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A Bancada Extrativista

Amazônia.org
Autor: CORREA, Marcos Sa
17 de Out de 2001

A Bancada Extrativista

Data: 17/10/2001
Autor: Marcos Sá Corrêa - No.com

A bancada ruralista não sabe o que está perdendo. Se quisesse, poderia neste momento aliar-se na Amazônia a uma nova seita ambientalista, que pretende dar a tutela da floresta a quem vive de explorá-la. Depois de se arrastar por mais de seis anos, parou no ministério do Meio Ambiente um projeto para cobrar pelo menos 10% da região com novas unidades de conservação.
Parou por que? Não foi por falta de terras, pois só o ministério da Reforma Agrária já presenteou o Ibama 8,5 milhões de hectares e pode dobrar a oferta. Áreas com vocação para virar santuários de fauna e flora há até de sobra. No mapa, estão esboçadas mais de 100. Dinheiro também não é o maior problema, porque dois terços dos gastos seriam bancados por doações internacionais. Difícil, ultimamente, é definir o que vem a ser uma unidade de conservação na Amazônia.
Tramitando por Brasília, o caso que parecia tão simples passou a serpentear como um igarapé. Há, para começar, o ponto-de-vista do Banco Mundial. Para ele, reserva é um lugar onde o homem desiste de atrapalhar a natureza. Nessa definição, através de seu Programa Ambiental Global, o banco aposta 30 milhões de dólares, inspirado no compromisso que o presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu ainda no primeiro mandato de tornar intocável um décimo da Amazônia. E a ONG ambientalista WWF aumentou o cacife das Áreas Protegidas da Região Amazônica, nome oficial do projeto, em mais cinco milhões de dólares.
Mas, atrasa daqui, remancha de lá, o tempo está ficando curto. O governo brasileiro tem agora até o mês que vem para apresentar ao Banco Mundial seu buquê de florestas, se quiser encontrar aberto o processo de aprovação. Em dezembro, o ministro José Sarney Filho deve largar o posto, para pensar em reeleição. E no ano que vem, com calendário gregoriano transformando-se e eleitoral, os políticos brasileiros estarão preocupados demais com a própria sobrevivência para pensar em conservação de floresta.
Com o tempo escoando e tanto recurso em jogo, uma ala do Ministério do Meio Ambiente que entregar logo a proposta. Mas do outro lado, onde fica o Conselho da Amazônia Legal, a secretária Mary Allegretti quer entregar a defesa da floresta amazônica a índios e caboclos, gente que, sem dúvida, sabe usá-la melhor do que os caras-pálidas. Allegretti fala em nome de uma confederação de ONGs que converteu o ambientalismo ao culto antropomórfico das chamadas "populações tradicionais".
Isso quer dizer que elas são capazes de conservar a mata? "Não", garante um especialista no assunto, o professor Marc Dourojeanni. Ele é diretor geral de florestas e fauna do Peru e assessor do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento para meio ambiente, que já gastou 67 milhões de dólares em projetos no Brasil e desconfia dos resultados, exatamente porque as reservas são cada vez mais sociais e menos naturais. Segundo Dourojeanni, "os índios caçam e pescam para comer e para vender, capturam de preferência as espécies em extinção, pois elas valem mais. Cortam árvores para vender madeira ou vendem madeira em pé, em conluio com os extratores ilegais. Fazem agricultura e muitos deles têm gado. E fazem acordos ilegais com os garimpeiros para explorar seus recursos minerais". Nas mãos de seus habitantes originais, por exemplo, o parque do Araguaia virou pasto.
Foi assim que 11 parques nacionais - dos poucos que o Brasil implantar em 2% do território nacional - acabaram invadidos por índios, inclusive os pataxós do Monte Pascoal. E, à medida que se arrasta a conversa sobre a preservação da Amazônia, as futuras unidades do Ibama na região se povoam antes de serem criados. Há reservas, conta Dourojeanni, "onde não havia população ou apenas se sabia da existência de um ou dois grupos, mas passaram a ter vários grupos e até tribos diferentes" assim que correu a história de sua decretação.
Não é preciso fazer muita conta para adivinhar quem tende a perder esta briga. O extrativismo já tem cerca de 9% da região. As áreas indígenas, pelo menos no papel, são donas de 28%. E as reservas legais até agora se espremem 3%. Pelas conversas deste mês no Ministério do Meio Ambiente, na melhor das hipóteses, pelo menos a metade das próximas unidades de conservação da Amazônia serão entregues à guarda de seus moradores. Isso, evidentemente, se o Banco Mundial e o WWF concordarem em pagar 35 milhões de dólares por metade da encomenda. Se os militantes dessa causa forem capazes de emplacar tão bom negócio, a bancada ruralista deveria adotá-los como instrutores de manejo florestal.
com Tito Montenegro
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Amazônia.org, 17/10/2001

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