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A arrancada do combustível do futuro

OESP, Especial, p. H1-H8
08 de Nov de 2005

A arrancada do combustível do futuro
Na corrida para substituir o petróleo, a vantagem é do Brasil

A era do petróleo está chegando ao fim e o mundo busca combustíveis alternativos para continuar em movimento. Há experiências com todas as formas possíveis de energia, mas nenhuma se apresenta com tantas possibilidades quanto o álcool. E, nessa seara, a vantagem é toda do Brasil, por muitas léguas de distância. Enquanto outros países engatinham no desenvolvimento da tecnologia da produção agrícola e industrial do álcool combustível, e também na dos motores dos carros que com ele poderão mover-se, o Brasil já consegue produzi-lo em larga escala e por um custo inferior ao da gasolina. Nesse cenário, os setores público e privado brasileiros trabalham em parceria para não perder em essa oportunidade. Os contratos de exportação de álcool não param de crescer. Está aberta a possibilidade de o País se tornar o maior fornecedor mundial desse combustível que, além de renovável, não joga na atmosfera do planeta o lixo gasoso resultante da queima do petróleo. Em entrevista ao Estado, na página 3, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, afirma que o álcool é a única alternativa ao fim da era do petróleo e suas vantagens são tão grandes e óbvias que fazem da agroenergia o novo grande paradigma agrícola do mundo. Para o ministro, os produtores brasileiros aprenderam com os "erros trágicos" do passado, quando praticamente abandonaram o consumidor, e estão prontos para enfrentar o desafio de fornecer a quantidade de álcool necessária para não deixar parados na estrada os seus clientes, no Brasil ou lá fora. Pelos seus cálculos, feitos com base em números da indústria automobilística, em 10 anos o Brasil terá 8 milhões de veículos bicombustíveis - esses também produto da evolução da indústria do álcool. Se essa expectativa se confirmar, a produção terá de sair dos atuais 14 bilhões de litros por ano para 26 bilhões de litros. Sem considerar a exportação. São milhares de empregos. Isso significará uma demanda adicional de cana-de-açúcar de 1,8 milhão de hectares. Esta edição especial debate alguns dos desafios que precisam ser superados na nova arrancada do álcool brasileiro, 30 anos depois do lançamento do Proálcool.

A conquista do mercado mundial
Trinta anos depois, o Programa do Álcool torna-se modelo mundial e abre espaço para as exportações brasileiras de açúcar e álcool
Nicola Pamplona
Trinta anos após o pontapé inicial, o programa brasileiro de incentivo ao consumo de álcool combustível tornou-se modelo em todo o mundo e abriu as portas de um enorme mercado para as exportações brasileiras. O álcool já se consolidou como o principal substituto da gasolina e, em tempos de petróleo e preocupações ambientais em alta, é cada vez maior o número de países que aderem ao combustível, renovável e menos poluente que seu concorrente fóssil.
Em 1o de novembro, foi a vez da Colômbia iniciar a mistura de álcool à gasolina, em um movimento saudado pela imprensa local como o "início da era do etanol (como é mundialmente mais conhecido o derivado da cana-de-açúcar)". Geração de empregos, economia de divisas com a importação de derivados de petróleo e redução das emissões de monóxido de carbono foram apontados pelos colombianos como as principais vantagens do produto em relação aos seus concorrentes.
"Há uma visão cada vez mais clara, principalmente em países desenvolvidos, de que a preocupação com o uso de energia de qualidade, que permita a redução das emissões de carbono, está ao lado de temas importantes, como a pobreza e o combate ao terrorismo", diz o diretor da União da Indústria Canavieira (Unica), Luiz Cláudio Correia de Carvalho, especialista no mercado internacional de combustíveis. A disparada do preço do petróleo nos últimos anos ampliou essa preocupação, a ponto de o governo norte-americano iniciar as discussões sobre uma nova legislação para os biocombustíveis.
Essa onda já começa a beneficiar o Brasil, com aumento das exportações do produto e redução do consumo interno de gasolina. Atualmente, o álcool representa 2,6% da matriz mundial de combustíveis automotivos, conta o presidente da consultoria Datagro, Plínio Nastari, e a tendência é que o crescimento dessa participação ocorra em progressão geométrica.
O exemplo brasileiro mostra onde se pode chegar: aqui, cerca de 40% da energia consumida em veículos de passeio é produzida a partir da cana-de-açúcar. Nos Estados Unidos, esse número gira em torno dos 2,5%.
Nastari aposta que o potencial do álcool será maior à medida que os motores automotivos atuais sejam substituídos pela nova tecnologia de célula combustível, que dará início à era do hidrogênio. Ele explica que o álcool tem um teor de hidrogênio muito maior que seus concorrentes derivados do petróleo, sem demandar grandes alterações nas redes de distribuição de combustíveis. Mais uma vez, o Brasil pode despontar como opção de fornecimento, já que a produção de álcool a partir da cana é muito mais barata que as alternativas usadas atualmente. Aqui, o custo de produção do álcool é de US$ 0,23 por litro. Nos Estados Unidos, onde o álcool é produzido a partir do milho (bastante subsidiado), esse valor sobe para US$ 0,31. Na França, que usa a beterraba como matéria-prima, o custo pode chegar a US$ 0,50 por litro.
DESCONCENTRAÇÃO
"Do ponto de vista geopolítico, é a grande chance para o mundo sair de uma lógica global que se baseia em concentração de fornecimento para uma desconcentração, com produção de combustível em diversas regiões", avalia Carvalho, lembrando que grande parte da produção mundial de petróleo vem do Oriente Médio.
Hoje, diz Nastari, pelo menos seis países latino-americanos já iniciaram a produção de álcool para fins combustíveis: Paraguai, Colômbia, Guatemala, El Salvador e República Dominicana. Outros quatro na África - Zâmbia, Suazilândia, Sudão e Somália - são grandes candidatos a produzir. A Índia iniciou um programa de incentivo e há estudos na Tailândia e na Austrália. Todos motivados pelos avanços regulatórios, principalmente entre os países ricos, que avaliam a adição de biocombustíveis a derivados de petróleo. Nos últimos meses, a Petrobrás fechou acordos de exportação do combustível para a Venezuela e a Nigéria e negocia embarques também para o Japão.

