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Aquecimento reduzirá nutrientes de alimentos

O Globo, Sociedade, p. 35
08 de Mai de 2014

Aquecimento reduzirá nutrientes de alimentos
Mudanças climáticas diminuirão quantidade de ferro e zinco em grãos e legumes nas próximas décadas

RENATO GRANDELLE
renato.grandelle@oglobo.com.br

As mudanças climáticas tornarão grãos e legumes menos nutritivos nas próximas décadas, segundo o mais amplo estudo já realizado sobre os efeitos do aquecimento global na segurança alimentar, publicado esta semana na revista "Nature". A deficiência de zinco e ferro, que já atinge dois bilhões de pessoas e provoca cerca de 63 milhões de mortes por ano, pode ser ampliada significativamente.
Pesquisadores de oito instituições de Austrália, Japão, EUA e Israel simularam o efeito causado pelo aquecimento global sobre as principais culturas agrícolas. Hoje, a concentração de CO2 na atmosfera é de 400 partes por milhão (ppm), um índice já considerado perigoso para a saúde humana. Estima- se que esta taxa, em 2050, chegará a 550 ppm.
Para testar os efeitos que o clima provocará no campo nas próximas décadas, os cientistas analisaram 41 variedades de grãos e legumes em sete estufas em diferentes partes do mundo, onde o nível de CO2 variava entre 546 e 586 ppm. A maioria dos alimentos analisados perdeu nutrientes.
Houve uma queda expressiva da quantidade de zinco e ferro no cultivo de Soja, ervilha, arroz e trigo. Os dois últimos também registraram redução no valor proteico, em comparação aos cultivos em ambiente natural.
Os grãos de sorgo e milho foram os que apresentaram menor variação nutricional. Isso ocorreria porque essas culturas usam um tipo de fotossíntese que já concentra dióxido de carbono em suas folhas.
IMPACTOS NA SOJA BRASILEIRA
Coautor do estudo, Andrew Leakey, pesquisador do Instituto de Biologia Genômica da Universidade de Illinois, destaca que o experimento teve resultados alarmantes em diversos ecossistemas. Os pesquisadores não realizaram testes no Brasil, mas estão convictos de que o país passará pelas mesmas provações de outras áreas tropicais. - A concentração de CO2 na atmosfera é praticamente a mesma em todas as partes do mundo, então não existe uma região cuja cultura agrícola ficará imune ao efeito do aquecimento global - ressalta.
- A taxa elevada de gases-estufa deve aumentar a quantidade de sementes de Soja no Brasil (aumenta a área de clima propenso à Produção da Soja), mas diminuirá a concentração de ferro e zinco, que determinam sua qualidade nutricional.
Pesquisador do Departamento de Saúde Ambiental da Universidade de Harvard, Samuel Myers concorda que a redução de ferro, zinco e proteína afetará as culturas agrícolas brasileiras.
O ferro é essencial ao organismo, devido à sua associação com a Produção de glóbulos vermelhos e ao transporte de oxigênio dos pulmões para todas as células do corpo. Em crianças, a deficiência desse nutriente pode afetar o crescimento e a aprendizagem, além de aumentar a predisposição a infecções. O zinco, por sua vez, tem importante papel no fortalecimento do sistema imunológico.
A equipe recomenda a realização de novas pesquisas para determinar como as culturas cultivadas em regiões em desenvolvimento vão responder à maior concentração do CO2.
- É importante começarmos a fazer esses experimentos em climas tropicais com solos tropicais - destaca Leakey. - Esta é uma lacuna terrível em nosso conhecimento, uma vez que nestes locais a insegurança alimentar já é o maior problema.
Um outro desdobramento do estudo deve ser a análise do impacto de altos níveis de dióxido de carbono em diferentes variedades de arroz, já que os pesquisadores notaram que a concentração de zinco e ferro variou muito entre os tipos pesquisados. A constatação, acreditam, pode representar uma oportunidade para a reprodução de espécies com menos sensibilidade aos gases-estufa.
CULTIVOS ADAPTADOS
De acordo com Myers, a comunidade internacional deve investir no desenvolvimento de grãos e sementes mais resistentes à concentração de gases- estufa. Estas pesquisas, no entanto, avançam timidamente, devido à falta de investimentos.
- As reduções de nutrientes poderiam ser compensadas pela geração de culturas menos sensíveis ao crescimento das taxas de CO2 - sugere o cientista, que também assina o levantamento. - Se desenvolvermos culturas manipuladas, mais ricas em ferro e zinco, podemos atenuar a redução de nutrientes em nossa dieta.
Para o pesquisador, a descoberta do impacto do CO2 sobre a nutrição humana foi uma "grande surpresa": - A Humanidade está conduzindo um experimento que altera rapidamente as condições ambientais no único planeta habitável que conhecemos. Com o desenrolar desta experiência, sem dúvida teremos muitas surpresas - revela Myers.

O Globo, 08/05/2014, Sociedade, p. 35

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