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Associação recém-criada quer preservar a língua nheengatú

Site do ISA- Socioambiental.org.-São Paulo-SP
Autor: Ricardo Barretto
10 de Set de 2001

Nascida do tupi e disseminada pela Amazônia desde o século XVI, o nheengatú é uma língua importante na região do Rio Negro, onde é falada pelos índios Baniwa, Baré e Werekena. Para preservá-la, manter os traços culturais de quem a fala e apoiar projetos de educação indígena, foi criada, no Rio Negro, a Sociedade Nheengatú (SNH).
"Língua boa". Este é o significado do termo nheengatú, que os índios na região norte do país usaram para nomear a língua de contato entre eles e os missionários e colonos europeus. Até o século XVIII, era a língua mais falada em todo o país, em duas variantes principais: o nheengatú da Província do Grão-Pará e a língua geral do sul do Brasil.

A origem do nheengatú, de acordo com estudo do padre Afonso Casasnovas, autor do livro Noções de Língua Geral ou Nheengatú, remete à chegada dos portugueses ao Brasil. Naquela época, a faixa litorânea compreendida entre os atuais estados de São Paulo e Maranhão era habitada predominantemente por índios tupinambá, que falavam o tupi. Como os colonizadores vinham para o Brasil, em sua maioria, sem mulheres, passavam a ter parceiras indígenas. Os filhos nascidos desses relacionamentos mantinham o tupi como língua materna.

Chamada de "língua geral" pelo Padre Anchieta, o tupi foi levado ao interior e ao norte do país durante o período das Entradas e Bandeiras, como estratégia de comunicação em regiões plurilingüísticas. Com o passar do tempo, a "língua geral" tornou-se distinta da falada em outras áreas do Brasil e conseguiu penetrar até em regiões onde nunca tinham vivido povos tupinambá. Assim, o nheengatú transformou-se na "língua geral" amazônica, como veículo da catequese e da vida cotidiana. Hoje, é falada por diversas comunidades dos rios Negro, Xié e no baixo Içana . "O nheengatú ajuda a comunicação com índios de outras regiões, mesmo com diferenças de pronúncia. Eu adoraria que tivesse um projeto como esse [da SNH] para a língua Baré", diz Maria Cordeiro da Costa, índia baré nascida na Venezuela, que trabalha na Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), em São Gabriel da Cachoeira. O idioma original dos Baré foi suplantado pela língua geral amazônica há mais de dois séculos.

Por ser uma língua basicamente oral, o nheengatú está se descaracterizando e sendo substituído pelo português. Segundo o lingüista Gilvan de Oliveira, este processo ocorre desde o século XIX, quando cerca de 500 mil imigrantes nordestinos levaram o português à região amazônica durante o ciclo da borracha. "Agora, as comunidades que falam nheengatú e as que antes falavam, querem resgatar a língua que muitos não falam mais " , explica Antenor Lutero Costa, presidente da recém-criada Sociedade Nheengatú e pertencente à etnia Baré. "O resgate é importante tanto como elemento cultural, quanto como veículo para comunicação entre povos e para o melhor desenvolvimento do trabalho das escolas indígenas".

Gilvan de Oliveira afirma que a criação da sociedade está relacionada aos cursos de formação de professores indígenas da região do Rio Negro. É que foi do intercâmbio entre esses profissionais, de diferentes etnias e conhecimentos lingüísticos, que surgiu a idéia de se preservar e reavivar o nheengatú. Para o planejamento de cursos, oficinas e materiais didáticos com vistas ao fortalecimento do nheengatú, a SNH contará com a parceria do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Políticas Lingüísticas (Ipol), cuja equipe é integrada por Oliveira. Um exemplo do tipo de iniciativa a ser promovida pela SNH é o curso de 60 horas ministrado a 34 índios Mura. Eles estão buscando revitalizar a língua, que há duas gerações era falada pela maioria de seu povo.

Também está previsto para novembro, no município de São Francisco, no médio Rio Amazonas, um curso de uma semana de duração, quando a equipe da associação se reunirá para determinar os futuros trabalhos, que deverão incluir um programa de rádio em Nheengatú, cursos de capacitação e projetos de inserção da língua nos currículos escolares. A criação da SNH pode ser mais um passo rumo à oficialização, em nível municipal, das línguas mais faladas na região do Rio Negro, que são o baniwa, o tukano e o nheengatú.

Mas há quem não concorde. Aryon Dall'Igna Rodrigues, autor da obra de referência nacional Línguas Brasileiras, acredita que uma vez que o nheengatú não é natural da Amazônia, não deveria ser oficializada como tal. De qualquer maneira, Rodrigues, que foi informado da criação da SNH pela reportagem do ISA, considerou a proposta interessante e pretende acompanhar de perto os trabalhos da associação.

Para quem não sabe, o nheengatú possui grande influência sobre a cultura brasileira, sendo responsável por cerca de 10 mil palavras da língua portuguesa falada no país. Basta lembrar algumas já incorporadas ao nosso cotidiano como araponga, jacaré, jararaca, caatinga, cana, ipê etc. Além do mais, o nheengatú é a base de tradições, lendas e histórias, que podem ser encontradas em livros antigos, escritos na língua original.

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