Para garantir preço, Brasil cede tecnologia a outros países
Estratégia é transformar etanol em commodity e reduzi incertezas sobre fornecimento
Denise Chrispim Marin
Fazer do álcool um produto cotado internacionalmente, mesmo que para isso o Brasil tenha de doar a outros países seu conhecimento na área, tornou-se obsessão para uma parcela do governo brasileiro. Declarações favoráveis a essa estratégia são repetidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por ministros.
Não se trata de generosidade da política externa terceiro-mundista ou de atender aos apelos dos ambientalistas. Numa estratégia ambiciosa e pragmática, o Brasil quer ampliar a quantidade de países fornecedores de álcool porque avalia que isso, paradoxalmente, abrirá caminho para ampliar as exportações de etanol brasileiro. Hoje, muitos países relutam em adotar o álcool porque não querem depender só do Brasil como fornecedor.
Há um outro objetivo igualmente importante para as exportações. O aumento da produção de álcool de cana reduzirá a disponibilidade de matéria-prima para produzir açúcar. Assim, o etanol poderá pôr um freio na tendência de superoferta de açúcar, que já vem contribuindo para a queda nos preços.
A estratégia vem sendo adotada pelos Ministérios das Relações Exteriores, da Agricultura, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, de Meio Ambiente e de Minas e Energia. Iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, na esteira das vantagens oferecidas com a aprovação do Protocolo de Kyoto, o projeto tornou-se uma das prioridades da área comercial da gestão Lula.
Os japoneses, por exemplo, tornaram facultativo o uso de gasolina misturada ao álcool. Porém, têm sérias dúvidas quanto a aumentar mais fortemente seu consumo. Quando esteve no Japão, em maio, a delegação presidencial ouviu questionamentos sobre a capacidade do Brasil fornecer o produto em volumes crescentes. Mais especificamente, se uma eventual alta nos preços do açúcar não atrairia os produtores de álcool para a produção açucareira.
Esse temor, que não é só dos japoneses, pôs o governo na correria para oferecer a tecnologia de produção do álcool a outros países. A idéia é transformar o etanol em uma commodity, produto com preço definido de forma internacional, com vários fornecedores.
A tecnologia foi oferecida a Índia, Tailândia, Austrália e Moçambique. Também está em vias de ser cedida a países da América Central e do Caribe, entre os quais Cuba, valendo-se da disposição do Banco Interamericano de Desenvolvimento de financiar projetos que produzam créditos de carbono. Os australianos, grandes produtores de cana e fortes concorrentes no mercado de açúcar receberam uma visita do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, para tratar do tema. Mas estão reticentes.
O objetivo de transformar o etanol em commodity vem sendo partilhado com os Estados Unidos. O Ministério da Agricultura está em fase final de revisão de toda a legislação brasileira sobre o álcool, para aproximá-la às da americana.
O segundo passo será a formulação de uma posição comum, sobre produção do etanol e a cooperação em países candidatos a investir.
Por fim, ambos os países terão de negociar com a International Organization for Standartization a adoção de de padrões e regras. Só ao final do processo, o etanol poderá ser considerado legalmente como commodity.
O interesse dos EUA está na tendência da ampliação dos usos do etanol na mistura com a gasolina ou diesel e do álcool hidratado, por motivos ambientais e econômicos. Mas também está centrada em outro dilema: o deslocamento de volumes cada vez maiores da produção interna de milho para a fabricação de álcool para atender a essa nova demanda.
"Em vez de brigar com os EUA para abrir o seu mercado de álcool, preferimos trabalhar em parceria. Com isso, evitamos que o produto seja alvo, no futuro de barreiras técnicas", explicou José Nilton de Souza, do Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia do Ministério da Agricultura.

Mais produção para garantir clientes
Investimento em usinas mostra a possíveis consumidores que não vai faltar álcool
A ampliação de investimentos na produção brasileira tornou-se peça fundamental para convencer alguns países a adicionarem o álcool ao combustível, informou o secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Antonio Sérgio Martins Mello.
Daí os anúncios de reforma e construção de 40 usinas de álcool, com a finalidade de expandir a capacidade produtiva do País dos atuais 18 bilhões de litros por ano para 25 bilhões de litros por ano até 2010, e de aumento da área de cultivo da cana-de-açúcar em 3 milhões de hectares até 2013.
"Sabemos produzir álcool com alta tecnologia, fabricar os equipamentos necessários, montar automóveis bicombustíveis", declarou Martins Mello. "Trata-se de oportunidade de fluxos de comércio, de tecnologia e de investimentos com o exterior que não pode ser desperdiçada", insistiu o secretário.
Além desse trabalho de base, as autoridades brasileiras estão atuando em diversas frentes, informou Martins Mello.
Na América do Sul, Brasil e Venezuela assinaram um memorando que permitirá o suprimento de anual de 300 milhões de litros de álcool para o país vizinho. A Petrobrás e a Petróleos de Venezuela SA (PDVSA) negociam contratos de longo prazo de fornecimento.
Com a Colômbia, o governo espera celebrar um convênio para a capacitação de técnicos colombianos na produção de álcool.
ÁSIA
Em maio, durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Tóquio, o primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi, decidiu criar uma comissão governamental para estudar a introdução do etanol na matriz energética japonesa.
Mas o primeiro passo para a abertura do mercado japonês foi consolidado no acordo entre a companhia brasileira Copersucar e a distribuidora Kotobuky Nomryo de compra e venda de 15 milhões de litros de álcool.
A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a Petrobrás e a japonesa Mitsui também se comprometeram a estudar a logística de exportação de álcool brasileiro ao Japão.
Em abril, uma delegação da China desembarcou no Brasil para conhecer a experiência brasileira na produção e uso do etanol e discutir a adoção de um programa de álcool combustível.
Já em julho, foi a vez de representantes da Coréia do Sul virem conhecer as propostas do Brasil.
Em agosto, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, foi a Israel defender o etanol como a melhor opção para a substituição do chumbo tetraetila como aditivo à gasolina.

