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Árvore é coisa que não se faz num dia

Marcos Sá Corrêa - http://marcossacorrea.com.br
Autor: Marcos Sá Corrêa
20 de Set de 2010

A data deitou raízes no calendário cívico nacional há quase 100 anos. Isto é, pelo menos cinco décadas depois de desabrochar nos Estados Unidos. A festa começou no Nebrasca em 1872, quase ao mesmo tempo em que brotavam lá por cima do continente os primeiros parques nacionais do mundo. Fazia parte de uma onda de conservação da natureza que o resto do mundo imitaria mais cedo ou mais tarde.

Aqui, a adesão à moda norte-americana ficou para mais tarde. Perdeu com isso a chance de marcar, no fim dos século XIX, a campanha contra o desmatamento do sueco Alberto Loefgren, chefe da seção de botânica da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo. Loefgren queria o pacote completo. Não apenas o plantio simbólico de mudas. Mas sobretudo os parques e o código florestal.

A resposta do governo saiu no começo do século XX. Reduzira-se ao Dia da Árvore, que na prática era o a campanha de Loefgren contra o desmatamento reduzida à mínima potência. O código florestal e os primeiros parques nacionais, discutidos desde o Segundo Reinado e empurrados com a barriga por toda a República Velha, só vingaram na década de 1930, às vésperas do Estado Novo. Bem depois que a onda se alastrara até às colônias africanas.

Nos Estados Unidos, o Dia da Árvore, que em outros lugares do hemisfério norte cai em março, como a primavera, acontece em 23 de setembro, para coincidir com o aniversário de Julius Morton, o cidadão do Nebrasca que inventou a cerimônia. No Brasil, acontece em 21 de setembro, para coincidir com a entrada da primavera, no fim de uma temporada época em que uma tradição indígena muito mais renitente celebra nacionalmente a estação das queimadas.

Em homenagem a esse paradoxo, nosso Dia da Árvore - que, pelo decreto 55.795, chama-se Festa Anual da Árvore desde 1965 - deveria se chamar Dia da Muda. Árvore é coisa que se leva muito tempo para fazer. Muda, não. Dá fruto no dia da festa. E geralmente isso basta.

Como o decreto de 1965, que o país esqueceu, as mudas plantadas todo 21 de setembro têm forte pendor para não ir adiante. Quem passou pelos bancos das escolas públicas no Rio de Janeiro lá pela longínqua década de 1950, no tempo em que os alunos cantavam diariamente o Hino Nacional e hasteavam a bandeira antes de entrar na sala de aula, deve recordar a data como o dia em que a garotada se perfilava em volta de um buraco no pátio, onde as professoras cravavam uma haste tenra e desfolhada, dizendo tratar-se de um futuro pau-brasil - ou árvore que o valha.

Meio século depois, se uma ínfima percentagem desses brotos tivesse crescido, as escolas públicas cariocas estariam hoje no meio de bosques. Não em áreas cimentadas como se encontram. E essa aridez educacional não é só produto do acaso, nem do cerco imobiliário que abraçou as escolas entre muros estreitos neste país cada vez mais urbano.

O Movimento Viva Rio, dez anos atrás, tentou doar mudas para Cieps da Zona Oeste, onde os prédios de Oscar Niemeyer cozinham ao sol escaldante em terrenos desérticos. Ouviu, da primeira diretora consultada, que árvore em escola só serve para os alunos se esconderem atrás do tronco, fazendo sabe-se lá que bobagens.

Mas as mudas nem por isso perderam seu dia seu dia de festa. No fim de semana passado, pelo menos nas rodovias de São Paulo, 120 mil miniaturas de espécies nativas foram distribuídas nos postos de pedágio pela ONG SOS Mata Atlântica, com minuciosas intruções sobre como e onde plantá-las.

Mas não quando, como faria, se estivesse lá, o engenheiro agrônomo José Francisco Nehring: "Deixe para distribuir a muda e plantá-la só quando vier a primeira chuva", ele avisou lá de Presidente Prudente. Só assim, argumentava Nehring, "a natureza agradecerá com lindas árvores"

Eis uma oportunidade que a educação ambiental dos estudantes brasileiros não deveria perder. Bastaria lhes dar a tarefa de seguir destino dessas menores até chegar a hora de virarem, de pleno direito, árvores. Daqui a uns dois ou tres anos.

http://marcossacorrea.com.br/2010/09/20/arvore-nao-se-faz-num-so-dia/?u…

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