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Assim na terra como no céu

OESP, Vida, p. A12
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
25 de Jul de 2007

Assim na terra como no céu

Marcos Sá Corrêa

Enquanto os brasileiros olham o céu, procurando sinais de bom tempo na aviação, aqui no chão 60 pessoas ocuparam nesta semana, no Espírito Santo, um lugar chamado Linharinho, em Conceição da Barra. Elas representam o quilombo Sapê do Alto, um dos 25 que pedem a titulação de suas terras no Estado.

Três quilombos capixabas já estão mais ou menos oficializados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Neles, 156 famílias ganharam da autarquia 25.857 hectares. São 165,75 hectares por família. O dobro da média nacional para quilombos. E quase o quíntuplo dos módulos rurais que o próprio Incra acha suficientes para os assentados da reforma agrária. Nesse passo, cerca de 215 mil hectares do Espírito Santo podem estar na fila da promoção a quilombo.

Em Linharinho, uma portaria assinada em maio pelo presidente do Incra, Rolf Hackbart, deu 9.542,57 hectares a 48 famílias. Isso feito, seus funcionários entraram em greve, que ninguém é de ferro. E, com o processo encruado, os quilombolas resolveram implementar a medida com os recursos que tinham à mão.

Reina uma certa informalidade na frente étnica da reforma agrária, desde que o governo Lula regulamentou, em 2003, o artigo 68 da Constituição por decreto. Sendo a-primeira-vez-na-história-do-Brasil que uma caneta presidencial tomava esse atalho legislativo, nem o Supremo Tribunal Federal animou-se a dizer até agora se o decreto 4.887 é constitucional. E, enquanto o STF pensa, o governo o aplica.

IMPACIÊNCIA

Não é só no ar que as coisas andam confusas. Só que, em terra, ao contrário do que acontece com os passageiros nos aeroportos, a impaciência não tem de esperar sentada. Parte para os finalmentes, como fez em Conceição da Barra. A área invadida nesta semana pertence, na maior parte, à Aracruz Celulose, que tem 26 mil hectares plantados com eucalipto no município, além de 9 mil hectares de mata nativa. Uma vez lá dentro, uma das primeiras providências dos quilombolas foi passar a motosserra em eucaliptos. Derrubá-los é um gesto da luta no campo consagrado no Dia Internacional da Mulher do ano passado, quando militantes da Via Campesina atacaram mudas da árvore num laboratório da Aracruz em Barra do Ribeiro, no Rio Grande do Sul.

Exótico como a manga, a jaca e a banana, o eucalipto não tem a popularidade dos outros imigrantes vegetais, talvez por já ter chegado aqui com gana de latifundiário. O agrônomo Edmundo Navarro de Andrade o escolheu, no começo do século 20, como madeira ideal para arder nas marias-fumaça da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, numa época em que o PIB brasileiro viajava de trem. E, até a década de 1980, ainda se davam incentivos fiscais no País a quem derrubasse floresta para plantá-lo.

GUERRA CONTRA A ÁRVORE

Ele leva a fama de toda a besteira que se fez em seu nome. O Brasil tem hoje o maior eucaliptal do mundo. Mas, como dizia o sociólogo Gilberto Freyre, sua história sempre foi uma "guerra contra a árvore". A bola da vez é o eucalipto. Ele não acaba com a água, esgota a terra ou forma bosques estéreis.

Num livro escrito para desagravá-lo, o jornalista Geraldo Hasse conta que, em Alegrete, no Rio Grande do Sul, ele até está servindo para deter a desertificação das pastagens gaúchas, que o vento ia cobrindo de areia. E,no Espírito Santo, apesar dos pesares, gerou reservas legais maiores que a de todos os outros ciclos econômicos.

No rastro da espécie importada, a bagunça genuinamente nacional chegou ao Estado na hora em que a Aracruz registrava 2.877 hectares de suas terras como reservas particulares do patrimônio natural (RPPN).

São as primeiras peças de um quebra-cabeça, ligando os restos de mata atlântica no Estado às florestas nativas que sobraram no sul da Bahia. Isso, claro, se o Incra deixar.

É jornalista e editor do site O Eco

OESP, 25/07/2007, Vida, p. A12

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