'O álcool é a única alternativa para o fim da era do petróleo'
Ministro Roberto Rodrigues considera que as vantagens da agroenergia fazem dela o novo grande paradigma agrícola do mundo
Renata Veríssimo
O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, vê na agroenergia, especialmente no álcool combustível, a única alternativa ao "fim da era do petróleo". Ele defende a criação de uma ponte entre as duas eras que considere a necessidade de combustíveis líquidos renováveis. "É um conjunto tão óbvio de vantagens que eu não tenho a menor dúvida de que a agroenergia é o novo grande paradigma agrícola do mundo", afirmou, em entrevista ao Estado.Para o ministro, o setor de açúcar e álcool amadureceu e está preparado para novos desafios. Ele afirma que não há riscos de desabastecimento, como no passado. Mas alerta que é necessário descobrir uma fórmula de remuneração adequada para o produtor de cana, que garanta o suprimento de matéria-prima. Ele espera que um acordo garantindo essa remuneração seja fechado até o fim do mês no âmbito no Conselho dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool (Consecana).
O Proálcool está completando 30 anos. O que o sr. acha que deu certo e o que precisa ser corrigido?
Acho que há uns três temas relevantes nesse assunto. O primeiro é que o Proálcool demonstrou que, quando existe uma decisão de governo para uma política que tem começo, meio e fim, instrumentos de crédito, projetos tecnológicos, clareza de propósitos, metas definidas e faz uma parceria firme com o setor privado, os resultados são, de certa forma, rápidos e exuberantes. O Proálcool foi o único grande programa universal de substituição de petróleo que deu resultados concretos. Também teve como conseqüência um fato extraordinário: o desenvolvimento tecnológico do setor. Nos primórdios do Proálcool, o álcool era pouco competitivo em relação à gasolina. Com o tempo, os investimentos em tecnologia levaram a uma tal eficiência nos processos de produção que hoje o álcool é mais competitivo, a um nível tal que a gasolina obtida de um petróleo de até US$ 30 o barril fica mais cara que o álcool.
Mas houve um momento em que o Proálcool quase desapareceu.
O setor cometeu, ao longo dos 30 anos, alguns erros trágicos. Quando o preço do açúcar ficou mais convidativo que o do álcool, o setor abandonou o consumidor de álcool e foi fazer açúcar. Em duas ou três ocasiões, isso levou ao descrédito dos consumidores brasileiros e até hoje tem conseqüências na confiança internacional na dependência do álcool do Brasil. Só que esses erros foram assimilados. O produtor percebeu que, mantendo essa atitude ambígua, acabaria perdendo a credibilidade. E hoje está maduro.
Os consumidores parecem não ter recuperado a confiança. Como convencer os mercados interno e externo de que não vai faltar álcool?
Em primeiro lugar, porque é um determinismo histórico. O mundo tem que ir para o agroenergia porque o petróleo vai acabar e os produtores de petróleo estão inviabilizando a economia de uma série de países importantes. Os americanos estão produzindo este ano mais de 10 bilhões de álcool de milho, infinitamente mais caro que o álcool de cana do Brasil. E só podem fazer isso por causa dos subsídios brutais ao setor de milho. Segundo, porque o setor realmente amadureceu e tem tido muito mais responsabilidade para garantir o suprimento interno e externo. De qualquer modo, há países interessados em produzir no Brasil para garantir o próprio suprimento. E acredito que, quando se derem conta do desafio que é produzir isso, perceberão que não há nenhum país com a nossa tecnologia e conhecimento de gerente como o do nosso empresário.
E o terceiro ponto?
É que a cadeia produtiva do setor não pode prescindir da participação do setor de combustíveis. Depois que a Petrobrás assumiu uma posição mais proativa na direção do etanol, as coisas ganharam nova dimensão, levando a indústria automobilística a investir muito mais em pesquisa, criando o carro flex, que é um modelo extraordinário de alternativa de transporte humana.
O sr. acredita que esse compromisso já existe?
Sim. O próprio flex fuel hoje é uma demonstração desse compromisso. E a Petrobrás tem estado ao lado do agronegócio nessas ações.
E quais são os desafios a serem enfrentados?
Tem um lado que não é tão risonho: o Proálcool, no modelo então estabelecido, foi de concentração de renda no agronegócio. Os financiamentos foram muito favorecidos, mas eram oferecidos a quem tinha patrimônio. Eram financiamentos vultosos. Foi, portanto, um processo de concentração.
O sr. acha que o esforço do governo para transformar o álcool em commodity pode garantir que não falte álcool?
O século 20 acabou com a humanidade despertando para uma realidade crua: a era do petróleo um dia teria fim. A maior insânia coletiva da humanidade foi ficar dependendo inteiramente de um produto fóssil, finito, mal distribuído no planeta, que está nas mãos de poucas empresas. É uma dominação incompreensível. Precisamos construir uma ponte entre a era que vai terminar e a que vai começar, seja ela qual for. E essa ponte tem uma premissa óbvia: os motores responsáveis pelo transporte humano e de materiais no mundo todo hoje são tocados a combustível líquido. Não se pode fazer uma revolução de motores que não passe por uma adequação a partir de combustíveis líquidos. A agroenergia, como única alternativa capaz de produzir combustíveis líquidos renováveis, é a grande alternativa porque tem uma quantidade de vantagens comparativas de uma obviedade cristalina.
Quais o sr. destacaria?
Primeira: é renovável. Segunda: qualquer país pode ter seu posto de combustível de agroenergia. Terceiro: é obvio que os países tropicais terão mais vantagens porque a energia de produto agrícola depende de sol, terra e água, o que leva a uma quarta vantagem: a criação de emprego, riqueza e renda nesses países que, em geral, são países em desenvolvimento, para fornecer um produto estratégico a países desenvolvidos. Então, isso é um elemento da redução de diferenças socioeconômicas entre o mundo desenvolvido e o em vias de desenvolvimento.
O que o governo espera alavancar com o programa de agroenergia lançado em outubro?
A base do meu projeto foi um programa agrícola de agroenergia a partir de um conceito claro: se não tiver ênfase na pesquisa, no desenvolvimento tecnológico que gere sementes, mudas e plantas produtivas para a indústria da agroenergia, não vai existir agroindústria lucrativa e competitiva. Estamos criando um centro de agroenergia na Embrapa para atuar só nessa área: tecnologia voltada para a agroenergia. Estamos trabalhando a idéia de criação de um fundo para a agroenergia que o setor público e privado participe dentro de um consórcio integrado para investimentos. E tudo isso se movimenta num cenário que é espetacular para o Brasil. Vamos ter este ano com quase 1 milhão de veículos flex fuel no País. Teremos, em 10 anos, mais de 8 milhões de veículos. Se essa expectativa se confirmar, teremos de elevar nossa produção de etanol de 14 bilhões de litros por ano para 26 bilhões em, no máximo, 10 anos. Sem falar na exportação de etanol. Isso significará uma demanda adicional de cana-de-açúcar de 1,8 milhão de hectares. Nós temos hoje 5,5 milhões de hectares plantados no Brasil. Tem que aumentar em 30%. Em 10 anos, também podemos ter um aumento do consumo mundial de açúcar da ordem de 25 milhões de toneladas.

Em 4 anos, 5 milhões de carros flex
Carros com motores que aceitam álcool ou gasolina são um sucesso de venda; já há 1 milhão rodando no País
Cleide Silva
As vendas de carros bicombustíveis ultrapassaram em outubro a marca de 1 milhão de unidades, pouco mais de dois anos e meio após o lançamento do primeiro modelo com essa tecnologia. Mantido o ritmo atual de mercado, os carros flex fuel, ou flexíveis, vão acumular uma frota nacional de aproximadamente 5 milhões de unidades daqui a no máximo 4 anos. Para atingir esse número, o carro a álcool levou mais de dez anos.
"As vendas anuais dos flexíveis devem ficar em torno de 1,5 milhão de unidades", prevê o presidente da Comissão de Assuntos de Energia e Meio Ambiente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e diretor da Volkswagen.
Atualmente, circulam pelo País 1.015.670 automóveis que podem ser abastecidos com álcool, gasolina ou a mistura de ambos. Não há pesquisa oficial que mostre qual opção é a preferida do consumidor, mas usineiros e montadoras apontam o álcool como o mais usado, principalmente no Centro-Sul, onde o produto é no mínimo 30% mais barato que a gasolina.
Em dois anos, a indústria automobilística deve ter quase 100% da produção para o mercado doméstico de veículos flex. Versões para exportação devem ser mantidas na opção a gasolina. Países que estão incorporando o álcool à matriz energética usam o combustível apenas como mistura à gasolina.
Neste ano, até outubro, foram vendidos 650,8 mil automóveis e comerciais leves com motores bicombustível, número superior ao da venda de modelos a gasolina, que soma 580 mil unidades. Desde o lançamento do primeiro bicombustível, um Gol 1.6, da Volkswagen, em março de 2003, o mercado cresce sistematicamente. No mês passado, de cada dez carros vendidos, perto de sete eram flex fuel. Com exceção da Toyota e da Honda, que preparam lançamentos para 2006, as demais fabricantes brasileiras já têm versões flexíveis. Lançamentos mais recentes, como Fox e Idea, são oferecidos só nessa opção.
A tecnologia flex começou a ser desenvolvida no Brasil em meados dos anos 90 pelas montadoras e fornecedoras de sistemas. Os Estados Unidos já tinham a receita básica, que era o a mistura do metanol à gasolina, mas usavam sensores de alto valor para a adaptação. As empresas locais conseguiram criar sistema de custo mais baixo e hoje os carros flexíveis são lançados a preços próximos aos de motores convencionais.
Antes da chegada dos carros flex, os próprios consumidores, atraídos pela vantagem do preço do álcool, passaram a fazer uma mistura própria, conhecida como "rabo de galo", prejudicial aos carros. Motor e bomba de combustível precisam de reforços e calibragem adequada para suportar o álcool. A prática ainda é comum, mas provoca problemas como falhas na dirigibilidade, dificuldade na partida e aumento de consumo.

