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Artista indígena perde mais de R$ 65 mil em pinturas sagradas durante enchente no Acre: 'Sobraram a vida e os documentos'

O Globo - https://oglobo.globo.com/
28 de Fev de 2024

Artista indígena perde mais de R$ 65 mil em pinturas sagradas durante enchente no Acre: 'Sobraram a vida e os documentos'
Artista Txana Bane, um dos mais renomados da Amazônia, produz as artes a partir de visões e sonhos cosmológicos

Lucas Guimarães

28/02/2024

Considerado um dos artistas indígenas mais renomados da Amazônia, Txana Bane, da etnia Huni Kuin, produz suas obras de artes a partir de visões e sonhos cosmológicos. Consagrado pela espiritualidade vinda do nixi pae - que significa luz que vem do cipó - durante o uso do chá ayahuasca, o pintor representa em suas telas as visões que tem dos cantos e músicas de seu povo. O "txai", que significa "mais que amigo, mais que irmão", está na Itália, convidado pela Bienal de Veneza, onde pintará um mural de 700 metros quadrados, conta por telefone ao GLOBO. No entanto, foi pego de surpresa no exterior com a notícia de que suas telas foram levadas pela enchente histórica que afetou o interior do estado do Acre, após três dias de chuvas fortes durante o último fim de semana.

Com cores fortes, formas geométricas e símbolos de sua cultura, as pinturas feitas em tela com tinta acrílica na remota aldeia Xico Kurumin, no município de Jordão, no Vale do Tarauacá/Envira, próximo à fronteira do Peru, já ultrapassaram continentes e chegaram a galerias renomadas pelo mundo. Na Europa, os indígenas huni kuin (que significa povo da fumaça, povo verdadeiro) já arrecadaram mais de R$ 300 mil depois do sucesso de exposições realizadas na Fundação Cartier, em Paris, e no Palácio de Belas Artes de Lille, também na França. O objetivo das vendas das artes é comprar terras para preservar a floresta da ação de madeireiros e resgatar e preservar a cultura de seu povo.

Porém, desta vez, as peças únicas produzidas no povoado foram destruídas pelo temporal. O pintor Txana Bane contou ao GLOBO que teve prejuízo em parte de suas produções, no valor de R$ 65 mil.

- Foi prejuízo por quatro obras. A primeira Katxa nawa, que significa festa de legumes, no valor 20 mil. A segunda Na henewakamen de 30 mil e a terceira Yube nawa ãibu de 5 mil são músicas de ayahuasca. E a quarta Geometria nawã kene, significa apendizados na pré-história com a jiboia, avaliada em 10 mil. [...] Fora os dois rolos de telas que não foram pintados ainda - lamentou o huni kuin.

Obras perdidas de Txane Bane em enchente que atingiu o Acre

As chuvas intensas e as enchentes levaram o Acre a decretar estado de emergência em 17 municípios, onde ao menos 23 comunidades indígenas foram afetadas. Por meio da Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), o governo enviou no sábado, 24, insumos indispensáveis para garantir a continuidade de atendimento aos moradores de Jordão. O município foi atingido pela cheia do Rio Tarauacá, que banha a cidade e cerca de 40% da área urbana foi afetada, como o hospital de referência no município, que teve de transferir os pacientes para uma área improvisada.

Aldeias indígenas ficam submersas com cheia dos rios e chuvas intensas no Acre

Com o impacto da enxurrada das águas, além das artes, os instrumentos de trabalho, o local de produção e as residências foram destruídos. Os materiais usados por Txana para fazer as obras foram pincéis no valor R$ 1.800, dois rolos de tela que custaram R$ 1.100 e tintas acrílicas avaliadas em R$ 2.500.

- Perdi todo o material das cozinhas, tanto das aldeias como da cidade, todos os meus kits. Essa enchente deu grande prejuízo, precisamos do apoio de todos os irmãos para recuperar tudo que foi perdido. O total [de prejuízo] foi de R$ 100 mil - completou ele.

A família do indígena teve sua casa tomada pela água e está, atualmente, abrigada na Escola Manoel Rodrigues de Faria. Devido a rapidez e força da enchente, os familiares não conseguiram levar os utensílios que tinham dentro da casa.

- Estou em uma viagem e não consegui salvar minhas obras. Estava tudo lá, e o rio levou. Sobraram só os documentos e a vida. Eu tenho casa na cidade e na aldeia, e em todos os dois, não restou nada. Todas as coisas foram levadas. Estou muito triste, mas pelo menos todos estão com saúde - detalhou Bane.

Os huni kuins também estão preocupados por ainda não terem um local para ficar, já que o rio destruiu o banheiro da residência e ainda esperam a chegada de Txana Bane - que retorna ao Brasil no dia 21 de abril. Para ajudar o artista e seus familiares, é possível realizar doações através de Pix para a chave (68) 99202-8110, do remetente Cleiber Pinheiro Sales kaxinawá.

A arte sob efeito de ayahuasca

Em 2011, surge o Movimento dos Artistas Huni Kuin (Mahku), devido à ascensão de artistas huni kuins. O cacique Ibã Isaías Sales, que tem mestrado em antropologia pela Universidade Federal do Acre, fundou o núcleo com um grupo de pesquisadores dedicados aos estudos dos cantos rituais de seu povo.

A divulgação das telas produzidas na aldeia Xicu Kurumin nas redes sociais conquistou o gosto de um representante da Fundação Cartier, que convidou Sales e alguns artistas, entre eles um de seus filhos, Txana Bane Huni Kuin, para apresentar, em 2014, uma exposição em Paris. Pelo menos 32 obras ficaram no museu, ao preço total de € 25 mil. O dinheiro foi usado para o pagamento dos artistas e na compra de materiais para novas obras, como tintas, telas e tecidos.

As vendas das peças têm o intuito de reverter o valor na compra de terras para preservar a cultura do povo. No mesmo ano, em uma exposição no antigo Hospital Matarazzo, em São Paulo, a venda de uma tela de cinco metros de comprimento por três metros de largura, denominada Nai mãpu yubekã, por R$ 40 mil, possibilitou a compra de seis hectares de terra, o equivalente a 60 mil metros quadrado.

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