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Aventura nos trópicos

O Globo, Ciência, p. 39
10 de Abr de 2010

Aventura nos trópicos
Exposição traz trabalhos inéditos no Brasil da expedição de naturalistas liderada por Langsdorff no século XIX

Gilberto Scofield Jr.

As expedições estrangeiras que aportavam em terras brasileiras desde o descobrimento nunca foram exatamente uma novidade, mas sempre foram celebradas pelos historiadores.

Afinal, foram graças a estas missões - integradas por cartógrafos, artistas, cientistas, antropólogos, entre outros pesquisadores estrangeiros - que temos hoje boa parte das imagens e dos estudos de costumes de nossas origens como colônia, império e jovem república. Uma dessas preciosidades," A Expedição Langsdorff", está em exibição no Centro Cultural do Banco do Brasil de São Paulo e chega ao Rio em agosto.
Um desejo do czar
Entre 1821 e 1829, como parte de um esforço do czar Alexandre I para estimular as relações entre a Rússia e o Brasil (no início colônia e logo depois independente), ainda isolado do resto do mundo, uma expedição de cerca de 40 pessoas comandada pelo barão alemão naturalizado russo Georg Heinrich von Langsdorff viajou 17 mil quilômetros pelas então províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Pará.

- Esta foi a primeira e maior expedição de cientistas e artistas russos ao Brasil, um esforço acalentado com tanto interesse pelo czarismo russo e por D. Pedro I que o custo da expedição chegou a atingir o equivalente hoje a US$ 10 milhões, o que, naquela época, equivalia a dois anos de orçamento da Academia de Ciências da Rússia - conta um dos curadores da exibição, Rodolfo de Atahyde. - Foram produzidos 380 trabalhos e decidimos trazer ao Brasil os 120 mais expressivos, incluindo 36 mapas elaborados pelo cartógrafo Néster Gavrílovitch Rubtsov, cujas imagens do Brasil Império, feitas já em 1822, são tão próximas da realidade que decidimos compará-las às mesmas imagens recolhidas por satélite através do Google Earth. São todas obras inéditas no Brasil.

A missão tinha como objetivo oficial promover descobertas científicas, mapeamento, realização de estatísticas, inventários de costumes e - para justificar a injeção de dinheiro czarista - o estudo de produtos desconhecidos no comércio.

Segundo Athayde, a despeito da falta de costume dos pesquisadores russos com o clima e as doenças tropicais, a expedição produziu mais de duas mil páginas de manuscritos, registros cartográficos, desenhos e aquarelas, elaboradas por artistas como o alemão Johan Moritz Rugendas e os franceses Aimé-Adrien Taunay e Hercules Florence.

- No final da viagem, Langsdorff adquiriu uma virose, que se acreditava ser um "mal tropical", e perdeu a consciência. A sua doença, somada ao fato de que a Rússia demorou a estreitar relações com o Brasil independente, acabaram levando este material a desaparecer nos porões do Museu do Jardim Botânico de São Peterburgo, onde sobreviveu às guerras mundiais, à Revolução Russa, ao stalinismo e todas as fases do comunismo soviético.
Trinta anos de preparativos
Em 1930, o material foi redescoberto por pesquisadores russos, que iniciaram a tradução de anotações, além da catalogação no Arquivo da Academia de Ciências de São Petersburgo, no Museu de Antropologia de São Petersburgo e no Arquivo da Academia Naval Russa.

- Há 30 anos, o historiador Boris Komissarov, profundo conhecedor da cultura brasileira, começou a reunir os trabalhos pensando justamente numa exposição sobre a expedição e na divulgação desta aventura brasileira do império czarista, da qual quase nada se sabia - diz Athayde.

A exposição inclui cenários do interior brasileiro pintados por Rugendas, as vestimentas dos moradores paulistanos, descritas com vivacidade por Taunay, bem como um rio Cubatão límpido. No Rio, Rugendas pintou o morro do Corcovado sem o Cristo, sem falar na rica flora e fauna na região de Mato Grosso, revelada por Florence, e do Pará, além dos índios da região, como fez Florence no Tapajós.

Figuras de destaque

Barão Georg Heirich Langsdorff: Nasceu na Alemanha em 1774. Em 1802, participou de uma expedição russa ao redor do globo que o trouxe pela primeira vez ao Brasil. Naturalizado russo, foi escolhido pelo czar Alexandre I, cônsulgeral da Rússia no Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1813.
Morreu na Alemanha, em 1852, por conta de uma doença adquirida no Pará.

Aimé-Adrien Taunay: Parisiense, nasceu em 1804 e chegou ao Brasil com 15 anos acompanhando o pai, Nicolas Antoine Taunay, da missão francesa. Morreu tragicamente, aos 25 anos, afogado numa tentativa de cruzar a nado o rio Guaporé.

Hercules Florence: Nascido em Nice em 1804, imigrou para o Rio de Janeiro em 1824 e, no ano seguinte, se candidatou a segundo-desenhista da expedição Langsdorff.
Após a morte de Taunay, Florence se tornou o principal artista até o fim da viagem. Seus trabalhos com os índios da região amazônica são uma referência no estudo antropológico brasileiro até hoje.

O Globo, 10/04/2010, Ciência, p. 39

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