Recém-chegada, Fiat sai na frente com o 147
Primeiros modelos apresentavam problemas, principalmente na hora de dar a partida
Em 1979, quando era a última das 4 montadoras instaladas no País, a Fiat, que havia inaugurado fábrica em Betim (MG) 3 anos antes, saiu na frente das concorrentes Volkswagen, GM e Ford ao lançar o primeiro carro a álcool, o 147 com motor 1.3. A produção inicial era destinada a frotas governamentais e taxistas. No ano seguinte, começou a venda para consumidores em geral.
Na época, a montadora tinha em seu quadro de funcionários um especialista em álcool, Paulo Penido, que acelerou o projeto do novo motor. "Foi o primeiro grande desenvolvimento totalmente nacional da Fiat do Brasil em termos de engenharia", diz o diretor de Produto da montadora, Carlos Eugênio Dutra. Na seqüência, vieram os concorrentes Chevette, da General Motors, Fusca, da Volkswagen e o Corcel II, da Ford.
A Fiat trabalhou no projeto dois anos, mas assim como as outras marcas, os veículos a álcool foram lançados com vários problemas, como a dificuldade de partida em dias frios e a rápida corrosão de mangueiras e carburador. O motor era equipado com carburador e distribuidor. Para a partida, a gasolina era injetada manualmente e nem sempre na dose certa, o que resultava no "afogamento".
O problema foi banido com a chegada da injeção eletrônica, que injeta gasolina automaticamente. Carburadores e distribuidores foram eliminados.
Em meados dos anos 80, da produção total da Fiat, 95% era de veículos a álcool. A hegemonia dos modelos movidos com o combustível derivado da cana-de-açúcar durou até o fim da década, quando a crise de abastecimento derrubou as vendas. "Em pouco mais de um ano, o mercado virou de quase tudo a álcool para quase tudo a gasolina", lembra Dutra. Com os bicombustíveis, voltou a era do álcool - para técnicos da indústria, não há mais volta. ESPECIAL Petrobrás investe para levar produto ao exterior São US$ 330 milhões para transportar 5,5 bilhões de litros por ano Chico Siqueira Especial ARAÇATUBA O aquecimento do setor sucroalcooleiro, o Protocolo de Kyoto e as altas no preço do barril de petróleo levaram a Petrobrás a investir novamente no álcool 30 anos depois de ter deixado o setor. Por meio da subsidiária Transpetro, a companhia prevê investir US$ 330 milhões até 2010 na captação, transporte e exportação de 5,5 bilhões de litros de álcool produzido no interior de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e Estados do Nordeste.
A maior parte dos recursos deve ser investida em São Paulo. De olho na abertura de 31 novas destilarias nos próximos 5 anos no oeste e noroeste do Estado, a Petrobrás tem projeto pronto para investir US$ 160 milhões em obras para escoamento da produção pela Hidrovia Tietê-Paraná.
O projeto prevê a construção de 4 terminais (US$ 39 milhões), aquisição de 40 barcaças (US$ 56 milhões) e 12 empurradores (US$ 20 milhões), além da construção de 90 km de dutos (US$ 45 milhões). "Serão dois terminais no Rio Tietê, em Araçatuba (SP) e Conchas (SP), e outros dois no Rio Paraná, em São Simão (GO) e Presidente Epitácio (SP)", diz Emanuel Nazareno Filho, engenheiro de Novos Negócios e Parcerias da Transpetro.
Segundo Nazareno Filho, o objetivo é transportar 2 bilhões de litros de álcool/ano a partir de 2008/2009. O álcool, produzido no noroeste de São Paulo, sul de Mato Grosso do Sul, interior de Goiás e norte do Paraná, será recolhido nas usinas e levado de caminhões aos terminais de Araçatuba, São Simão e Presidente Epitácio, de onde será recolhido por barcaças e levado ao terminal de Conchas. De lá, será escoado por duto até a Refinaria de Paulínia, seguindo também por duto até Duque de Caxias (RJ), para ser escoado, ainda por duto, até o terminal marítimo de Ilha D'Água, de onde será exportado.
"O interessante neste projeto é que os dutos e barcaças farão um caminho de duas mãos. Levarão outros 2 bilhões de litros de gasolina e diesel a essas regiões e voltarão com outros 2 bilhões de litros de álcool para a exportação", ressalta Nazareno Filho.
Segundo ele, os estudos mostram que a Petrobrás poderá atender a uma demanda internacional de 4,5 bilhões de litros de álcool a partir de 2010, quando a demanda brasileira será 25 bilhões de litros.
O uso da hidrovia para escoamento do álcool é estudado em parceria com a Secretaria de Transportes de São Paulo. Segundo Osvaldo Rosseto, diretor de Hidrovias da Secretaria de Transportes de São Paulo, o projeto passa por análise do Grupo de Trabalho do Projeto do Complexo Duto-Hidroviário do Tietê-Paraná, formado por profissionais de diversas áreas que estudam a viabilidade técnica de sua implantação. "Falta muito pouco para uma aprovação final da nossa parte", diz Rosseto, que coordena o grupo.
Outra parte dos US$ 330 milhões será usada na construção de 470 quilômetros de dutos ligando o sul de Minas Gerais e Sertãozinho (SP) ao duto da Replan, em Paulínia, que prevê investimentos de US$ 158 milhões entre 2005 e 2010. Outro duto, ainda em estudo, ligaria o terminal de Guararema (SP) com o Porto de São Sebastião, que passaria a ser outra via de exportação.
Outros investimentos estão previstos para Paraná (US$ 8 milhões) e para o Ceará (R$ 4 milhões).

