O Globo, Rio, p. 10
14 de Ago de 2017
Araras, papagaios e periquitos voltam ao céu do Rio
Ornitólogos observam o retorno de aves que desapareceram ao longo do século XX e a chegada de novas espécies
por Ana Lucia Azevedo
RIO - Impossível ignorar os bandos de papagaios e periquitos que cruzam a cidade de Norte a Sul. Estardalhaço e cor não lhes faltam. Menos ainda quantidade. Especialistas em aves afirmam que não se trata de mera impressão. Os psitacídeos - denominação que inclui araras, papagaios e periquitos - estão mesmo mais comuns no município do Rio de Janeiro e podem ser encontrados em quase todos os bairros. O que muita gente não percebe é que não se trata de uma, mas de mais de uma dezena de espécies.
- As pessoas chamam todos de maitaca ou maritaca. Mas são várias espécies. Olhar só um bando passar depressa não revela a diversidade delas. Vale tirar um tempo para a observação. São lindas e ninguém vai se arrepender - explica o professor de Biologia da PUC-Rio Henrique Rajão, um dos autores do guia de aves do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Curiosamente, a maritaca-verdadeira (Pionus maximiliani) é uma das menos frequentes. O biólogo Eduardo Maciel diz que há 21 espécies de psitacídeos com registro no município, mas cinco são consideradas extintas. Porém, em 1968, ano de lançamento de "As aves do Rio de Janeiro (Guanabara): lista sistemática anotada", por Helmut Sick (1910-1991), até hoje o "pai" da ornitologia brasileira, havia apenas nove espécies de psitacídeos. O motivo de a papagaiada ter voltado permanece incerto. Rajão e Maciel acreditam que a redução da caça e do aprisionamento das aves em gaiolas deve ter tido papel fundamental. Eles observam, entretanto, que as populações urbanas de pássaros de forma alguma garantem a sobrevivência das espécies.
Ainda assim, a natureza insiste. A maracanã, por exemplo, voltou para casa, destaca Fernando Pacheco, um dos mais renomados ornitólogos do Brasil. O bairro e o mais famoso estádio de futebol do mundo têm de novo a companhia da ararinha que lhes dá nome. Desaparecida por décadas, a maracanã-verdadeira foi reintroduzida nos anos 1980 e agora sua população parece estar bem estabelecida. Não apenas na Zona Norte, mas em quase toda a cidade. A maracanã-verdadeira (Primolius maracana) é uma arara pequena, de 40 centímetros de comprimento, que mantém como pode a dieta do tempo em que o Brasil ainda era Pindorama ("terra das palmeiras", em tupi). Por isso, quanto mais palmeiras, maior a chance de ver uma maracanã de verdade, espécie considerada vulnerável à extinção.
Mais comuns são a maracanã-pequena (Diopsittaca nobilis) e o periquitão-maracanã (Psittacara leucophthalmus). A primeira é uma ararinha ainda menor do que a maracanã-verdadeira. Já o periquitão também é conhecido como maritaca. E, na verdade, é do mesmo tamanho que a maracanã-pequena. A diferença está nas cores. Essa avezinha barulhenta é a menos verde de suas parentes. Pode apresentar plumagem azul, amarela, alaranjada.
- O periquitão-maracanã pode ser encontrado com facilidade em Vila Isabel, Maracanã, Méier, São Cristóvão e Grajaú. Na Tijuca, pousam nas árvores até da Praça Saens Peña - afirma Maciel.
Pacheco destaca que, após décadas de ausência, há bandos de papagaios de novo voando livres pela cidade. Ele estima que as aves começaram a voltar há cerca de 20 anos. Hoje é possível ver e ouvir papagaios até no Centro. São de duas espécies: papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) e curica ou papagaio-do-mangue (Amazona amazonica).
A TERRA DOS PAPAGAIOS
O curica pode ter sido o primeiro papagaio que os portugueses viram ao chegar ao Brasil porque era a espécie mais comum nas aldeias indígenas do litoral. Havia tantos papagaios e aparentados que o Brasil também era chamado de terra dos papagaios, conhecidos por seus dons de imitar a voz humana. Curiosamente, o curica mesmo não faz isso. Só um barulho danado.
