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A baía do descaso

O Globo, Rio, p. 14
01 de Mar de 2015

A baía do descaso
Despejo de metais pesados, pesca predatória e falta de fiscalização são rotina em Sepetiba

Emanuel Alencar

Um grupo de camarões graúdos pula sobre as águas turvas da Baía de Sepetiba, nas proximidades da Restinga de Marambaia. Ao lado, uma corvina risca o espelho d'água. Acompanhando tudo de um barco movido a um motor frágil, o pescador Paulo Eduardo Sampaio abre um sorriso. Há meio século, ele tem acompanhado aquela vida marinha de perto. E, nos últimos anos, vem colecionando motivos de aborrecimento. Se a produção de peixes, camarões e mexilhões supera os índices da Baía de Guanabara, o cenário já foi bem melhor no passado.
Os cerca de 15 mil pescadores de Sepetiba são sobreviventes. Ausência total de fiscalização por parte do poder público, acúmulo de metais pesados e a pesca predatória formam o tripé insustentável da quinta maior baía brasileira.
- A pesca predatória e a poluição são os nossos maiores inimigos - diz Paulo, que preside a Associação de Pescadores Artesanais de Sepetiba.
Longe dos holofotes dos Jogos Olímpicos do ano que vem e encravada numa região com 450 indústrias - incluindo atividades siderúrgicas de alto impacto -, a Baía de Sepetiba ainda sofre com um passado de agressões ao meio ambiente. Estudos recentes do oceanógrafo e professor da UFF Julio Cesar Wasserman apontam para concentrações intoleráveis de metais pesados nos sedimentos da baía.
Em alguns pontos, foram detectados quatro mil ppm (partes por milhão) de zinco - composto que, em níveis muito elevados, está associado a aterosclerose e insuficiência cardíaca -, quando o limite seguro é de 50 ppm. Em outras áreas, as concentrações de cádmio, metal pesado de alta toxicidade, preocupam: foram registrados até oito ppm, quando uma resolução federal estabelece o máximo de 0,2 ppm.

Botos-cinza ainda são vistos com facilidade
Órgão público nenhum foi capaz de garantir, até hoje, que a vida aquática da baía está livre dos poluentes. Tudo indica que o consumo dos peixes é seguro, afirma o presidente da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio (Fiperj), Essiomar Gomes da Silva. Estudos conclusivos, no entanto, só devem sair em 2016.
- Não temos nenhum indício até hoje que demonstre risco. Mas estamos fazendo, junto com a Embrapa, um estudo mais profundo. As empresas do entorno da Baía de Sepetiba têm que investir mais em meio ambiente. O polo industrial tem que existir, mas a pesca também - diz.
Conciliar os múltiplos usos de uma baía com 536 quilômetros quadrados é um desafio não superado. As políticas públicas desenvolvidas até hoje para aquele ecossistema foram insuficientes para harmonizar pesca artesanal e atividade industrial. Na avaliação do biólogo Marcos Abreu, diretor do Consórcio Sepetiba Viva, criado para discutir soluções para a pesca na área, falta um mínimo de ordenamento.
- O crescimento das indústrias aumentou as áreas de exclusão de pesca. E Sepetiba é uma baía com enorme produção pesqueira. Não faltam tainhas, paratis (espécies de peixes) e camarões.
No meio da confusão está uma espécie de golfinho. Cada vez mais raro na Guanabara, o boto-cinza (Sotalia guianensis), uma das dez espécies mais ameaçadas do estado, é figurinha bastante comum na Baía de Sepetiba. Segundo o biólogo e pesquisador Leonardo Flach, fundador do Instituto Boto Cinza, nada menos que 900 espécimes ainda vivem nas águas da Zona Oeste, além de Itaguaí e Mangaratiba, na Costa Verde.
- Sepetiba hoje é o espelho da Baía de Guanabara da década de 1970. Se nada for feito, a degradação vai fazer com que os botos desapareçam. Somente no ano passado, nós recolhemos 64 mortos. Os governos não fiscalizam, e não há sequer estatística pesqueira - lamenta. - A pesca predatória é a maior vilã. Muitas embarcações jogam enormes redes, os golfinhos acabam ficando presos e não resistem. É o que chamamos de captura acidental. O pescador artesanal é vítima dessa rotina. Acaba disputando o mesmo espaço de caça do boto.
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A instalação do Arco Metropolitano abrirá novas janelas de oportunidades para indústrias, pressionando ainda mais a Baía de Sepetiba, que, distante 59 quilômetros do Centro, não recebeu projetos de despoluição nos últimos anos, enquanto a "prima" Guanabara foi agraciada com bilhões de reais. A facilidade de escoamento e a ligação com importantes portos em construção no estado são predicados de uma região que padece de problemas de saneamento. A concessionária Foz Águas 5, responsável pela coleta e pelo tratamento de esgoto de 21 bairros da Zona Oeste (AP-5) desde 2012, informa que é de 12,57% o percentual de dejetos tratados nas bacias que escoam para a Baía de Sepetiba.

Poucas obras de saneamento na região
A previsão é que obras de ampliação do sistema de esgotamento sanitário comecem apenas em 2018. Atualmente, acrescenta a empresa, os trabalhos estão concentrados nas bacias de Marangá e Sarapuí, que desembocam na Baía de Guanabara.
Por enquanto, obras de saneamento na Zona Oeste são pontuais. Nas praias de Sepetiba, não faltam placas indicando intervenções do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Na última quarta-feira, operários trabalhavam ao lado de um enorme valão de esgoto na Rua Doutor Ari Chagas, uma das principais do bairro. Orçadas em R$ 9,48 milhões, as obras começaram há um ano, pararam no período eleitoral, e há poucos meses foram reiniciadas. Os recursos são de compensações ambientais da Companhia Docas (Porto de Itaguaí). De acordo com o Inea, o serviço tem conclusão prevista para o segundo semestre deste ano.

O Globo, 01/03/2015, Rio, p. 14

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