia e Colônia Dois Irmãos do Buriti, onde vivem 1.278 pessoas. O segundo foi a aldeia Tereré, na qual 262 pessoas moram na periferia da cidade de Sidrolândia (MS).

Consumo maior

Entre os Kaingáng foi verificado que aqueles que haviam feito uso de bebidas alcoólicas, nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa, eram 26,8% do total. Em relação ao sexo, as proporções foram de 40,1% entre os homens e 14,2% entre as mulheres. As proporções são bem maiores do que as de consumo de bebidas em populações não indígenas.

No estudo de prevalência realizado entre os Terena foi encontrada uma taxa de 10,1% na população geral. Entretanto, quando considerada a idade acima de 15 anos, a proporção de alcoolistas se elevou para 17,6% na população aldeada e para 19,7% na população vivendo na periferia da cidade de Sidrolândia (MS).

A pesquisa mostra que as populações que estão mais perto das cidades também estão mais propensas ao alcoolismo. O mesmo acontece em outros locais, com outras etnias. Embora não se tenha estudos epidemiológicos, relatos apontam que o problema se repete entre os Guarani no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul, entre os Maxacali no norte de Minas Gerais e ainda entre os povos indígenas do Ceará.

De acordo com o pesquisador, o contato dos povos indígenas com as bebidas alcoólicas é antigo, mas elas eram obtidas através da fermentação de frutas, legumes e/ou raízes (milho, mandioca, etc), e raramente havia descrições do que se chama hoje de dependência.

"Com o contato com os conquistadores, foram introduzidos outros tipos de bebidas, principalmente as bebidas destiladas, com maior teor alcoólico e com o incentivo de uso constante (e não apenas nos rituais) e com isto levando à mudança nos padrões e nos tipos de bebidas", finaliza Juberty.

kicker: O alcoolismo é considerado outro problema grave de saúde entre os indígenas

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