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Autoextermínio ainda assombra as aldeias indígenas no MS

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23 de Jan de 2009

Parece notícia repetida, velha, copiada de edições anteriores, mas na noite desta quarta-feira, 21 de janeiro de 2009, uma índia guarani kaiowá foi achada morta enforcada numa aldeia de Amambai, cidade sul-mato-grossense situada aos arredores da fronteira com o Paraguai, a uns 340 quilômetros da capital Campo Grande. Ela tinha 55 anos de idade, era avó. De janeiro a dezembro de 2008, 34 índios mataram-se de modo igual, isto é, uma média de três mortes a cada mês, volume que supera em 50 por cento os casos registrados em 2007, quando foram anotados 22 suicídios nas aldeias indígenas de MS. Esses números saíram dos estudos do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), órgão que defende as causas indígenas. Se acrescidos os assassinatos ocorridos nas aldeias, 74 índios morreram vítimas da violência no ano
passado, uma média de uma tragédia a cada semana. Boletim registrado pela Polícia Civil de Amambai narra que Narcisa Nunes amarrou uma corda no pescoço e pendurou-se num dos cômodos da casa onde morava com o filho, a nora e dois netos já adolescentes. Ninguém da família soube informar o motivo da ação. Um dos parentes seu tentou salvá-la
cortando com uma faca a corda que prendia a índia num caibro que sustentava o telhado da casa, mas a kaiowá de 55 anos de idade já havia morrido. Ao menos 1.100 índios moram perto do local da tragédia, conhecida como aldeia Limão Verde, a 5 quilômetros da cidade de Amambai. Na anotação policial, não consta declaração da família da
vítima indicando a suposta causa do enforcamento. A assistente social Rosany Dias Ferras Dacome, que trabalha em aldeias indígenas de Caarapó, cidade próxima a Amambai, disse que dificilmente as famílias comentam sobre os suicídios. "Eles [parentes das vítmas] não têm respostas certas, fogem do assunto", conta ela. Problema antigo Mortes por suicídio entre os índios kaiowás que habitam as aldeias em Mato Grosso do Sul é noticiada com frequência desde 1980, há quase três décadas. De lá para cá, estudiosos desenvolveram teses, caminharam nos locais, conversaram com os
índios, mas o desfecho de seus trabalhos ainda não indica a real causa das mortes. Em 1995, ano em que 55 índios se mataram na região sul do Estado, onde vivem hoje cerca de 40 mil dos 60 mil índios que habitam o Estado, o caso passou a ser tratado pela imprensa como uma espécie de epidemia. Nos países europeus onde ocorrem muitos suicídios os governos cuidam do assunto como problema de saúde pública. As causas dos suicídios que assombram as aldeias indígenas em MS seriam para alguns estudiosos motivados pela falta de terra, influência da cultura branca, alcoolismo ou ainda fruto de feitiçaria. Em outubro de 1995, o jornal o Estado de São Paulo publicou extensa reportagem sobre o assunto e uma opinião que ainda hoje é debatida como causa das mortes nas aldeias saiu do depoimento do então
professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas, Ademir Ramos. Note o que ele disse 14 anos atrás: "Todos os povos que perdem a perspectiva de amanhã buscam o próprio fim. Seja por motivos materiais, como no caso dos guaranis e dos kaiowás, que ainda não conseguiram a demarcação de suas terras e vivem em condições de extrema pobreza, como em outros casos, em que os índios têm o território, mas são dependentes economicamente da sociedade regional". Ainda na antiga reportagem, o professor defendeu que o
suicídio não é um fenômeno natural, e sim produto do contato de índios com brancos. Segue o antropólogo com sua teoria bem viva nos dias de hoje: "Não adianta demarcar terras indígenas e esquecer que os índios precisam de uma política econômica para se desenvolver. Tem também de ser levada em conta a presença dos brancos dentro da
aldeia, que pode causar uma confusão de identidade étnica."

Casos

Três tragédias, duas delas ocorridas na cidade de Paranhos e outra em Caarapó confirmam o ponto de vista do antropólogo. Em 1994, por exemplo, o pai e a filha de 9 nove anos saíram da aldeia de bicicleta rumo ao centro da cidade de Caarapó. A indiazinha kaiowá viu uma bicicleta pequena na vitrine de uma loja e quis para ela. O pai disse que não tinha dinheiro e os dois retornaram para a tribo. Isso era de manhã. À tarde a menininha fora achada morta com uma corda no pescoço, suicídio, presumiu o pai. Em fevereiro do ano passado, uma tragédia arruinou uma família guarani de Paranhos, cidade sul-mato-grossense na fronteira com o Paraguai. Pai e filho se mataram na aldeia Protero Guassu [lugar grande] por motivo banal. O guarani Ronei Benites, de 14 anos de idade, quis comprar material para encapar
um de seus cadernos, mas a família não tinha dinheiro. Ele pegou a arma do pai, Cecílio, de 35 anos, e matou-se com um tiro na barriga. O pai viu a cena, pôs uma munição na espingarda e atirou na altura do pescoço, caindo morto ao lado filho. Cecílio era pai de outros filhos com idades de 12, 9, 6, 5, 3 e 1 ano. Detalhe: Ronei, o garoto, antes
estudava na aldeia e não precisava de enfeitar o caderno. Ele fora estudar na cidade e, no primeiro dia da aula, a professora exigiu o material encapado. Hoje, a Funai (Fundação Nacional do Índio) desenvolve um projeto em Mato Grosso do Sul que prevê a demarcação de terras indígenas. A pesquisa já provocou ira nos produtores rurais, amparados por discursos de políticos regionais em Brasília. O trabalho ainda não acabou e não se sabe o
tamanho da terra indígena.

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