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Arrozeiros ainda resistem a deixar reserva indígena

OESP, Nacional, p. A12
26 de Abr de 2009

Arrozeiros ainda resistem a deixar reserva indígena
Líder Quartiero não começou sequer a transportar o gado que cria em pastagens dentro do território

Roldão Arruda, BOA VISTA

O clima em Roraima é de expectativa. Vence na quinta-feira o prazo dado no mês passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que todos os moradores não-índios da Terra Indígena Raposa Serra do Sol deixem a área pacificamente. Até ontem, porém, grandes fazendeiros que ali plantam arroz não haviam conseguido retirar todas as máquinas, equipamentos e outros pertences de suas fazendas. A Polícia Federal e a Força de Segurança Nacional, que estão de prontidão na região, com um contingente de 140 homens, recebem amanhã um reforço de mais 160 policiais. Na sexta-feira, se os fazendeiros não tiverem saído, deve começar a retirada forçada, de acordo com o superintendente da PF na região, José Maria Fonseca. Consultado pelo Estado, o Comando Militar da Amazônia disse que poderá ajudar na operação, se houver solicitação do governo. Até ontem, porém, a ajuda não tinha sido pedida.

É pouco provável que os fazendeiros saiam no prazo determinado. Um deles, Paulo Cesar Quartiero, não começou sequer a transportar o gado que cria em pastagens dentro da terra indígena. Estima-se que o rebanho tenha 5 mil cabeças. Por outro lado, na sexta-feira ele ainda mantinha máquinas operando no campo, finalizando a colheita de sua última safra de arroz.

Quartiero diz que procura um lugar para levar o gado. Mas insiste que o prazo dado pelo STF foi curto demais. Também acusa autoridades federais e estaduais de não darem apoio aos fazendeiros, abandonando-os à própria sorte. Ele é o maior produtor de arroz de Roraima e o que se encontra em pior situação, pois não tem outras áreas de plantio fora da reserva.

Segundo o fazendeiro Ivo Barili, que retirou na sexta-feira à tarde a última carga de arroz de sua fazenda, os arrozeiros estão sendo tratados como bandidos. "Trabalhei 20 anos nestas terras, comprando máquinas, investindo na melhoria do solo, criando empregos, e agora estou sendo escorraçado como se fosse um marginal", afirma.

RISCO

Os equipamentos e maquinários de Quartiero, Barili e outros produtores de arroz estão sendo levados para o distrito industrial da capital, Boa Vista - onde beneficiam, estocam, empacotam e negociam o produto, vendido principalmente para supermercados de Manaus, no Amazonas. Alguns pátios daquela área estão lotados e cercados de incertezas - as máquinas não podem permanecer por muito tempo a céu aberto e sem manutenção, correndo o risco de estragarem, mas ainda não se sabe o que será feito delas.

Sente-se por toda parte uma tentação à resistência. Ela é perceptível sobretudo nas críticas ao STF, que validou a demarcação em área contínua do 1,7 milhão de hectares da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem cerca de 20 mil índios, de 5 etnias. Para os arrozeiros e pequenos produtores que viviam ali, as áreas ocupadas por eles, que não totalizam 25 mil hectares, poderiam ter sido mantidas.

A decisão de demarcar em área contínua foi tomada em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, e homologada em 2005, por Luiz Inácio Lula da Silva. Os arrozeiros contestaram os atos presidenciais na Justiça por quase quatro anos, até que no mês passado eles foram validados pelo Supremo.

Políticos da região ajudam a alimentar a polêmica. O deputado Márcio Junqueira (DEM-RR) tem dito que a retirada não pode ser completada se as autoridades federais não garantirem condições para os produtores se instalarem em outras áreas. Ele está ouvindo as pessoas que já deixaram a terra indígena, procurando sobretudo encontrar irregularidades nos processos. O encarregado legal de conduzir a desocupação, o juiz Jair Meguerian, presidente do Tribunal Federal da 1ª Região, negocia com o governo novas acomodações para os pequenos produtores, que se enquadram nos moldes de assentamentos da reforma agrária. Para os grandes, porém, não foi encontrada nenhuma solução.

ACOMPANHAMENTO

Junqueira propôs e conseguiu a aprovação da Câmara para a criação de uma comissão parlamentar que terá a tarefa de acompanhar a desintrusão da Raposa Serra Sol. Além de Junqueira, já chegaram a Boa Vista o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) e os senadores Augusto Botelho (PT-RR) e Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), que também vão acompanhar as operações.

