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Assinatura preservada

CB, Caderno C, p. 3
22 de Abr de 2005

Assinatura preservada

Nahima Maciel
Da equipe do Correio

A propriedade intelectual é conceito pouco difundido entre os povos indígenas.
Acostumados à produção com assinaturas coletivas, esses povos não têm o hábito de lutar por direitos autorais. A falta da prática facilita a apropriação e é um risco quando se trata de preservar o patrimônio cultural de um povo. A questão preocupa o escritor Daniel Munduruku. Autor de 16 livros e um dos nomes mais conhecidos entre os índios Munduruku, do oeste do Pará, o autor há muito se preocupa com as relações entre os direitos autorais e a produção artística dos índios brasileiros.
Por isso, cultiva enorme expectativa em torno do Seminário Internacional sobre Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas, que desde ontem movimenta o Memorial dos Povos Indígenas e o Palácio do Itamaraty.
O evento nasceu de uma parceria entre o Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual, o Inbrapi, coordenado por Daniel, e a Embaixada da Noruega, para discutir a criação de um conjunto de leis capazes de proteger a produção cultural indígena.
Além de lideranças brasileiras e pessoas especializadas na questão, o seminário recebe também representantes dos Sámi, povo autóctone norueguês que conseguiu estabelecer uma legislação própria para preservar seu patrimônio e hoje conta até com uma universidade Sámi. "A idéia é trocar experiências para tentar tirar daí uma legislação para os direitos autorais indígenas", avisa Daniel.
A maior ameaça, o escritor acredita, está na maneira de tratar a produção artística e intelectual nas sociedades não-indígenas. "Vivemos numa sociedade que se apropria do conhecimento tradicional de certas comunidades e transforma isso em ganho para si", explica Daniel. "A partir do momento em que temos conhecimento do valor dessa tradição acumulada durante séculos, queremos protegê-la. E isso tem que ser feito em forma de leis." Tão importante quanto a legislação é levar aos criadores a importância da luta pelo direito autoral.
O tema é pouco discutido e grande parte dos povos indígenas brasileiros não está familiarizada com o assunto. "Os Sámi têm uma legislação clara e objetiva. Por serem um povo único, é mais fácil haver consenso. Aqui estamos longe disso, estamos em fase de conscientização.
Vai demorar um pouco", acredita Daniel, ao lembrar que a quantidade de etnias indígenas no Brasil é enorme e que é preciso levar em consideração as propostas de cada uma delas.
Para o seminário, o Inbrapi elencou nomes que há muito atuam na proteção do patrimônio intelectual dos índios. Entre os participantes estão Marcos Terena, um dos fundadores do Comitê Intertribal e empenhado na integração entre os povos indígenas; Ailton Krenak, figura histórica na luta pela união das nações indígenas e representante do Núcleo de Cultura Indígena; e Fernanda Kaingang, advogada e diretora executiva da Inbrapi. Da Noruega, além dos Sámi, participam Magne Ove Varsi, diretor do Centro de Recursos para os Direitos dos Povos Indígenas, e Henrik Magga, expresidente do Fórum Permanente de Assuntos Indígenas da ONU.
Entre as discussões que vão até amanhã, quando se encerra o seminário, há até comércio internacional. Falar em propriedade intelectual implica em versar sobre compra de bens e registro de patentes, temas que geram polêmicas com freqüência. É nesse contexto que os participantes pretendem incluir a cultura.

Programação
Palestras no auditório do Itamaraty
Hoje
8h15 - Povos indígenas no mundo globalizado - Desafios e possibilidades na proteção do patrimônio cultural
11h - Leis nacionais e internacionais: papel da propriedade na proteção dos direitos coletivos
14h30 - Proteção dos conhecimentos tradicionais das formas de expressão dos indígenas
Amanhã
9h - Conhecimento tradicional e direito do autor - Utilização e repartição de benefícios
14h30 - Plenária documento final do evento e encerramento com show de Niko Valkeapää, artista Sámi

CB, 22/04/2005, Caderno C, p. 3

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