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Aquecimento global: solução já

OESP, Vida, p. A21
19 de Dez de 2004

Aquecimento global: solução já

Herton Escobar

BUENOS AIRES - A euforia durou pouco. Mal deu tempo de celebrar a ratificação do Protocolo de Kyoto, após espera de quase sete anos, e as atenções já estão voltadas para o que virá depois - tanto em termos de mudanças climáticas quanto compromissos políticos para redução de gases do efeito estufa na atmosfera. Foi nesse tom que acabou a 10.ª Conferência das Partes (COP-10) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, ontem em Buenos Aires.
Após duas semanas de discussões técnicas e diplomáticas, envolvendo 170 países e mais de 270 organizações, ficou claro que o aquecimento global é um problema presente. Seus efeitos já são sentidos em praticamente todas as regiões do planeta e a tendência é que se tornem cada vez mais graves, caso as emissões de gases não sejam radicalmente reduzidas. A pergunta é: quem vai pagar por isso? Pelos princípios que norteiam a convenção e o protocolo, a dívida recai sobre os países ricos e industrializados, que emitem gases em quantidades muito maiores e há muito mais tempo. Com o protocolo prestes a entrar em vigor, porém, cresce a pressão para que os países em desenvolvimento assumam também metas de redução para o segundo período de vigência, que começa em 2012.
A isenção de metas para países como Brasil, Índia e China é uma das principais razões pelas quais os EUA, responsáveis por 25% das emissões mundiais, recusa-se a participar do protocolo. A União Européia, entretanto, ratificou Kyoto e agora quer forçar os países em desenvolvimento a entrar no segundo tempo jogando pelas mesmas regras.
Essa batalha na COP-10 foi travada no âmbito de uma proposta argentina para um seminário no ano que vem, supostamente para discutir os dez anos da Convenção do Clima. O que parecia uma idéia inofensiva transformou-se em elefante diplomático, que arrastou as negociações por toda a madrugada, até a manhã de ontem. "Podemos discutir o passado e o presente, mas precisamos também discutir o futuro", argumentou o chefe da delegação européia, Pieter van Geel. Tudo bem, disseram os países em desenvolvimento, desde que isso não implique na discussão de metas para 2012. O acordo final, no qual a delegação brasileira teve papel decisivo, foi de realizar o seminário em maio, apenas como "troca informal de informações", totalmente isenta de negociações ou compromissos.
O debate, entretanto, parece inevitável. Todos concordam que Kyoto é apenas um primeiro e pequeno passo no combate ao aquecimento global e reduções muito maiores serão necessárias para controlar as mudanças climáticas. Muitos dos seus efeitos já estão em curso. Por isso o outro grande tema da COP 10-foi a capacidade de adaptação dos países às mudanças que estão por vir nas próximas décadas, apesar de Kyoto.
Os países menos desenvolvidos, e portanto mais vulneráveis, reivindicam recursos e tecnologia dos países ricos para poderem se adaptar. "Não fomos nós que criamos essa situação; não somos nós que deveríamos pagar a conta", disse o ministro de Meio Ambiente e Florestas de Bangladesh, Jafrul Islam Chowdhury. Para muitos negociadores, entretanto, é importante que a adaptação não desvie o foco sobre a redução de emissões (mitigacão), vista como única solução para a redução do aquecimento global a longo prazo.
"É óbvio que quanto mais mitigação fizermos, menos teremos de nos adaptar", disse o ministro de Meio Ambiente da Hungria, Miklós Persányi. Para exemplificar, contou que entrou no banheiro um dia e encontrou a torneira aberta, com a água transbordando. E pensou: deveria enxugar a água do chão com uma toalha (adaptação) ou fechar o torneira (redução de emissões)? "Acho que precisamos usar a toalha, mas fechar a torneira primeiro", disse.
No final, foi aprovado um documento com princípios e ações para facilitar a adaptação, tanto para os países em desenvolvimento quanto desenvolvidos.

Bê-a-Bá Ambiental
COP-10: 10.ª Conferência das Partes, reunião anual que reúne os países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês)
UNFCCC: Popularmente conhecida como Convenção do Clima, foi assinada na Rio 92 e entrou em vigor em 1994. Tem como objetivo estabilizar a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera e, com isso, reduzir as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global
PROTOCOLO DE KYOTO: Instrumento da Convenção do Clima, redigido em 1997 no Japão. Exige que os países mais industrializados reduzam suas emissões de gases do efeito estufa em 5% ate 2012, com base no níveis de 1990
PRAZO: O protocolo entrará em vigor no dia 16 de fevereiro. Suas metas devem ser cumpridas no período de 2008 a 2012
PRINCÍPIO BÁSICO: O Protocolo não impõe metas de redução aos países em desenvolvimento por entender que a responsabilidade maior cabe aos países industrializados. É a chamada responsabilidade comum, porém diferenciada

OESP, 19/12/2004, Vida, p. A21

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