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Aridez já afeta 40% das terras aráveis do planeta, que não voltarão a ser como eram

Valor Econômico - https://valor.globo.com/
10 de Dez de 2024

Aridez já afeta 40% das terras aráveis do planeta, que não voltarão a ser como eram
Estudo da ONU aponta que a aridez é 'uma crise existencial que está redefinindo a vida na Terra', à perda de ecossistemas e ao deslocamento forçado

Daniela Chiaretti

10/12/2024

A terra do planeta está secando. Mais de 77% das terras enfrentaram condições mais secas durante 1990-2020 em comparação com os parâmetros do ciclo anterior, de 1960-1990. No mesmo período, as terras secas aumentaram em 4,3 milhões de km2, área quase um terço maior do que a Índia, o sétimo maior país do mundo.

A aridez é "a crise existencial que está redefinindo a vida na Terra", diz um relatório de cientistas a pedido da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e lançado ontem, em Riad, na Arábia Saudita. Cinco bilhões de pessoas podem ser afetadas até 2100, diz a ONU.

Terras secas cobrem agora 40,6% de todas as terras do planeta, excluindo a Antártica. O número de pessoas que vivem em terras secas mais do que dobrou no período. As estimativas calculam 2,3 bilhões em 2020 em comparação com 1,2 bilhão de 30 anos antes.

A tendência de terras permanentemente mais secas vem sendo observada mesmo com eventos climáticos extremos como tempestades e inundações atingindo algumas regiões do globo.

Nas últimas décadas, cerca de 7,6% das terras globais, uma área maior que o Canadá, saltaram de graduação nos limites de aridez. Ou seja, terras que não eram consideradas secas passaram a ser, ou regiões que eram menos áridas agora se tornaram mais áridas.

A maioria dessas áreas passou de paisagens úmidas para terras secas. O impacto vem sendo sentido cada vez mais pela agricultura, os ecossistemas e as pessoas que vivem nesses territórios.

Estes dados fazem parte do estudo "The Global Threat of Drying Lands: regional and global aridity trends and future projections". O relatório tem 156 páginas e documenta as tendências e os impactos atuais e futuros do processo que está tornando as terras mais secas.

"Uma área global equivalente à metade do tamanho da Austrália", diz o prefácio do estudo "transformou-se de terras úmidas para terras secas com menos chuva para plantações, pastagens, natureza e pessoas". Segue: "Essas estatísticas são algumas dos muitos achados sombrios de novas análises reveladas nesse relatório".

Pela primeira vez, diz o estudo, os cientistas da UNCCD mapearam "um perigo global e existencial anteriormente encoberto por uma névoa de incerteza científica. Seu nome é aridez - a condição climática e duradoura de umidade insuficiente para sustentar a vida".

Cientistas ligados à Convenção de Desertificação criaram há vários anos um índice de aridez. Trata-se de um cálculo que relaciona o volume de chuva dividido pela evapotranspiração do ano - um balanço de quanto determinada região recebe e perde de água.

Os pesquisadores criaram três categorias: clima árido, semiárido e subúmido seco. Quanto mais perto de zero, mais árida é determinada região. O índice de aridez é um dos indicadores que a UNCCD utiliza para identificar áreas suscetíveis à desertificação.

O estudo explica também as diferenças entre seca, escassez de água e aridez. São situações que podem estar relacionadas, mas não significam a mesma coisa. "As secas ocorrem quando a chuva não cai ou cai muito pouco por períodos prolongados, mas ainda assim limitados". Ou seja, secas são eventos que acontecem e terminam.

A escassez hídrica, por sua vez, vem de decisões humanas equivocadas sobre o uso da terra e da água. Um solo desmatado fica mais exposto à ação do sol e, portanto, mais seco. Água usada em excesso e além do suprimento, se tornará escassa.

"O aquecimento global está tornando as secas piores e mais frequentes, e podem ser devastadoras", diz o estudo. Entre 2007 e 2017, secas afetaram mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo e custaram US$ 125 bilhões. "Mas as secas terminam e a recuperação é possível", dizem os pesquisadores.

"A aridez crescente é diferente - é uma ameaça implacável que exige medidas de adaptação duradouras", diz o relatório. "Os climas mais secos de agora afetam vastas regiões no mundo, que não voltarão a ser como eram antes".

Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da UNCCD diz que "ao contrário das secas, que são períodos temporários de pouca chuva, a aridez representa uma transformação permanente e implacável".

Ele é contundente: "As secas acabam. Mas quando o clima de uma área se torna mais seco, perde-se a capacidade de se retornar às condições anteriores. Os climas mais secos que agora afetam vastas terras em todo o mundo não voltarão a ser como eram, e essa mudança está redefinindo a vida na Terra."

Se atualmente 25% da população mundial vive em terras secas que estão se tornando cada vez maiores, as projeções mostram que 5 bilhões de pessoas poderão habitar terras secas até o final do século. "Todos estão, ou estarão, em risco de desertificação - a alarmante degradação da terra, onde a água é limitada, o que pode deixar as pessoas famintas ou desidratadas e os ecossistemas totalmente transformados."

O relatório também diz que a mudança do clima, causada por ação humana, é a culpada. Torna o planeta mais quente e as terras, mais secas. "O resultado é a baixa fertilidade do solo, perdas de safra, declínio da biodiversidade, tempestades intensas de areia e poeira, incêndios florestais frequentes e, é claro, maior insegurança alimentar e hídrica. A escassez de água relacionada à aridez está causando doenças e mortes e estimulando a migração forçada em grande escala em todo o mundo".

