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Auditoria usada por Salles para criticar Fundo Amazônia foi rejeitada pelo Parlamento da Noruega

OESP - https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral
27 de Out de 2020

Auditoria usada por Salles para criticar Fundo Amazônia foi rejeitada pelo Parlamento da Noruega
Relatório feito por auditoria norueguesa com supostas irregularidades do fundo foi rejeitado pelo Parlamento do país, que aprovou as contas; documento é usado por Salles como indicativo de problemas

Vinicius Neder, O Estado de S.Paulo

RIO - Um relatório do Escritório do Auditor Geral da Noruega, de 2018, citado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) para criticar o Fundo Amazônia por supostas irregularidades e pouca eficácia, foi criticado pelo próprio parlamento norueguês. A decisão final sobre a auditoria foi do Comitê de Controle e Constituição do Storting, como é conhecido o legislativo do país escandinavo. Parlamentares da comissão colheram explicações do Ministério do Clima e do Meio Ambiente da Noruega e vieram ao Brasil. Depois, aprovaram algumas recomendações, mas sem endossar as conclusões da auditoria.
Formado em 2008 com doações da Noruega (R$ 3,2 bilhões) e da Alemanha (R$ 200 milhões), o Fundo Amazônia tem como objetivo financiar projetos para reduzir o desmatamento. Mas teve os últimos aprovados em 2018. No ano passado, o MMA, por decisão do ministro Ricardo Salles, resolveu mudar as regras de governança do fundo. Gerou assim um impasse com os países doadores. Com isso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), administrador do fundo, congelou a análise de 40 projetos. Ao todo, R$ 1,409 bilhão está parado.
O Fundo Amazônia é uma iniciativa pioneira de REDD+. Esse instrumento, aprovado pela Convenção do Clima da ONU (UNFCCC, na sigla em inglês) em 2007, tem como meta recompensar financeiramente países em desenvolvimento pela redução de emissões de gases do efeito estufa associadas ao desmatamento. Até 2018, 103 projetos, somando R$ 1,860 bilhão, foram aprovados pelo BNDES. Dessa quantia, R$ 1,205 bilhão foi desembolsado de 2015 até o primeiro semestre deste ano. A liberação para projetos que já estavam em curso não foi atingida pelo impasse.
Supostas irregularidades no Fundo Amazônia
O caso foi discutido em duas audiências públicas, na sexta-feira, 23, e na segunda-feira, 26, no Supremo Tribunal Federal (STF), como parte de uma ação judicial que questiona a paralisia do fundo. Na primeira audiência, Salles voltou a citar supostos problemas nas prestações de contas dos projetos apoiados como justificativa para mudar a governança. Na ação judicial, o MMA alega que não é responsável pela paralisia do fundo e reconhece a sua relevância. Reforça, contudo, o discurso de que há indícios de irregularidades.
O ministro brasileiro levantou suspeitas pela primeira vez em 2019. Foi quando apresentou dados de uma fiscalização sobre alguns dos projetos que receberam doações. A ação de Salles provocou afastamentos de funcionários no BNDES e foi vista por técnicos do banco como ingerência política.
Na resposta aos questionamentos da ministra Rosa Weber, relatora da ação no STF, o MMA cita uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), de 2018. O trabalho afirma que "não obstante a conclusão se referir a uma 'satisfatória execução'", encontrou diversas falhas na execução dos contratos e deficiências na execução física. Depois da auditoria de 2018, o TCU abriu mais uma inspeção sobre o Fundo Amazônia, que está em curso.
Além disso, a petição do MMA na ação no STF argumenta que a pasta comandada por Salles não foi o único órgão a apontar inconsistências na governança do Fundo Amazônia. É nesse ponto que o ministério recorre à auditoria feita pelo órgão norueguês. Destaca que a suposta "necessidade de mudança na estrutura organizacional do fundo decorre de irregularidades apontadas pela auditoria realizada pelo Escritório do Auditor Geral da Noruega".
O órgão, análogo ao TCU brasileiro, se debruçou sobre todas as iniciativas de REDD+ apoiadas pela Noruega. Incluiu no estudo países como Colômbia, Etiópia, Congo e Indonésia, além do Brasil. O relatório de 2018 afirma, entre conclusões e recomendações, que os resultados estão atrasados e são incertos. Diz ainda que a ação da Noruega não gerou tantas doações de outros países. E reclama que o Ministério do Clima e Meio Ambiente norueguês é pouco sistemático para obter informações sobre os resultados e no acompanhamento do risco de fraudes.