Na semana passada, também esteve na região o deputado Aldo Rebelo, que foi um dos mais destacados defensores da permanência de não-indígenas na Raposa Serra do Sol. "Ele é um aliado importante e confiável", diz Quartiero, selando uma parceria aparentemente impossível entre um político pertencente a um partido comunista e um grande fazendeiro.

Outro sinal da tentação à resistência foi uma ação protocolada na semana passada, novamente no Supremo, contestando a retirada dos não-indígenas, sob a alegação de que o governo não cumpriu a tarefa de destinar novas áreas para eles. O advogado que apresentou a ação é um dos que já defenderam os arrozeiros em ações anteriores. Agora, porém, representa pequenos produtores, insatisfeitos com os acordos que já assinaram com o governo.

''O pessoal está saindo aos poucos'', diz delegado

Roldão Arruda, BOA VISTA

O delegado José Maria Fonseca, superintendente da Polícia Federal em Boa Vista e responsável por toda a operação policial que envolve a retirada dos não-indígenas da Raposa Serra do Sol, acredita que ela ocorrerá de forma pacífica. "O pessoal está saindo aos poucos", diz ele, referindo-se aos produtores rurais que vivem na área demarcada. "Estamos procurando ajudar, oferecendo escolta para o transporte dos equipamentos mais pesados. Trabalhamos para tranquilizar a região."

Ele deixa claro, porém, que tem ordens para iniciar a retirada forçada já no primeiro dia de maio, caso não ocorra de maneira voluntária. Foi para isso que requisitou o reforço do grupo de 140 homens da Polícia Federal e da Força de Segurança Nacional que já estão na região. "A previsão é de que até o dia 28 todo o efetivo esteja a postos", afirma. Atualmente os homens sob seu comando patrulham a Raposa Serra do Sol, para evitar conflitos entre índios e não-índios, acompanham as mudanças dos fazendeiros e vigiam as duas principais estradas que dão acesso àquela área.

Uma questão enfatizada durante os debates sobre a demarcação foi o desaparecimento dos três municípios englobados pela terra indígena - Pacaraima, Uiramutã e Normandia. Segundo o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcio Meira, isso também faria parte da campanha contra as reivindicações indígenas. "A afirmação de que a demarcação acaba com o município é pura ficção", diz ele.

"As pessoas confundem jurisdição com propriedade da terra", continua o presidente da Funai. "Veja um exemplo: um latifundiário pode ser o proprietário da maior parte das terras de um município - o que não impede que o poder público local tenha jurisdição sobre aquelas terras, determinando a construção de escolas públicas, abertura de estradas. No município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, 90% do território faz parte de terras indígenas ou de áreas pertencentes ao Exército. Mas isso não significou a extinção do município."

Além das questões ligadas à segurança nacional, à exploração de minérios e à presença de municípios na terra indígena, a demarcação da Raposa Serra do Sol envolveu também um debate nacional: pôs, de um lado, produtores rurais que defendem a expansão de seus negócios, a abertura de novas áreas de cultivo, a obtenção de mercadorias para exportação, e, de outro, grupos que defendem o pagamento de antigas dívidas da sociedade brasileira com grupos indígenas e, mais recentemente, com os descendentes dos africanos que foram trazidos para o Brasil como escravos e mais tarde se refugiaram nos chamados quilombos. A Raposa Serra do Sol significou uma espécie de convergência de todo esse debate, mobilizando forças em diversas partes do País.

Um dos resultados desse debate foi o projeto de lei apresentado recentemente na Câmara, determinando que a tarefa de definir e demarcar terras indígenas passe da Funai para o Congresso. Um de seus autores é o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP).

Riqueza do subsolo ajudou a fermentar polêmica e boatos

A área da Raposa Serra do Sol, maior que a do município de São Paulo, fica na fronteira com a Guiana e a Venezuela. Seu subsolo é rico em minérios, como nióbio e cassiterita, o que ajudou a fermentar a polêmica em torno da demarcação. Falou-se em ameaça à segurança nacional e interferência de grupos estrangeiros interessados na exploração mineral.
De acordo com e-mail que circulou durante os debates sobre a demarcação, é mais comum encontrar pessoas falando inglês na região do que português - o que não é verdade. 0 Estado apurou que o autor do e-mail varia de uma correspondência para outra e endereços citados são falsos. R.A

OESP, 26/04/2009, Nacional, p. A12

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