O primeiro avião movido a álcool também é brasileiro
O Ipanema, fabricado por uma subsidiária da Embraer para a agricultura, já inspira uso do mesmo motor em avião militar
José Maria Tomazela
Colaborou: Simone Menocchi
O Brasil é pioneiro também no desenvolvimento e fabricação do avião movido a álcool. A primeira aeronave foi vendida em março de 2005 pela indústria aeronáutica Neiva, subsidiária da Embraer, em sua unidade de Botucatu, interior de São Paulo. O primeiro avião a álcool foi também a milésima unidade do modelo Ipanema produzida pela Neiva. A aeronave, usada na pulverização de culturas extensivas, como soja, banana e cana-de-açúcar, recebeu a certificação de tipo do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) para voar com esse combustível em outubro de 2004.
A Neiva registrou o nome Aviation Alcohol (AvAlc) para uso no Brasil. Assim, o Ipanema tornou-se o primeiro avião do mundo certificado para sair de fábrica com o motor a álcool. Segundo a empresa, testes já demonstraram melhora no desempenho da aeronave em relação à versão a gasolina, com redução da distância de decolagem, aumento da razão de subida, de velocidade e altitude máximas. O motor a álcool do Ipanema também é 5% mais potente que o motor a gasolina.
Além disso, o uso desse combustível aumenta o intervalo entre revisões do motor. De acordo com o gerente-comercial Luiz Fabiano Zacarellli, a economia operacional chega a 20%. "Com o cenário atual da agricultura, é imprescindível investir em tecnologias que permitam desenvolver lavouras com mais eficiência e lucratividade."
Desde o lançamento do modelo, a empresa tem fabricado, praticamente, só aviões a álcool. Serão cerca de 50 este ano. A Neiva passou a fazer também a conversão de motores a gasolina para álcool, tendo recebido mais de 130 pedidos. Em junho, o Ipanema a álcool recebeu o prêmio da indústria aeronáutica, na categoria Aviação Geral, concedido pela Flight International, em Paris.
Por causa do sucesso do Ipanema e do preço do combustível - cerca de 30% mais barato que a gasolina de aviação -, a Força Aérea Brasileira (FAB) também quer adotar o motor a álcool em seus aviões T-25 Universal. São cerca de 100 unidades que a partir de 2006 vão usar o mesmo motor da aeronave agrícola da Embraer.
O projeto, suspenso em 1989, foi retomado e o primeiro vôo-teste foi feito há 15 dias, no CTA, em São José dos Campos. A certificação do primeiro avião militar a álcool do mundo vai ocorrer em janeiro de 2006.

Produção canavieira busca mais espaço
Até 2010, demanda por álcool exigirá mais 180 milhões de toneladas de cana
Eduardo Magossi
Colaborou: Agnaldo Brito
Há no setor sucroalcooleiro uma data: 2010. As projeções sobre o tamanho da agroindústria canavieira até lá são mais do que otimistas. À demanda atual por álcool combustível e por açúcar, se somarão mais 10 bilhões de litros de álcool e 7 milhões de toneladas de açúcar. Para tanto, às 400 milhões de toneladas de cana que serão moídas no Brasil até o final do ano-safra 2005/2006 terão de ser agregadas mais 180 milhões de toneladas.
Matéria-prima que virá de novos 2,5 milhões de hectares no País. São glebas e glebas convertidas em canaviais depois de servirem à pecuária ou à citricultura. Podem ser também da fração dos 90 milhões de hectares agriculturáveis que estão disponíveis no Brasil, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O Estado de São Paulo, que deu o pontapé à agroindústria canavieira há 30 anos, deve responder por boa parte destes números.
O município de Araçatuba, no Noroeste paulista, está se transformando no principal novo pólo de investimento do setor sucroalc ooleiro. "Numa comparação ligeira, pode se dizer que Araçatuba será tão importante quanto Ribeirão Preto no cenário sucroalcooleiro nacional", diz o consultor Plínio Nastari, da Datagro. Para se ter idéia da corrida dos usineiros para Araçatuba, a maioria dos 28 novos projetos de usinas de São Paulo fica no entorno da cidade, ou em municípios também do Noroeste, como São José do Rio Preto e Fernandópolis.
Conhecida como um dos principais pontos de pecuária de corte do Brasil, seu rebanho de cerca de 600 mil cabeças de gado pôs Araçatuba no cenário do agronegócio nacional. Mas a tendência é de que mais usinas que frigoríficos sejam instaladas na região a partir de agora. "Não existe boi barato em terra cara", diz José Vicente Ferraz, analista do Instituto FNP. Com a queda da rentabilidade da pecuária nos últimos anos e com o aumento dos ganhos gerados pelo açúcar e o álcool, estas áreas de pastagens devem se transformar gradualmente em lavouras de cana-de-açúcar. Ferraz lembra que o avanço tecnológico da pecuária, que permite a criação de mais animais em espaço menor, também contribui para que estas áreas mais próximas do mercado consumidor e de portos sejam tomadas pela agricultura.
E Araçatuba possui, além das rodovias, possibilidade de escoamento de produção tanto pela Hidrovia Tietê/Paraná como tem cesso a uma ferrovia privatizada que permite ligação tanto com o Porto de Santos como para a Bolívia, e de lá, até o Oceano Pacífico através do Chile. "São três os fatores levados em conta para o plantio de cana: a qualidade da terra, as precipitações pluviométricas e a logística. O Noroeste paulista possui todos estes fatores ideais para a cultura", diz Nastari. O solo de boa qualidade, a média ideal de chuvas anuais e bons canais de escoamento estão atraindo investimentos do setor sucroalcooleiro para Araçatuba e região. "Isto não é apenas uma expectativa, mas está acontecendo neste momento", diz Nastari. Das 41 novas usinas que estão sendo construídas no Centro-Sul e que devem estar prontas em cerca de 5 anos, 28 estão localizadas em São Paulo. "Em São Paulo, mais de 90% destes projetos está concentrado no Noroeste paulista", afirma. Até 2010, a região deverá estar produzindo um adicional de cana em torno de 51 milhões de toneladas.
Depois de Araçatuba, as regiões paulistas que também estão sendo ocupadas pela cana são São José do Rio Preto e a região de Fernandópolis, as duas no Noroeste. "O Estado de São Paulo tem 10,2 milhões de hectares ocupados com pastagens, muitas vezes degradadas, que devem ser cada vez mais ocupadas com agricultura", diz Nastari. A cana também está seguindo o caminho do Triângulo Mineiro, Sul de Goiás, Oeste da Bahia e Sul do Maranhão. No Triângulo Mineiro, o avanço da cana está sendo alavancado pelos investimentos dos grupos sucroalcooleiros do Nordeste. Segundo Heloisa Lee Burnquist, pesquisadora do Cepea especializada no setor, os grupos nordestinos estão no Centro-Sul já faz algum tempo, mas é recente a sua concentração no Triângulo Mineiro.
Nessa região, 11 usinas de grupos do Nordeste já operam, com idade média em torno de 5 anos. Destas 11, 8 pertencem a empresas nordestinas, como o Grupo João Lyra, com 2 unidades operacionais, o Grupo Carlos Lyra, também com 2, o Grupo Tércio Wanderley, com três usinas e outra do Grupo José Pessoa, todas no Triângulo.
Apesar de ser o principal canal de crescimento da área plantada com cana-de-açúcar no Nordeste, o Sul do Maranhão deve ter uma ocupação mais demorada. Segundo Nastari, a proximidade da região com a floresta amazônica cria problemas para a ocupação em áreas próximas à reserva legal.