Em relação ao Brasil, principal beneficiário das doações, o relatório indica que o desmatamento anual da Amazônia caiu entre 2004 e 2008, mas que, nos anos seguintes, se manteve em ritmo mais ou menos constante. Esse ponto já seria contestável, porque o desmatamento na região continuou com quedas expressivas até 2012, quando chegou ao menor valor da série histórica, de acordo com o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De 2004, quando atingiu o valor chegou ao pico, a 2012, a queda foi de mais de 80%.
O documento da auditoria observa ainda que as autoridades brasileiras e norueguesas reconhecem que "o Brasil precisa de novas iniciativas para reduzir o desflorestamento ainda mais". De fato, a partir de 2012, a taxa começou a flutuar para cima, não sendo mais contida apenas com medidas de comando e controle. O texto é de 2018, portanto, antes do avanço recente do desmatamento ocorrido em 2019 e 2020, já na gestão Bolsonaro.
Após o relatório do Gabinete do Auditor Geral da Noruega sobre todas as doações via REDD+, o Ministério do Clima e do Meio Ambiente respondeu que levaria as recomendações em conta para aprimorar essa política. Defendeu, porém, a eficácia do instrumento para reduzir as emissões globais de gases do efeito-estufa. São elas que provocam as mudanças climáticas.
No Brasil, a principal fonte de emissão desses gases historicamente foi o desmatamento e a queda observada entre 2004 e 2012 sempre foi usado pelo País como argumento para cobrar de outras nações um posicionamento mais efetivo contra o aquecimento global. Segundo o ministério norueguês,"os avanços no Brasil mostram que REDD+ funciona".
Em setembro de 2018, parlamentares do Comitê de Controle e Constituição do Storting visitaram o Brasil. Estiveram com autoridades em Brasília, no Rio (sede do BNDES) e no Pará, para conhecer dois projetos de desenvolvimento sustentável apoiados pelo Fundo Amazônia. Depois, aprovaram uma "recomendação" em novembro de 2018. No documento, ponderam que "dentro do programa REDD+ existem medidas que têm um efeito particularmente bom e outras medidas que têm menos efeito". Também criticaram o relatório de auditoria.
"O comitê, tanto por meio do relatório quanto por meio de sua experiência no Brasil em setembro de 2018, olhou mais de perto o investimento feito por meio do programa REDD+ e gostaria de enfatizar que pode haver partes do relatório que poderiam ser um pouco diferentes se o próprio Gabinete do Auditor Geral tivesse saído em campo", diz o texto, disponível na internet.
No geral, a recomendação defende as doações via REDD+ por iniciativa do governo norueguês. Reconhece, porém, que os avanços na contenção do desmatamento em países emergentes podem realmente ser lentos. O documento afirma ainda que seria melhor se outros países também se engajassem nas doações.
"É importante que os recursos sejam usados corretamente e não conflitem com os objetivos de combate à pobreza, (garantia dos) direitos dos povos indígenas e conservação da floresta natural. A comissão assume, portanto, que o Ministério do Clima e do Meio Ambiente apresentará mais medidas na gestão dos fundos noruegueses", continua a recomendação.
O documento é assinado por todos os integrantes do comitê, de diversos partidos. A lista de assinaturas inclui até a de Carl I. Hagen, do Partido do Progresso, um negacionista do aquecimento global. Ele fez questão de registrar, porém, que discordava da visão de que as mudanças climáticas são causadas pela ação humana, diferentemente do que aponta a larga maioria das pesquisas científicas. Assinalou ainda que "gastar grandes somas para reduzir as emissões" de gases "vitais" seria "muito imprudente".
Questionada sobre a posição do governo norueguês em relação à interpretação que o MMA deu para o relatório de auditoria de 2018, a Embaixada da Noruega não comentou. Na semana passada, por escrito, a representação norueguesa no Brasil classificou o Fundo Amazônia como "uma cooperação importante" e defendeu as negociações com o governo brasileiro para tentar chegar a um acordo sobre as mudanças na governança.
"Toda cooperação internacional é baseada em visões comuns. Estamos tentando verificar se ainda temos metas compartilhadas, e como o governo brasileiro implementará suas estratégias", disse a nota da embaixada.
Procurado, o MMA não se pronunciou até a publicação deste texto.

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