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Aval a parque trará lucro a construtoras

FSP, Cotidiano, p. B6
30 de Jul de 2017

Aval a parque trará lucro a construtoras

GIBA BERGAMIM JR.
DE SÃO PAULO

De um lado, um negócio altamente lucrativo para as construtoras, que herdarão um terreno numa área estratégica da cidade. De outro, a chance de a região central se livrar de um pepino do ponto de vista urbanístico e ainda receber um parque público.
Assim arquitetos e integrantes de comissões de urbanismo no Legislativo avaliam a decisão da gestão João Doria (PSDB) de trocar a área do parque Augusta, cujas donas são as gigantes do mercado imobiliário Cyrela e Setin, por uma área municipal em frente à marginal Pinheiros, na zona oeste da cidade. Um acordo deve ser anunciado ainda no final desta semana.
Doria aposta na parceria com as empresas -com quem tem estreita relação para dar fim ao impasse em torno da área verde. A gestão acredita que herdará um espaço de 24 mil m² avaliado em R$ 120 milhões e contrapartidas à cidade oferecidas pelas empresas que somam R$ 30 milhões.
No entanto, entregará a elas área de 18 mil m² considerada uma pedra preciosa da cidade e cujo valor exato é uma incógnita -mas superior ao do parque, dizem especialistas.
O Ministério Público Estadual, que acompanha a negociação, terá acesso ao acordo nesta semana.
Segundo as regras de uso e ocupação do solo, os dois terrenos estão em áreas muito valorizadas. O da Augusta faz parte da Operação Urbana Centro, e o da marginal, da Operação Urbana Faria Lima. Na teoria, ambas têm alto potencial de construção.
Na prática, porém, a coisa muda: a área verde da rua Augusta é alvo de ação judicial que minou planos das empreiteiras de construir torres ali, após protestos em série feitos por entidades que exigem a manutenção da área verde desde a década de 1970.
Já a "pérola da marginal" está numa área nobre, cercada de estações de metrô e trem na zona oeste, com espaço a ser ocupado.
Professor do curso de arquitetura e urbanismo do Mackenzie, Valter Caldana diz que a negociação é inviável. "Considero essa permuta uma tragédia. A cidade entregará a joia da coroa em troca de uma bijuteria", disse.
Para ele, a área oferecida -onde hoje está a prefeitura regional de Pinheiros- é fundamental para um projeto de crescimento urbano nas marginais. "Não se trata de calcular preços de mercado dos terrenos e trocar um pelo outro. Reduzir essa operação a preço e não a valor estratégico é um erro", disse Caldana.
O pior, segundo ele, é a inexistência de um PIU (Projeto de Intervenção Urbana), que inseriria o terreno num programa urbanístico específico para a região. Sem isso, as donas podem usar a área da maneira que quiserem, com empreendimentos desconectados dos planos de desenvolvimento -que poderiam mesclar prédios de alto padrão, mas também habitação de interesse social, por exemplo.