Pacheco diz que durante o século XX o Rio havia afastado os psitacídeos. Apenas umas duas ou três espécies tinham permanecido nas florestas. Mas, por volta dos anos 1960, a Marinha introduziu a caturrita (Myiopsitta monachus) na Ilha das Cobras. Originária dos pampas do Sul do país, a caturrita é o único dos psitacídeos daqui que faz ninhos. Os outros usam buracos para pôr ovos. Em poucos anos ela se espalhou. Hoje, vive no Centro (Praça Mauá e Orla Conde) e no Aterro do Flamengo.
- Talvez também tenha sido a Marinha que trouxe o periquito-do-encontro-amarelo (Brotogeris chiriri). Ele é do cerrado, mas está em Botafogo, na Quinta da Boa Vista e no Aterro, por exemplo - conta Pacheco.
Genuinamente carioca é o periquito-rico (Brotogeris tirica) ou periquito-verdadeiro, nativo da Mata Atlântica. Prefere a Floresta da Tijuca, mas se adaptou bem à toda a Zona Sul. Esse periquito espalhafatoso adora frutas, como goiabas e jabuticabas.
- O Rio tem tantos psitacídeos interessantes e a maior parte da população nem aproveita como deveria esse espetáculo. Pare um pouco, pegue um binóculo. Há uma multidão de aves bacanas bem perto e muita gente nem imagina. É só parar e ver - recomenda Rajão.
ILHA DO FUNDÃO
Prova de que no Rio a natureza se agarra como pode à vida existe num dos lugares mais improváveis da cidade. Mesmo cercada pelas águas sujas da Baía de Guanabara, com as praias cobertas de lixo e à margem do movimento da Linha Vermelha, a Ilha do Fundão abriga 196 espécies de aves, mais do que, por exemplo, o Jardim Botânico.
A lista de aves de lá é feita e atualizada regularmente pelo engenheiro civil e observador de aves Alfredo Heleno de Oliveira. Membro do Clube de Observadores de Aves (COA), Oliveira trabalha no Fundão e começou a fazer uma lista nos anos 90. No início era só curiosidade. Mas encontrou tamanha diversidade, que o sentimento evoluiu para paixão. Nunca mais parou.
O primeiro sinal de que o Fundão tem muito mais vida do que parece à primeira vista é a presença de gaviões-asa-de-telha empoleirados nos postes da Linha Vermelha. Não são as únicas aves de rapina da ilha. O falcão peregrino - o animal mais veloz do planeta, que alcança em voo mais de 300 km/h - passa parte do ano no telhado do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ.
- Tem ainda falcão-de-coleira, o quiri-quiri e o carcará. O gavião-asa-de-telha é bem comum, na verdade. Mais raro é o gavião-caboclo. E há ainda os gaviões carijó e carrapateiro, além de quatro espécies de corujas. Todos prestam bons serviços e ajudam a controlar a população de ratos e de pombos - conta Oliveira.
Ele explica que a diversidade de aves do Fundão está na variedade de ambientes. A despeito de toda a poluição, há bosque, campo, restinga, mangues e ambientes marinhos.
- O Fundão recebe muitas aves marinhas migratórias. E com a melhora das condições do canal, que já foi pior, apareceram espécies como o marreco-de-asa-branca.
As listas precisam ser sempre atualizadas porque as espécies vão e vem ao sabor das mudanças no ambiente. O pica-pau-verde-barrado, por exemplo, apareceu há pouco tempo. Já nos anos 70, a marreca irerê era bem mais comum. Ele diz que o segredo para apreciar toda a diversidade do Fundão está na paciência e na atenção:
- Nem sempre as aves são visíveis. Observar não é apenas ver, mas escutar. Ouvir a voz de uma ave é como ler a partitura de uma música. Cada uma tem um canto específico.
O Globo, 14/08/2017, Rio, p. 10
https://oglobo.globo.com/rio/araras-papagaios-periquitos-voltam-ao-ceu-…
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.