Coincidências ajudaram o programa
Irmãos Junqueiras, que são usineiros, conheciam um consultor do Ministério de Minas e Energia e o caixa do IAA estava cheio
Gustavo Porto
Foi por uma série de coincidências e pura necessidade de se economizar o petróleo que o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) nasceu, na opinião de dois dos pais do projeto, os irmãos Cícero Junqueira Franco, de 73 anos, e Eduardo Diniz Junqueira, de 79. No comando da Usina Vale do Rosário, uma das gigantes do setor, em Morro Agudo, ambos vão além e defendem que o Proálcool poderia ter sido um sucesso bem antes, desde os anos 30, se tivessem dado certo os embriões de políticas públicas para o fomento do uso de etanol da cana como combustível alternativo.
"O Proálcool foi exumado e ressuscitado em 1975", resume Cícero. Ele e o irmão lembram que, entre 1939 e 1945, o Brasil não tinha refinarias e a gasolina enfrentou, como outros produtos, problemas para ser importado, em virtude da 2ª Guerra Mundial.
Até 1939, o álcool era usado sem política definitiva, mas, com o bloqueio, o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) foi obrigado a estabelecer um plano de emergência para produzir o combustível e misturá-lo, em até 2%, à gasolina.
"Aí nasceu, talvez, o primeiro Proálcool. Foi estabelecido um plano de novas usinas para fazer exclusivamente o álcool e, em São Paulo, surgiu uma dezena de destilarias", explica Cícero. "Mas o controle era total do IAA", completou Eduardo, citando o instituo, braço do governo que controlava o setor. Mas a guerra acabou, o abastecimento da gasolina foi normalizado e o álcool caiu em desuso.
Depois de 1945, o IAA usou a mistura do álcool à gasolina como válvula de escape para os excessos de cana. A produção de açúcar era controlada pelo IAA, que definia quem ia fazer, quanto seria feito, por quanto e para quem os produtores iriam vender. E toda vez que sobrava cana, o IAA a destinava à produção do álcool e autorizava a mistura de 5% a 12%.
O cenário não mudou até a crise do petróleo, em 1973, quando o governo foi obrigado a buscar no álcool a alternativa para reequilibrar a balança comercial, já que 80% do óleo para o refino era importado. À época, o então presidente da Petrobrás, Ernesto Geisel, já estava indicado para ocupar a Presidência da República e um dos seus diretores, Shigeaki Ueki, fora escolhido para ser ministro de Minas e Energia, responsável por encontrar uma saída para a crise. "Ueki convocou muita gente da iniciativa privada para criar planos para economizar petróleo", diz Cícero.
Um dos consultados foi Lamartine Navarro, da Associação Brasileira dos Distribuidores de Gás Liquefeito de Petróleo e sócio de Cícero em uma fazenda. "O que o setor sucroalcooleiro pode propor?", perguntou Navarro a um grupo de usineiros. "Me lembrei que o álcool era uma válvula de escape para a cana e talvez fosse também para o petróleo", disse Cícero.
O grupo, liderado por Navarro, desenvolveu um trabalho, em abril de 1974, cujo objetivo principal era usar o álcool em 20% como mistura. "Entregamos o trabalho a Ueki. Ele convocou técnicos do ministério, do Conselho Nacional do Petróleo, da Petrobrás e mandou analisar o projeto que foi o embrião do Proálcool", dizem os irmãos.
Mas houve uma segunda coincidência para que o Proálcool desse uma arrancada no início. Graças à disparada no preço do açúcar em 1971, que chegou a US$ 1.500 a tonelada, o IAA, que, cabe lembrar, controlava tudo, conseguia vender, por US$ 750 a tonelada, o açúcar que comprava das usinas a US$ 150 a tonelada.
Com o caixa cheio, o instituto desovou recursos, entre 1971 e 1972, num plano de modernização e realocação das usinas. Pequenas usinas foram transformadas em usinas médias. Destilarias independentes foram construídas. "Mas sempre com dinheiro obtidos da venda do açúcar", salienta Eduardo.
"Quando veio o Proálcool, em 1975, o setor estava revigorado por causa do plano e, em dois ou três anos, a produção passou de 600 milhões de litros para 2,5 bilhões de litros", diz Cícero.
Eles fazem questão de lembrar que o Proálcool não teria dado certo sem o desenvolvimento da indústria de base para usinas e sem a competência da engenharia automotiva brasileira. "O nascimento do motor a álcool foi um dos maiores avanços da engenharia automotiva", afirma Cícero.
Ele lembra, às gargalhadas, de uma viagem feita entre Morro Agudo e Pereira Barreto. "Na ocasião, compramos um Fiat 147, um dos primeiros a álcool, e vi no jornal que tinha sido inaugurado um posto em Pereira Barreto com o álcool. Enchi o tanque aqui, cheguei lá e o japonês do posto disse: a bomba está aí, mas o combustível não chegou", conta Cícero. E a volta? "Fui na farmácia, no supermercado, comprei álcool, enchi o tanque e o carro veio falhando. Mas cheguei."
Nem tudo no Proálcool, entretanto, foi acerto e nem todos sempre colaboraram. Os irmãos lembram que, apesar de aliada no começo do Proálcool, a Petrobrás percebeu que o álcool era concorrente de toda uma cultura baseada no petróleo e chegou, segundo eles, a bloquear o programa.
Um dos erros - talvez o que deu razão à Petrobrás - foi a febre pelos carros a álcool, que superou 90% dos veículos novos vendidos em 1984 e 1985. "Num certo período, a Petrobrás colaborou muito, mas depois chegou a bloquear um pouco o programa com um receio, talvez até com razão, porque vender 90% de carro a álcool era uma loucura, uma quantidade que o setor produtivo não estava preparado", conclui Cícero.

Indústrias prevêem um futuro seguro e limpo
Álcool também poderá ser usado para produzir hidrogênio
Cleide Silva
A indústria automobilística aposta que o álcool tem lugar cativo pelo menos nos próximos 50 anos na matriz de combustíveis do Brasil, único país que tem carros movidos com 100% do derivado da cana-de-açúcar. Além disso, deve ser fonte base de geração do hidrogênio para os carros do futuro, mais limpos que os atuais. Considerado importante elemento orgânico e renovável, o álcool pode alimentar a célula de combustível para conversões em hidrogênio e fazer a transição para os carros elétricos, projeto da indústria do mundo todo.
O coordenador do Grupo Etanóis do Instituto de Engenharia da USP, Luiz Celio Bottura, diz que o Brasil "é o país mais adiantado para produzir hidrogênio de uma fonte renovável e não poluente". O instituto estuda um sistema que poderá ser instalado nos postos para conversão direta de álcool em hidrogênio. "O mundo não tem o etanol, por isso nossa vantagem é fantástica", diz Bottura.
O programa brasileiro do álcool também ganha visibilidade internacional diante da alta de preço do petróleo e da necessidade de lidar com mudanças climáticas provocadas pelo efeito estufa, que tem na queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás) sua principal fonte. A idéia da mistura estabelecida pelo Proálcool há 30 anos está sendo intensificada na Europa - que já usa 5% de álcool na gasolina e estuda ampliar a participação para 10% -, nos EUA e já foi aprovada no Japão, que adotará proporção inicial de 3%. Canadá, Venezuela, Colômbia e outros países também devem seguir a receita.
"O caminho percorrido pelo Brasil há três décadas começa a ser seguido por outras nações", confirma Fábio Ferreira, gerente de desenvolvimento de produto da Bosch. Instalada no País há meio século, a fabricante de autopeças montou sua estrutura de engenharia de sistemas de injeção eletrônica no começo dos anos 80. Hoje, abastece a matriz nos EUA com peças preparadas para receber álcool, como bombas de combustível, e é uma das líderes no desenvolvimento do motor flexível.
Além de abastecer os cerca de 2,5 milhões de carros a álcool que circulam pelo País e de grande parte dos modelos flex, o álcool é adicionado à gasolina, numa proporção de 25%.
Ancorado em subsídios governamentais, o Proálcool colaborou para aumentar empregos na agricultura, ajudou a ampliar a produtividade do setor canavieiro e estimulou o desenvolvimento tecnológico da indústria automotiva. Entre 1984 e 1987, mais de 90% dos carros vendidos eram movidos a álcool. Com a crise de abastecimento, caiu em descrédito. Em 1997, apenas 0,1% da produção, ou 1.075 carros, saíram das fábricas com esse tipo de motor.
Agora, volta a ser vedete nos carros flexíveis, pois custa em média 65% do preço da gasolina. Uma nova crise de abastecimento está descartada. Para o presidente da Comissão de Assuntos de Energia e Meio Ambiente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea), Henry Joseph Junior, a falta de álcool passou a ser preocupação do produtor. "Se começar a faltar, o preço sobe e o consumidor vai abastecer com gasolina."