Prós e contras do acordo
Prós
- Centro de São Paulo ganhará? o parque Augusta
- Empresas terão que instalar e manter o parque e fazer a manutenção?da praça? Victor Civita
- Empresas farão sub-prefeitura de Pinheiros, um centro para moradores de rua, uma creche e um bulevar do parque à praça Roosevelt
- Problema de subutilização da área em Pinheiros será resolvido
- Terá fim um impasse que dura 40 anos e impede o uso público do terreno
Contras
- Prefeitura entregará área de maior valor para receber terreno considerado "um mico" no mercado imobiliário
- Não há projeto de intervenção urbana para a região do terreno, ou seja, empresas podem construir sem limites
- Município abrirá mão de terreno num momento em que há dificuldades para obter áreas para equipamentos públicos
- Negociação não foi submetida?a consulta pública
- Especialistas dizem que faltam detalhes de onde e como empresas vão realizar as contrapartidas
Urbanistas ainda questionam porque a prefeitura está cedendo uma área específica quando poderia oferecer opções de potencial construtivo em regiões consideradas pela própria gestão Doria como prioritárias para desenvolvimento urbano: o arco Jurubatuba (zona sul) e as imediações da cracolândia (centro).
Para o arquiteto Kazuo Nakano, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a prefeitura abre mão de um terreno estratégico num momento em que a cidade carece de áreas públicas para construção de equipamentos públicos como creches, por exemplo. "A prefeitura não pode se dar esse luxo", diz.
Nakano também critica, ao menos por ora, a falta de detalhamento das contrapartidas a serem entregues pelas donas da área. A previsão é que, além do parque Augusta e da reforma de uma praça na zona oeste, as empresas construam a nova sede da regional de Pinheiros, uma creche e um centro de atendimento para moradores de rua. "Onde e em que circunstâncias? Faltaram consulta pública e uma pré-avaliação desse contrato."
Integrantes do Legislativo dizem que, mesmo diante da atual ociosidade do terreno da marginal, a gestão não pode fazer uma troca sem que lucre alto com isso. "Os donos podem ganhar dinheiro com o negócio, mas a cidade tem que ganhar mais", diz o vereador José Police Neto (PSD), que presidiu a comissão de Política Urbana da Câmara.
Relator da lei de zoneamento vigente, o vereador Paulo Frange (PTB) afirma que o lado bom da negociação está na possibilidade de o centro ganhar definitivamente uma área permeável.
Ele diz, porém, que a avaliação atual do parque Augusta, em R$ 120 milhões, é baseada em cálculos de 2013, quando o mercado assistia à supervalorização de terrenos. "As duas áreas perderam valor de lá para cá", comenta. O negócio só irá adiante se a Câmara aprová-lo. Doria tem conseguido maioria nas principais votações da Casa.
CRÍTICAS INFUNDADAS
O secretário municipal de Justiça, Anderson Pomini, disse que o acordo para a troca de terrenos será transparente e que as críticas não têm fundamento. Segundo ele, a avaliação dos dois terrenos será feita por quatro peritos (da prefeitura, Promotoria, Justiça e das duas empresas).
"Os peritos vão levar em consideração todos os fatores, incluindo o potencial construtivo de cada um [dos terrenos]. Há muita crítica infundada", afirmou o secretário.
Sobre a acusação de falta de transparência, Pomini responde que a Câmara Municipal fará audiências públicas.
Sem o aval do Legislativo, o acordo não pode ser firmado. "No momento adequado, a Câmara vai fazer a discussão, e o acordo será esmiuçado", disse. Procuradas, as construtoras Cyrela e Setin não se pronunciaram.

A HISTÓRIA DO TERRENO
1902 - Palacete Uchoa é construído onde hoje é o terreno do parque
1907 a 1967 - Tradicional colégio feminino Des Oiseaux funciona no local
1970 - Prefeitura decreta utilidade pública do espaço para fazer um jardim
1973 - Decreto é revertido pelos proprietários, que anunciam a construção de um hotel
1974 - Palacete é demolido; sobra apenas uma casa, hoje tombada
1977 - Construtora Teijin compra o terreno para fazer um complexo hoteleiro, mas projeto naufraga
Anos 80 - Uma lona circense no local abriga o Projeto SP, com shows e atividades
1989 - Decreto de Jânio Quadros obriga a manutenção da área aberta
1996 - O ex-banqueiro do BCN Armando Conde adquire o terreno da Teijin
2004 - Bosque que existe no local é tombado
2006 - Conde anuncia hipermercado, e embate com moradores começa. Ele desiste e decide construir 3 torres comerciais, mas projeto também é rejeitado
2008 - Prefeito Kassab (PSD) decreta utilidade pública do local novamente
2011 - Câmara aprova em 1ª votação criação de parque
2012 - Empresas Setin e Cyrela apresentam seu projeto para a área, com construção de torres
2013 - Decreto de utilidade pública caduca, Cyrela e Setin formalizam compra do terreno, e portões são fechados ao público. Haddad (PT) sanciona lei autorizando a criação do parque
2014 - Em janeiro, Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirma que não tem verba para bancar a construção
2015 - Cerca de 300 ativistas ocupam o terreno por dois meses, enquanto conselho municipal aprova projeto de construtoras para empreendimento. Em abril, Justiça concede liminar para abertura do portão
Abr.2016 - Ação do Ministério Público contra construtoras pede devolução da área e indenização por danos morais coletivos
Out.2016 - Durante a campanha eleitoral, Doria diz ao "Estado de S. Paulo" que parque não sairia do papel: "A prefeitura não vai gastar dinheiro público nisso"
Abr.2017 - Doria anuncia que vai oferecer terrenos públicos às empreiteiras em troca da área do parque
4.ago.2017 - Prefeitura e construtoras devem anunciar acordo

FSP, 30/07/2017, Cotidiano, p. B6

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/07/1905574-acordo-de-doria-…

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