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Assassinatos sobem 64% no Brasil

CB, Brasil, p. 12
11 de Abr de 2008

Assassinatos sobem 64% no Brasil
Relatório divulgado ontem por entidade ligada à Igreja Católica revela que houve 92 mortes de índios em 2007. Só o Mato Grosso do Sul teve 53 vítimas. Desnutrição também aumentou em relação a 2006

Paloma Oliveto
Da equipe do Correio

Passados 508 anos do descobrimento do país, os índios continuam sendo dizimados, aponta um relatório divulgado ontem pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), movimento da Igreja Católica ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Com base em relatos publicados pela imprensa nacional e estrangeira e em informações fornecidas por comunidades indígenas, o Cimi registrou 92 casos de índios assassinados em 2007, número 64% maior do que o do ano anterior. O Mato Grosso do Sul lidera o ranking de vítimas, 53 - com um aumento de 99% em relação às 27 mortes de 2006.

Os dados do estado foram avaliados como um "genocídio" pela antropóloga Lucia Helena Rangel, da PUC-SP, organizadora do relatório. "Há maior número de vítimas de assassinatos, tentativas de assassinato, suicídios; índices ainda altos de desnutrição, mortalidade infantil, alcoolismo e toda sorte de agressões e ameaças." Ela afirma que, com as grandes plantações de cana, soja e milho, as fontes de água são contaminadas com agrotóxicos, provocando doenças e deixando pouco espaço para a agricultura familiar. Nas cidades do Mato Grosso do Sul, os índios entram para a mendicância, sofrem violência sexual e são presos, diz a antropóloga.

Para o vice-presidente do Cimi, Roberto Antonio Liebgott, todos os problemas apontados no relatório podem ser atribuídos à ausência de uma política de Estado que privilegie as populações indígenas. "O governo federal lança megaprojetos de desenvolvimento econômico, mas faz muito pouco pelos índios", critica. Liebgott afirma que o órgão responsável pelas políticas indigenistas, a Fundação Nacional do Índio (Funai), está sucateado há décadas. "O orçamento é muito limitado, e a Funai não consegue ter capacidade técnica para responder à sua principal obrigação: a demarcação de terras indígenas." O presidente do órgão, Márcio Meira, deverá se manifestar hoje sobre os dados.

"A violência ocorre muito mais nas regiões onde o estado brasileiro confinou as populações em pequenos territórios", diz Liebgott. Como exemplo, cita a Terra Indígena de Dourados (MS), onde cerca de 12 mil índios dividem uma área de 3,4 hectares. "A realidade cultural e social desse povo é dramática. Eles não têm qualquer perspectiva de vida, o que se reverte na violência e nos altos índices de suicídio", acredita o vice-presidente do Cimi. De acordo com o relatório, nos casos de assassinato, a maioria dos acusados são índios, situação que, sustenta Liebgott, é reflexo dos problemas deflagrados pela questão fundiária.

Além do povo Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, o levantamento do Cimi revela que, entre os guajajaras, do Maranhão, a situação é preocupante. O estado, que em 2006 registrou um homicídio de indígena, foi palco de 10 assassinatos no ano passado. De acordo com a CNBB, a situação local é tensa por causa de intensos conflitos entre índios e grupos de madeireiras ilegais.

Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em 15 de outubro, na Terra Indígena Araribóia, no município maranhense de Aramel. Um grupo de madeireiros, alguns encapuzados, invadiram a aldeia, encarceraram os índios num campo de futebol e os ameaçaram com tiros para o alto. Tomé Guajajara morreu e outros dois foram baleados. O Cimi alega que a ação foi uma represália dos madeireiros contra indígenas que, no início de setembro, prenderam um caminhão que transitava dentro da aldeia. Eles tentaram recuperar o veículo, mas sem sucesso.

Trabalho degradante
Além dos relatos de violência, o levantamento do Cimi denuncia o trabalho degradante, que seria conseqüência do aumento das usinas de cana-de-açúcar no Mato Grosso do Sul. Em março de 2007, diz o estudo, 150 índios que trabalhavam na Destilaria Centro Oeste Iguatemi foram libertados por fiscais da Delegacia Regional do Trabalho do MS. Em novembro, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego descobriu 1.011 índios nas mesmas condições na Usina Debrasa. A maioria dos resgatados pertencia ao povo Guarani-Kaiowá.

De acordo com a antropóloga Lúcia Rangel, quatro índios teriam sido assassinados no alojamento de uma usina. Ela também diz que menores de idade falsificam seus documentos para trabalhar no corte de cana, iludidos por falsas promessas. Com a falta de terras, a superpopulação nas aldeias e o desemprego nas cidades, os índios preferem se arriscar. "Deixam a escola da aldeia ou da cidade, burlando a fiscalização e deixando seus pais preocupados."

Mulheres são atacadas

Em 2006 e 2007, o Cimi registrou 19 casos de violência sexual contra mulheres indígenas, incluindo aliciamento, estupro e tentativa de estupro. De acordo com a CNBB, por serem pontos turísticos visados, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia, concentram casos de exploração comercial. "Turistas e moradores das cidades maiores aproveitam-se da carência financeira e do fácil acesso às aldeias, próximas aos bares e barracas na praia", aponta o relatório. Na região, uma criança indígena de 12 anos que estava na praia teria sido abordada por um turista, que prometeu presentes e a convidou para ir à casa dele para buscá-los. Ela aceitou e o homem tentou estuprá-la. O ato não se consumou porque alguns índios chegaram no local e resgataram a criança.

O relatório aponta para a existência de uma rede de exploração sexual no Mato Grosso do Sul. Em Dourados, crianças e adolescentes entre 9 e 15 anos estariam freqüentando uma casa de prostituição e sendo aliciadas por ex-presidiárias que moram nas proximidades da terra indígena. No Tocantins, também há registros de aliciamento de menores. "Segundo lideranças indígenas, a exploração sexual de crianças e de adolescentes tem crescido em razão da construção de estradas que cortam as terras indígenas, aumentando a circulação de pessoas não-indígenas nas aldeias", diz o documento.

Ameaça constante
No ano passado, houve registro de sete casos de violência sexual, com nove vítimas, sendo quatro menores de 18 anos - incluindo um menino de 6. "Em três casos, os acusados também eram indígenas. Houve o estupro de um jovem Guarani-Kaiowá, na aldeia Bororo, Mato Grosso do Sul, que foi espancado e violentado por cinco outros jovens, inclusive quatro menores de idade", relata o Cimi.

A situação das mulheres da etnia Guarani-Kaiowá, de acordo com a CNBB, tem relação com a luta pela terra. "Duas mulheres foram estupradas por seguranças da fazenda que invade a Terra Indígena Ñande Ru Marangatu. Elas estavam coletando lenha na área, quando foram atacadas. Desde 2005, quando o Supremo Tribunal Federal suspendeu os efeitos da homologação da terra e os guaranis foram despejados, a tensão entre indígenas e seguranças é constante", alerta o relatório.

CB, 11/04/2008, Brasil, p. 12

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