O maior desafio está no campo social
Empresas se unem para adotar ações de responsabilidade corporativa, mas ainda há más condições de trabalho no campo
Andrea Vialli
O agronegócio sucroalcooleiro prosperou no Brasil à custa de suor e esforço dos trabalhadores rurais. Hoje, o cultivo da cana-de-açúcar é responsável por 1 milhão de empregos diretos e perto de 4 milhões de indiretos. É uma das culturas que ainda emprega mais mão-de-obra, embora seja inegável o avanço da mecanização. No esforço de construir uma imagem positiva, as empresas do setor estão atentas à importância de se cuidar bem das comunidades para contar pontos com os investidores e os mercados internacionais.
Há quatro anos a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica) criou um departamento para estruturar e coordenar as ações de responsabilidade social de suas 97 unidades associadas. De lá pra cá, tem crescido o envolvimento das empresas em projetos sociais voltados à comunidade e também aos funcionários das empresas. A idéia é mostrar que, além de um robusto gerador de empregos no campo, o setor sucroalcooleiro se preocupa com o futuro dos trabalhadores.
"Atualmente as empresas do setor mantém em torno de 400 projetos, que envolvem educação, cultura, esporte, meio ambiente e qualidade de vida", explica Iza Barbosa, coordenadora de Responsabilidade Social da Unica. Ela ajuda as empresas a promover os programas sociais, e destaca que há muitas ações sendo feitas na área de educação, de cursos profissionalizantes a bolsas de estudos.
Segundo Iza, o notável crescimento do setor o torna suscetível a críticas, daí a necessidade de investir nas comunidades. "É um dos setores mais bombardeados. Quanto mais brilha, mais é atacado", diz. Mas as críticas têm ajudado a mudar a maneira como os empresários do setor sucroalcooleiro vêem a responsabilidade social. "Antes, eram só doações e patrocínios pontuais. Agora, eles se envolvem pessoalmente nos programas." Ela afirma que as empresas estão também revendo as suas políticas de benefícios voltadas ao público interno.
MORTES
No entanto, há trabalhadores morrendo nos canaviais do interior do Estado. Já são onze mortes desde o ano passado, a última delas no dia 21 de outubro, quando faleceu o mineiro José Mário Alves Gomes, de 47 anos, que morreu depois de cortar 25 toneladas de cana. O caso não foi comunicado aos órgãos governamentais como determina a lei. Houve abertura de inquérito policial. O caso está sendo investigado pela 7o Distrito Policial de Piracicaba. As mortes, a maioria por parada cardiorrespiratória, mostraram a face sombria do modelo de produção que sustenta o setor sucroalcooleiro.
Pagos por produtividade, os cortadores de cana se submetem a uma extensa rotina de trabalho para ganhar mais do que o piso salarial, que fica em torno de R$ 300 a R$400, para uma média de 6 toneladas cana cortadas por dia. Para ganhar mais, os trabalhadores cortam de 10 a 12 toneladas cana/dia.
As mortes chamaram a atenção do Ministério Público do Trabalho, que desde o início de outubro faz diligências nos canaviais para apurar como andam as condições de trabalho.
"Temos constatado más condições de trabalho. E onde há terceirização da mão-de-obra, a situação se torna ainda mais precária", afirma Aparício Querino Salomão, procurador do trabalho da 15ª Região. Segundo Salomão, é nítida a falta de cuidados em quesitos como saúde e segurança. "Faltam abrigos e banheiros nas frentes de trabalho, não há fornecimento de água potável e fresca e eles trabalham sem pausas", diz.
Embora o registro em carteira seja uma realidade no setor sucroalcooleiro - de acordo com a Unica, 95% dos trabalhadores são registrados - a prática de terceirização da mão-de-obra é comum entre empresas que fornecem matéria-prima para as usinas. De acordo com Salomão, um dos objetivos do Ministério Público será investigar como é feito o aliciamento dos trabalhadores.
A Unica opta por uma posição de cautela frente à questão. A entidade orienta as empresas a seguir as leis trabalhistas e evitar a terceirização, embora saiba que na prática nem sempre é assim. "Ainda não há comprovação de que as mortes foram por excesso de trabalho. Vamos aguardar as investigações", diz Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica. Segundo ele, a remuneração pelo corte da cana sempre foi baseada na produtividade, um sistema "aceito por ambas as partes".

Abertura do mercado exige esforço de profissionalização
Administração familiar saiu de campo e deu lugar a executivos focados em resultado
Marina Faleiros
Há 10 anos, os preços da cana acabavam de ser liberados. Ian David Hill, um inglês apaixonado pelo setor sucroalcooleiro desde a juventude, era um dos executivos que começava a sentir que, com o mercado livre, a indústria estava prestes a crescer com as próprias pernas. "Passei muitas noites sem dormir e muito tempo buscando garantias para a produção. Acreditamos que o negócio, apesar das dificuldades, iria crescer muito", lembra.
A aposta deu certo, as exportações explodiram e hoje Hill está no comando da Agropecuária Jacarezinho, que investe em cana, gado e soja e prepara a construção de uma nova usina orçada em R$ 50 milhões para os próximos anos. Segundo ele, a abertura do setor foi um dos principais motivos para a profissionalização do alto escalão. "Passamos a ter governança corporativa e ganhos por resultado. O profissional de uma usina agora é como outro de qualquer indústria internacionalizada, precisa ter visão e ser preparado."
Outro que cresceu com a cana e o álcool é Henrique Gomes, diretor de Controladoria da Usina Santa Elisa, do interior de São Paulo. Com 34 anos de empresa, ele acredita que, nesse negócio, o gestor tem algumas peculiaridades. "Precisa tomar decisões rápidas, mas muito calculadas, porque o ciclo da cana é válido por cinco anos. Na área de prestação de serviços o negócio se pode mudar no meio do trajeto, mas no nosso não, e qualquer erro pode causar problemas que crescem ao longo do tempo."
Com o mercado ágil e muito competitivo, ele conta que altos padrões de governança invadiram o setor, e toda usina precisa trabalhar para mostrar resultados aos acionistas. "Temos muita cobrança e mensalmente o conselho da Santa Elisa se reúne para avaliar o desempenho dos executivos e pensar no planejamento estratégico da empresa".
Para Marcos Fava, professor da USP de Ribeirão Preto, uma das principais necessidades de quem entra no setor agora é ter conhecimentos de mercados internacionais, varejo e negociação. "As empresas passaram por uma grande mudança e mantém agora executivos bem pagos e com responsabilidades enormes, tanto na gestão da venda de produto quanto na compra de cana."
Segundo Fava, as empresas estão de olho nas técnicas mais modernas de administração, e por isso muitas usinas até já trazem programas de MBA para dentro de suas unidades. "Mais de cinco companhias já fizeram programas conosco. O setor busca conhecimento, já que a concentração de grupos é cada vez maior, o que demanda executivos de primeira linha."
Outro exemplo é o curso de pós-graduação em Gestão e Tecnologia Industrial do setor sucroalcooleiro oferecido pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP , em Ribeirão Preto. "Com o fim da proteção do governo, o setor teve de buscar competitividade. Antes, os preços eram fixados, agora é o administrador que tem que formar a planilha", explica o coordenador do programa, Pedro Valentim Marques. Outra questão levantada por ele é a transformação no estilo de administração. "O modelo de empresa familiar vem sendo constantemente substituído pelo da administração profissional."
E as oportunidades atraem até mesmo quem nunca atuou com o agronegócio, como Denise Francisco, que saiu do Bradesco para ser gerente-financeira da Usina São Martinho. "Percebi que a busca por energia limpa faria este setor crescer muito e a experiência que tive no setor financeiro poderia ajudar a oxigenar idéias."
Além disso, ela diz que o setor ainda tem carência de conhecimentos de mercado, como atuação em bolsa de valores, e é muito gratificante levar para outro segmento técnicas que ajudam o bom fluxo de caixa e avaliação de custos de plantio, já que não existem fontes de financiamento a longo prazo para o setor. "O açúcar é commodity internacional, o que também deve ser o futuro do álcool. E, à medida que se tem preços internacionais como parâmetros de vendas, precisa-se de profissionais capazes de estudar mercados futuros."