Caso os países não cortem as emissões de gases-estufa, outros 3% de áreas úmidas se tornarão terras secas até o fim do século.

Cenários que projetam alta emissão de gases-estufa preveem a expansão de terras secas no meio-oeste dos Estados Unidos, no centro do México, no norte da Venezuela, no nordeste do Brasil, no sudeste da Argentina, em toda a região do Mediterrâneo, na costa do Mar Negro, em grande parte do sul da África e no sul da Austrália.

As áreas mais afetadas pela tendência incluem quase toda a Europa (95,9% de suas terras). O Mediterrâneo e o Sul da Europa, considerados celeiros agrícolas, enfrentam um futuro difícil com o aumento das condiçoes semiáridas

O estudo diz que no oeste dos EUA e do Brasil, a tendência é de terras mais secas e escassez de água. Incêndios florestais se tornam ameaças constantes.

Na África Central e em partes da Ásia, regiões biologicamente megadiversas sofrem degradação dos ecossistemas e desertificação, colocando em risco muitas espécies.

O relatório aponta o Sudão do Sul e a Tanzânia como as nações com a maior porcentagem de terras em transição para terras secas, e a China como o país com a maior área total em transição de terras não secas para terras secas.

"Há 10 ou 15 anos dados sobre degradação da terra não estavam na mesa", diz Barron Joseph Orr, cientista-chefe da UNCCD. "E quando algo é novo, não há balas mágicas", continua o professor emérito da Universidade do Arizona e ex-especialista geoespacial da Nasa. "Os governos precisam agora tomar passos claros para enfrentar a questão". Para Orr, a consciência sobre o tema tem que ser ampliada e entidades como a Organização Meteorológica Mundial (OMM) precisam monitorar as secas e a resiliência à seca.

Ele lembra que, no enfrentamento da emergência climática uma das medidas de adaptação está no que se chama Soluções Baseadas na Natureza. "Esse caminho não é tão diferente do que estamos tentando seguir na UNCDD", diz. "Quando pensamos na degradação da terra pensamos no presente e no que pode acontecer no futuro, com o clima mudando. O relatório sobre aridez muda isso e nos força a pensar nestas duas coisas junto".

A migração forçada é uma das consequências mais visíveis da aridez. Comunidades que enfrentam escassez de água e colapso agrícola abandonam suas casas. "Do Oriente Médio à África e ao sul da Ásia, milhões de pessoas já estão em movimento - uma tendência que deve se intensificar nas próximas décadas", diz o texto à imprensa.

A aridez é considerada o maior vetor que causa a degradação dos sistemas agrícolas, afetando 40% das terras aráveis da Terra. O aumento da aridez foi responsável pela queda de 12% no Produto Interno Bruto (PIB) em países africanos entre 1990 e 2015. É considerada uma das cinco causas da degradação da terra no mundo, junto com a erosão, a salinização, a perda de matéria orgânica e a degradação da vegetação.

O estudo faz várias recomendações. A primeira é monitorar o processo de aridez integrando métricas de aridez aos sistemas de monitoramento de secas. Essa abordagem permitiria a detecção precoce de mudanças e ajudaria a orientar ações antes que as condições piorem. Avaliações padronizadas podem aprimorar a cooperação global e informar as estratégias locais de adaptação, dizem os cientistas.

Outro ponto é o incentivo a práticas sustentáveis de uso da terra e o estímulo à maior participação de povos indígenas e comunidades locais, bem como de todos os níveis de governo. "Projetos como o Great Green Wall, iniciativa de restauração de terras na África, demonstram o potencial de esforços conjuntos e em larga escala para combater a aridez e restaurar os ecossistemas, ao mesmo tempo em que criam empregos e estabilizam as economias", diz o estudo.

Investir em eficiência hídrica com tecnologias de coleta de água da chuva, irrigação por gotejamento e reciclagem de águas residuais são soluções para o gerenciamento de recursos hídricos escassos em regiões secas. Desenvolver a resiliência em comunidades vulneráveis é outra sugestão.

Os planos nacionais de adaptação à crise do clima devem incorporar a aridez juntamente com o planejamento de secas para criar estratégias que abordem os desafios de gestão da água e da terra.

"Há décadas, cientistas do mundo vêm sinalizando que crescentes emissões de gases estufa estão por trás do aquecimento global. Pela primeira vez, um órgão científico da ONU alerta que a queima de combustíveis fósseis também está causando o ressecamento permanente em grande parte do mundo - com impactos potencialmente catastróficos que afetam o acesso à água e que podem levar as pessoas e a natureza ainda mais perto de pontos de inflexão desastrosos", diz Orr. "À medida que grandes extensões de terra do mundo se tornam mais áridas, as consequências da inação se tornam cada vez mais terríveis e a adaptação não é mais opcional - é imperativa".

A 16ª rodada de negociações da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), que termina nesta sexta-feira em Riad, Arábia Saudita, marca o 30o aniversário da UNCCD. A Convenção sobre Combate à Desertificaçao é um dos marcos da Rio 92 junto às convenções do Clima e de Biodiversidade. A COP 16 visa chegar a um consenso sobre a necessidade de um instrumento multilateral que ajude os países a ter maior resiliência à seca.

O grupo das nações africanas, muito afetado pela desertificação - considerado o fim do processo de degradação das terras -, querem um protocolo. Uma alternativa é que a COP 17 decida por um Marco Global sobre Resiliência à Degradação. A opção mais fraca é chegar ao final da conferência apenas com uma declaração política sobre a urgência do tema.

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