Expansão do álcool traz vantagens para o ambiente
O mundo está de olho nos combustíveis limpos. Com a ratificação do Protocolo de Kyoto, no início deste ano, começou a corrida dos países desenvolvidos, grandes poluidores, por meios de minimizar a emissão de gases causadores do efeito estufa. Nesse campo, o Brasil, maior exportador mundial de álcool, ganha com a expansão dos mercados consumidores para o combustível e também com a venda dos chamados créditos de carbono no mercado internacional.
Dentro de casa, o álcool tem ajudado a minimizar a poluição nas grandes cidades. Com a evolução da engenharia automotiva na última década, que resultou em motores mais eficientes, o álcool se tornou a melhor alternativa de combustível, pois sua queima não emite poluentes como os óxidos de enxofre (que provocam a chuva ácida), a fuligem e são reduzidos ainda os teores de monóxido de carbono e hidrocarbonetos. "Há muitos benefícios ambientais no aumento do consumo do álcool como combustível", avalia o consultor Alfred Szwarc, especializado em meio ambiente e energia. "Hoje é uma situação muito diferente do início dos anos 1980, quando houve o primeiro boom de carros a álcool. Os carros têm mais tecnologia e o combustível evoluiu também, de modo que é muito menos poluente do que a gasolina ou o diesel."
O combustível é chamado de renovável porque, além de sua queima gerar menos gás carbônico, o ciclo de crescimento da cana-de-açúcar absorve o gás. "Sua produção e consumo não agrega mais carbono à atmosfera", explica Szwarc.
Mesmo o aumento das áreas de cultivo da cana-de-açúcar para suprir à crescente demanda não deve trazer maiores implicações ambientais, uma vez que, no campo, tem diminuído o uso de defensivos agrícolas. A mecanização da colheita de cana também tem contribuído para a redução da queima da palha, fator de poluição do ar nas cidades próximas à cultura. "O setor tem se unido para reduzir os impactos da monocultura, com ações de recomposição de matas ciliares", diz Szwarc. De igual modo, a indústria tem aprimorado seus processos internos de gestão ambiental.

Assentados produzem em parceria com usina
Alcídia fornece a tecnologia, faz a colheita e avaliza empréstimo no banco, mas nem todos acham que ganham com isso
A maioria dos assentados do Pontal do Paranapanema vive dividida entre uma certeza e uma incerteza. A certeza é a posse da terra, a incerteza fica por conta de como usá-la de forma economicamente viável. São 101 assentamentos com 5.484 famílias em toda a área do Pontal. Grande parte está fazendo 10 anos, após a forte onda de conflitos no início dos anos 90. Enquanto acampados ainda esperam seus lotes, os novos proprietários buscam alternativas para melhorar a renda.
A principal reclamação é a falta de mercado para a produção. "No ano passado, me ofereceram tão pouco pela mandioca que nem colhi. Pus o meu gado para pastar na área", conta Mario Augusto dos Santos, assentado em um sítio de 21 hectares em Teodoro Sampaio.
Alguns preferem a agricultura. Guilherme Gomes Sobrinho, com 11 hectares no assentamento Che Guevara, em Mirante, diz que plantou feijão, milho e algodão na safra 2004/2005. Seu objetivo era repetir o resultado do ano anterior, quando faturou R$ 24 mil brutos. Mas ele diz que não conseguiu nem a metade e perdeu dinheiro. "Em 2004, o algodão estava valendo R$ 22 a arroba. Neste ano, o preço era de R$ 9", lembra.
O debate sobre a expansão da cana divide os agricultores. Para alguns é uma alternativa, para outros, inviável. Sidnei Silverio, com 11 hectares no assentamento Antonio Conselheiro 2, em Mirante, considera a cana uma cultura extensiva, que prejudica o ambiente. Ele prefere investir no café e na pecuária.
A Alcídia começou, há dois anos, uma parceria com os assentamentos próximos da usina na produção de cana. A empresa fornece a tecnologia, faz a colheita e é avalista em um empréstimo no Banco do Brasil para o início do plantio. Os assentados financiam pouco mais de R$ 14 mil, que é descontado em três parcelas anuais do pagamento feito pela usina.
Mario Augusto dos Santos é um dos que assinou contrato com a Alcídia. Plantou 2,5 alqueires (cerca 5 hectares) com cana. A primeira colheita foi este ano. "Recebemos quatro parcelas de R$ 1.300,00, depois dos descontos." Ele diz estar feliz com o resultado. "É a única produção que temos contrato."
Uma vizinha do mesmo assentamento, Ilda Pereira dos Santos Augusto, já está no segundo ano de parceria e não gostou da experiência. "Depois que acabar esse contrato, nunca mais planto cana." Ela diz que no ano passado recebeu quatro parcelas de R$ 790,00 mais um resíduo de R$ 700,00. Neste ano, o resultado foi muito ruim: quatro parcelas de R$ 240,00. Ela reclama que a usina cobra caro pelos serviços prestados, como a colheita, e teme não conseguir pagar a última parcela do empréstimo em 2006.
Flávio Luiz Mazzaro de Freitas, estudante de agronomia na Esalq/USP e também assentado em Mirante do Paranapanema, fez um estudo sobre a cana. Ele acredita que a cultura só terá chances de dar certo se os pequenos proprietários se organizarem em associações ou cooperativas. "É preciso, primeiro, ajudar as pessoas a se associarem, assim elas poderiam negociar melhor sua produção."

OESP, 08/11/2005, Especial, p. H1-H8

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